Entre montanhas, neblinas e estradas de chão, um dos cafés mais respeitados do Brasil brota da terra com aroma de luta, tradição e identidade. Na divisa entre Espírito Santo e Minas Gerais, o café arábica do Caparaó não é só um produto. É um símbolo da força de famílias que resistem, inovam e colhem reconhecimento com um dos selos mais importantes do país: a Indicação Geográfica de Denominação de Origem (DO).
Concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), essa certificação garante que os cafés da região têm características únicas, diretamente ligadas ao solo, ao clima e aos saberes locais. A IG também protege o nome geográfico, fortalece a economia local e desperta o orgulho de pertencimento.
É sobre isso que trata a série especial IdentidadES, uma produção da Rede Vitória em parceria com o Sebrae/ES. Nesta estreia, mergulhamos no Caparaó para conhecer de perto quem faz esse café acontecer.
“A gente ia vender tudo. Mas o café especial salvou nossa história”
O produtor Deneval Miranda, do Sítio Cordilheiras, em Iúna (ES), chegou perto de desistir da roça. Em 2010, vivia uma crise. “Se não aparecesse nada diferente, a gente ia vender o sítio e ir embora para a cidade”, relembra.
Foi nesse momento que surgiu o convite para participar de um concurso de cafés especiais. Ele não sabia quase nada sobre qualidade ou processamento, mas topou o desafio e mergulhou nos estudos.
Entre 2010 e 2015, Deneval participou de cursos, buscou apoio técnico, investiu em estrutura. O resultado? Em 2017, já era um dos 10 melhores produtores do Brasil. No ano seguinte, foi campeão nacional. Em 2023, venceu mais uma vez, agora com um café eleito o melhor do país.
“Antes a gente era frustrado com a produção. O café especial mudou a nossa vida”, diz. Hoje, Deneval é vice-presidente da Associação dos Produtores de Cafés Especiais do Caparaó (Apec) e sua marca, Café Cordilheiras, é reconhecida em concursos e cafeterias de alto padrão. Ele sonha alto: “Quero transformar nosso sítio em uma escola de café, compartilhar conhecimento, formar gente”, revela.
O café do Caparaó nem sempre foi sinônimo de excelência. Nos anos 80, muitos cafeicultores da região pensavam em desistir da produção por conta das dificuldades climáticas.
“Na época, chovia durante a colheita, o que comprometia muito a qualidade do grão. Os produtores estavam desanimados e abandonando o café”, lembra o secretário de Estado da Agricultura, Enio Bergoli, que atuou como engenheiro agrônomo na região naquela década.
Décadas depois, o cenário é outro. “Hoje o Caparaó talvez seja o maior case de sucesso da nossa diversidade cafeeira. Isso é fruto da dedicação dos cafeicultores, mas também da ciência e tecnologia capixaba. A região virou fonte de cafés especiais não só para o Espírito Santo, mas para o Brasil e para o mundo”, afirma Bergoli.
Mulheres à frente da torra, da terra e do turismo
A trajetória da produtora Tatiana Favoreto também passou por incertezas. Em 2018, após a venda de um terreno da família, ela precisou se mudar com os filhos para o sítio da mãe, em Muniz Freire. A terra era pequena, e o sustento, incerto. No ano seguinte, com apoio do cunhado, abriram uma pequena lanchonete em Iúna. Com o tempo e muito trabalho, o espaço virou a premiada cafeteria Delícias do Caparaó.
“Meu cunhado dizia: ‘assumam o papel de mulher no café’. E a gente foi”, conta Tatiana. Com as irmãs Juliana e Poliana, ela tocou o negócio, mesmo com os desafios da pandemia e até de uma enchente. Hoje, a cafeteria tem duas unidades, e a produção própria, batizada de Café Três Anas, mal dá conta da demanda.
Tatiana também é presidente do Conselho de Turismo de Muniz Freire, integra a Apec e participa ativamente da governança territorial. “A IG é um marco pra gente. Antes, nossos cafés não tinham nome. Agora têm sobrenome, identidade e orgulho”, afirma.
A origem que transforma
A Indicação Geográfica de Denominação de Origem do Café do Caparaó foi oficialmente reconhecida em 2021. O selo contempla o café produzido em dez municípios do Espírito Santo, como Dores do Rio Preto, Iúna, Muniz Freire e Guaçuí, e seis de Minas Gerais.
O reconhecimento foi resultado de um trabalho coletivo, que uniu produtores, técnicos, pesquisadores e instituições como Sebrae/ES, Incaper e Ifes. Segundo o INPI, a DO é a mais exigente das IGs e comprova que as qualidades do produto estão diretamente ligadas ao território e ao saber local.
A presidente da Apec, Cecília Nakao, destaca a importância estratégica da IG: “Ela valoriza o que é da terra, protege o nome do lugar e impulsiona a economia. Além disso, comunica ao mundo que ali existe uma tradição, um saber e uma excelência”, fala.
Para Cecília, a IG também tem um papel essencial na gastronomia e no turismo. “Chefs e consumidores buscam produtos com identidade. Quando você prova um café com IG, está provando uma história, uma cultura, um território inteiro condensado numa xícara”, diz.
Indicação Geográfica
A Indicação Geográfica (IG) é um selo concedido pelo INPI a produtos ou serviços que têm reputação, qualidades e características vinculadas à sua origem geográfica. Pode ser classificada como:
- Indicação de Procedência (IP): reconhece a notoriedade de um local na produção de determinado produto.
- Denominação de Origem (DO): mais exigente, comprova que as qualidades estão ligadas aos fatores naturais e humanos da região.
No caso do Caparaó, o que está registrado é a DO, o mais alto nível de certificação, o que coloca o café do território em um novo patamar de valorização.
As histórias de Deneval e de tantos outros personagens estão no primeiro episódio da websérie especial IdentidadES. Produzido pela Rede Vitória e Sebrae/ES, ela mostra como o café arábica do Caparaó, reconhecido com Indicação Geográfica, virou símbolo de resistência, qualidade e identidade.
Sobre a websérie
IdentidadES é uma websérie de reportagens e vídeos produzidos pela Rede Vitória em parceria com o Sebrae/ES. A cada episódio, uma história inspiradora revela como produtos com Indicação Geográfica estão transformando vidas, territórios e economias no Espírito Santo.