O Projeto de Lei nº 717/2025, aprovado recentemente pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo e que atualmente aguarda sanção do governador Renato Casagrande, colocou no centro do debate a atualização das taxas cartorárias no Estado. A proposta em questão combina a revisão de valores que não sofrem reajuste real há mais de duas décadas com a adoção do princípio da capacidade contributiva, prevendo redução de custos para a população que adquire imóveis de menor valor e para famílias atendidas pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, ao mesmo tempo em que estabelece cobrança proporcionalmente maior para operações imobiliárias de alto padrão.
Desde 2001, as taxas cartorárias no Espírito Santo têm como referência o Valor de Referência do Tesouro Estadual (VRTE), que acumulou alta de 308,6% ao longo de 25 anos. Ao mesmo tempo, outros indicadores econômicos avançaram em ritmo muito mais acelerado. O salário-mínimo registrou crescimento acumulado de 743,3%, a cesta básica subiu 671,5% e o IGP-M, índice associado ao preço dos aluguéis, avançou 505,2%.

Essa dinâmica se refletiu diretamente no mercado imobiliário capixaba, especialmente a partir de 2015. Levantamentos da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Espírito Santo (Ademi-ES) e do índice FipeZap mostram que os preços dos imóveis passaram por forte valorização na última década. Entre 2012 e 2022, bairros como Barro Vermelho, Bento Ferreira, Jardim Camburi e Praia do Canto, em Vitória, tiveram alta média de 101,15%. Em Vila Velha, a valorização média nos bairros analisados ultrapassou 127,6% no mesmo período.
Em termos concretos, imóveis residenciais em áreas valorizadas praticamente dobraram de preço. Na Praia do Canto, um apartamento de quatro quartos que custava cerca de R$ 900 mil passou a ser comercializado por mais de R$ 2 milhões. Em Itapoã, em Vila Velha, um imóvel de três quartos saiu da faixa de R$ 386 mil para quase R$ 945 mil. Atualmente, o metro quadrado em Vitória alcança R$ 14.102, o mais caro entre as capitais brasileiras, mais que o triplo do valor registrado em 2012, segundo o FipeZap.

Enquanto o valor dos imóveis e os custos da construção civil avançavam de forma expressiva, as taxas cartorárias permaneceram praticamente estáveis em termos reais. De acordo com o Sindicato dos Notários e Registradores do Espírito Santo (Sinoreg/ES), a atualização prevista no projeto representa a primeira revisão efetiva da tabela de emolumentos desde o início dos anos 2000 e não configura um aumento real acima da inflação, mas uma recomposição parcial após longo período de defasagem.
O texto aprovado também introduz mudanças na forma de cobrança, com impacto direto para a população de menor renda, destaca o advogado tributarista Samir Nemer. “Para imóveis de até R$ 350 mil, faixa que concentra a maioria das operações imobiliárias no estado, a estimativa é de redução média de cerca de 20% nos custos cartorários. Além disso, aproximadamente 60% das transações imobiliárias no Espírito Santo ocorrem por meio do Sistema Financeiro de Habitação e do Programa Minha Casa, Minha Vida, casos em que não há cobrança de escritura pública e os emolumentos de registro são reduzidos em 50%”.
Justiça Tributária e manutenção de serviços essenciais
A proposta busca ainda corrigir uma distorção histórica do modelo anterior, no qual operações de baixo valor arcavam, na prática, com custos próximos aos de transações milionárias. Com a nova sistemática, imóveis de maior valor passam a ter contribuição proporcionalmente mais elevada, enquanto operações abaixo da média do mercado capixaba tendem a ter redução de custos, em linha com o princípio da capacidade contributiva.
A rejeição ou alteração substancial do projeto teria um efeito colateral grave, com a inviabilização econômica de mais de uma centena de pequenos e médios cartórios espalhados pelo interior capixaba. O fechamento dessas serventias significaria a ausência de serviços essenciais, como registros de nascimento, óbito e imóveis, além de enfraquecer um importante sistema de apoio ao combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e à fiscalização da arrecadação tributária; inviabilizando, ainda, a desjudicialização de vários procedimentos, indo desta forma contra as metas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Outro ponto envolvido no debate é o papel dos emolumentos no financiamento indireto de serviços públicos essenciais, que atendem justamente a parcela mais carente da população. Parte da arrecadação é destinada a custear a gratuidade de atos de cidadania e a apoiar a atuação do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública. Esses recursos são considerados estratégicos para garantir o acesso da população mais vulnerável a direitos básicos de proteção e atendimento de demandas de cidadania.
Diante de um cenário de forte valorização imobiliária e aumento expressivo dos custos da construção civil, o projeto de lei propõe atualizar um sistema que permaneceu praticamente inalterado por mais de duas décadas. Ao redistribuir os valores de forma mais justa, reduzir custos para quem compra imóveis de menor valor e manter os serviços essenciais que garantem direitos básicos à população, a proposta amplia o debate para além dos números. Trata-se de uma medida que busca equilíbrio, justiça e impacto social positivo para o Espírito Santo.