Entrevista com os apresentadores do podcast Neurodivergente
Conversamos com o Instituto JNG
Morar longe dos pais é um sonho quase unânime de jovens adultos. Porém, para pessoas com deficiência, muitas vezes isso é mais complicado. Por preocupação, diversas famílias acabam vendo essa questão com olhos negativos.
Justamente para possibilitar isso com segurança, surgiu o Instituto JNG. Conversamos com Flavia Poppe. Ela é diretora-executiva e cofundadora do Instituto JNG, economista e Mestre em Planejamento Social, é especialista em Serviços de Saúde, com 30 anos de experiência na área de políticas sociais.
Dividimos nossa conversa em duas partes, que você lê hoje e amanhã aqui na Voz da Inclusão.
Do que se trata o Instituto JNG?
O Instituto JNG está literalmente furando a bolha que exclui as pessoas com deficiência intelectual, síndrome de down e/ou autismo. A primeira moradia independente com apoio individualizado do Brasil é um projeto inovador que possibilita que jovens adultos com deficiência saiam da casa de seus pais e vivam de forma independente, como todo jovem adulto almeja para sua vida.
O projeto-piloto dessa iniciativa pioneira durou 2 anos, de novembro de 2021 a dezembro de 2023, no Rio de Janeiro. Ao longo desse período, comprovamos que é possível impactar o curso tradicional da trajetória da vida adulta de pessoas com deficiência de forma positiva, com ampliação dos seus níveis de autonomia e independência. Do simples fato de ter sua própria casa, sua privacidade, há muitos estímulos para que o adulto com deficiência amplie sua prática de autonomia.
A metodologia desenvolvida pelo JNG é baseada no modelo social da deficiência, com apoio personalizado, que respeita a singularidade de cada adulto com deficiência. Esse apoio é dado por uma equipe de profissionais capacitados que trabalham em regime de plantão, 24h, 7 dias por semana.
O marco conceitual do modelo de moradia JNG engloba 5 princípios:
1. o conceito fundador é que não se pode propor nenhuma política pública ou estratégia visando o bem-estar ou inserção das pessoas com deficiência sem a efetiva participação dos interessados: “Nada sobre nós sem nós”
2. Qualquer adulto com deficiência pode morar sozinho, ou com quem quiser, sempre que tiver o apoio adequado ao seu perfil
3. A moradia independente é simplesmente a casa da pessoa. O tratamento terapêutico se faz em clínicas ou com profissionais especializados
4. A moradia deve estar localizada em bairro urbano, inserida numa comunidade de pessoas com e sem deficiência
5. A vida de cada morador deve se organizar a partir das suas escolhas e das suas habilidades e não em função de regras de coletividade decididas por outros
Como surgiu o projeto de moradias independentes para pessoas com deficiência intelectual e TEA?
As iniciais J, N e G são de João, Nicolas e Gabriella, três jovens com deficiência intelectual que eram amigos de escola. Suas mães compartilhavam preocupações e angústias com o encerramento da fase escolar e a transição para a fase adulta. Para onde irão? Como buscar capacitação? Vão trabalhar? Onde vão morar? A cada pergunta o horizonte se fechava ainda mais. Assim, decidiram fundar o Instituto JNG para promover o debate sobre a vida adulta das pessoas com deficiência intelectual, síndrome de down e TEA, focando em um tema pouco abordado por conta da sua complexidade: o direito à moradia. Ao pesquisar o tema, descobriram que o modelo de moradia independente já é consolidado em outros países e decidiram trazer para o Brasil. Assim nasceu o Instituto JNG , em 2013.
Pouco se fala sobre jovens e adultos com deficiência e a vida adulta independente. A moradia é estratégia para a vida adulta emancipada, em um processo de aprendizagem contínua e empoderamento. A moradia independente é transformadora, estimula e favorece a inclusão plena e naturalizada de pessoas com deficiência, o seu pleno acesso aos recursos da sociedade, mudando a dinâmica do convívio social nas comunidades, prédios e bairros como são, mesmo com limitações.
Qual a importância de reforçar nessas pessoas a sua independência?
Ponto 1: Considerá-los e enxergá-los como cidadãos de direito. Quanto maior promovemos a autonomia e a independência, mais probabilidade essa pessoa tem de estar inserida na sociedade, de interagir com a vizinhança, de conseguir um trabalho, de ser um consumidor.
Ponto 2: Reforçar a importância do convívio em comunidade, com as pessoas com deficiência ocupando os espaços. Nesse sentido, é também possibilitar e estimular que a sociedade aprenda a conviver com pessoas diferentes. Ao promover autonomia e independência de pessoas com deficiência, estamos de fato garantindo a diversidade da sociedade, uma convivência que vai ao encontro dos princípios básicos dos direitos humanos. A sociedade se enriquece.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do Folha Vitória