Crianças e pais da escola Idade Criativa (Foto: Leiri Santana)
Crianças e pais da escola Idade Criativa (Foto: Leiri Santana)

Em um cenário nacional em que apenas quatro em cada 10 escolas brasileiras desenvolvem projetos pedagógicos interdisciplinares contínuos (Censo Escolar/MEC), a Idade Criativa se destaca como uma referência no Espírito Santo.

A escola de educação infantil, localizada em Vitória, construiu ao longo dos anos um percurso que extrapola o currículo tradicional e transforma investigação, escuta e protagonismo infantil em projetos premiados, reconhecidos tanto pela comunidade escolar quanto por instituições especializadas.

A força desses trabalhos está na essência da escola: aprender com propósito. E, para a diretora, Alessandra Salazar Paganoto, esse propósito nasce sempre do mesmo lugar, a escuta atenta das crianças.

Projetos que nascem do cotidiano e viram pesquisa

 Alessandra Salazar Paganoto, diretora da escola em premiação (Foto: Arquivo pessoal)
Alessandra Salazar Paganoto, diretora da escola, em evento de premiação (Foto: Arquivo pessoal)

Inspirada na abordagem de Reggio Emilia, referência mundial em educação infantil, a Idade Criativa trabalha com uma pedagogia em que as crianças são protagonistas e aprendem por meio da pesquisa, da curiosidade e da vida real.

“Todos os projetos nascem das falas das crianças no dia a dia. É quase literal: nós escutamos, registramos e deixamos que a investigação se abra”, explica Alessandra. Foi assim que um dos projetos mais emblemáticos da escola surgiu: “De gota em gota: cuidando da água para toda a vida”, premiado por três anos consecutivos.

O ponto de partida foi o racionamento de água no Espírito Santo. Uma criança se recusou a tomar banho, dizendo: “Eu não vou acabar com a água do planeta”. Essa inquietação virou pesquisa, estudo de biomas, experimentos, vocabulário ampliado e participação da comunidade. “O senso de proteção à natureza nasce muito mais das crianças do que dos adultos. Nosso papel é ampliar repertórios e orientar.”

Esse modelo se repete para todos os grupos, do berçário ao Grupo 5, sempre com uma trilha de investigação adaptada à faixa etária, envolvendo diversas linguagens: inglês, educação física, musicalidade, pesquisa em livros, documentários, observação, fotografia científica e vivências práticas. Os projetos ultrapassam as paredes da sala e permeiam toda a rotina escolar.

Eles influenciam até o cardápio, que traz itens de biomas estudados, como cerrado e caatinga; as brincadeiras corporais nas aulas de educação física; as canções que falam da fauna e da flora, e as atividades de inglês que trazem novos repertórios de vocabulário.

Alessandra Salazar Paganoto, diretora da escola

Outro destaque é o projeto “Eu, criança, e Jardim da Penha”, que trabalhou pertencimento e identidade com as crianças por meio de saídas pedagógicas pelo bairro: visitas ao supermercado, à cafeteria, ao hortifruti, além da exploração de placas de trânsito e veículos como tratores e guindastes. Tudo isso foi transformado em pesquisa, linguagem, arte, escrita e reflexão sobre a cidade.

“Quando a criança começa a usar palavras como ‘tatu-bola’, ‘lobo-guará’ ou ‘cauda do macaco’, percebemos o quanto o vocabulário dela se refina. Mas é mais do que isso: ela passa a observar cores, texturas, sons, formatos. O olhar dela sobre o mundo muda.”

Confira os projetos premiados da Idade Criativa:

2012

  • 2º Lugar: As maravilhas do mar
  • 3º Lugar: Minha cidade, uma grande vitória

2013

  • 1º Lugar: Minha cidade, uma grande cidade

2014

  • 1º Lugar: Brincadeiras e Sustentabilidade

2016

  • 1º Lugar: De gota em gota: cuidando da água para toda vida
  • 2º Lugar: Brincadeiras e sustentabilidade

2017

  • 1º Lugar: De gota em gota: cuidando da água para toda vida
  • 3º Lugar: Ser da natureza

2018

  • 1º Lugar: De gota em gota: cuidando da água para toda vida

2023

  • 1º Lugar: Projeto MaREs

2025

  • 1º Lugar: É para cuidar, é para salvar

Projeto premiado em 2025: crianças investigam os biomas brasileiros

Crianças e pais da escola Idade Criativa (Foto: Leiri Santana)
Crianças e pais da escola Idade Criativa (Foto: Leiri Santana)

Entre os trabalhos mais recentes, o projeto “É para salvar, é para cuidar: fauna e flora brasileira” ganhou destaque em 2025 ao transformar um tema complexo e urgente em investigação acessível para crianças de quatro meses a seis anos.

A iniciativa nasceu do impacto causado pelas notícias sobre queimadas e pela devastação dos biomas brasileiros que chegaram à rotina das salas de aula e despertaram inquietações genuínas nos pequenos.

A quantidade de notícias sobre queimadas, no ano passado, impressionou as crianças, que passaram a levar para as salas de aula relatos impactantes sobre o futuro delas e do meio ambiente. Mesmo tão pequenas, elas perceberam que algo errado estava acontecendo. As imagens dos incêndios na vegetação e a ação dos bombeiros despertaram a curiosidade delas.

Alessandra Salazar Paganoto, diretora da escola

A partir dessas perguntas e percepções, o projeto estruturou um percurso de pesquisa que percorre os seis biomas do país, combinando estudo, observação, visitas a áreas de preservação e diálogo com especialistas.

Realizado em parceria com biólogos e instituições ambientais do Espírito Santo, o trabalho busca ampliar o repertório das crianças e desenvolver consciência ambiental desde cedo, valorizando fauna, flora e práticas de cuidado.

Ao longo de 2025, cada turma investigou um recorte do tema por meio de atividades interativas, exploração de materiais naturais, registros, experimentações e conversas com profissionais da área.

O objetivo é que as crianças compreendam, com linguagem adequada à idade, como os biomas funcionam, por que são importantes e o que pode ser feito para protegê-los.

Reconhecimento e impacto: projetos que premiam e transformam

A Idade Criativa acumula premiações ao longo dos anos, fruto do trabalho sistemático de pesquisa, formação docente e acompanhamento pedagógico. Para Alessandra, o reconhecimento externo é importante, mas não é o objetivo final: é consequência.

É um passo que exige coragem, porque rompe com práticas convencionais. Mas quando vemos o brilho nos olhos das crianças, quando as famílias relatam impactos em casa, sabemos que estamos no caminho certo.

Alessandra Salazar Paganoto, diretora da escola

A escola mantém um trabalho constante de formação de professores, encontros pedagógicos e pesquisa. “Sair da caixinha exige estudo. Busco referências no Brasil e fora dele, e toda a equipe estuda muito. A escola inteira se torna um ambiente de aprendizado, não só as salas.”

Impacto que atravessa os muros: o olhar das famílias

Aluno do Idade Criativa (Foto: Arquivo pessoal)
Aluno do Idade Criativa (Foto: Arquivo pessoal)

Marcela Lacerda percebe no filho, Hugo, o reflexo da pedagogia da pesquisa no cotidiano. Para ela, o fato de a escola ser premiada não é apenas um título, mas um indicador de comprometimento real.

Meu filho se indigna ao ver lixo na praia, hábito que nasceu em um projeto de dois anos atrás. Ele sabe atravessar na faixa com o braço sinalizado, como aprendeu no projeto de 2024. E, neste ano, o projeto sobre meio ambiente despertou nele consciência sobre a preservação e a biodiversidade.

Marcela Lacerda, mãe de aluno

Ela ainda complementa que a premiação conquistada pela escola demonstra que existe pesquisa, estudo e dedicação, afinal, ensinar a cuidar do mundo desde cedo não é só uma lição: é investimento no futuro.

Questionada sobre quando percebeu que a escola havia se tornado referência, a diretora, Alessandra, diz que essa consciência vem do dia a dia, da fala das famílias e da transformação visível das crianças.

A Idade Criativa, assim, consolida-se como uma escola que produz mais do que projetos premiados: produz experiências que reverberam, transformam e constroem um modo de aprender que ultrapassa o currículo e forma crianças que pesquisam, questionam, observam e se relacionam de forma consciente com o mundo.