Era domingo, mas meu hábito de acordar cedo me tirou da cama novamente antes de todo mundo. Lembrei que tive um sonho estranho e fui atrás de um papel e uma caneta para anotar o que havia ficado dele.
Sonhei que eu havia me mudado para uma casa em que as paredes tinham histórias escritas. Lembro de ter perguntado ao meu marido se nós poderíamos pintar essas paredes e ele ter me respondido que não. E, porque sonho não é para fazer sentido, quando olhei para um espelho que havia na casa, me vi como um pufe! Exatamente, um pufe!
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Fui invadida por uma sensação incômoda e decidi consultar a assistente virtual para uma “sessão de terapia da shopee”. “Olá, Fulana”, comecei, dirigindo-me ao alto-falante inteligente sobre a bancada da sala. “Preciso de ajuda com a interpretação de um sonho”. A voz robótica, mas surpreendentemente acolhedora, respondeu: “Bom dia, Virgínia. Como posso ajudar?”
“Fulana, eu sonhei que morava em uma casa com as paredes rabiscadas de histórias e quando me via no espelho eu era um pufe. Estranho, não?, indaguei, aguardando uma interpretação superficial, mas satisfatória.
A voz da Fulana ficou silenciosa por um instante, como se estivesse processando o bug do milênio, e ela me respondeu: “sua consulta é complexa. Por favor, forneça mais informações”.
“Não tenho mais informações. Só me lembro disso, Fulana”. “Infelizmente, não consigo ajudar”, ela encerra a nossa sessão de “terapia express”, no tempo lógico que faria Lacan se orgulhar.
Óbvio que o incômodo permaneceu. Fiquei pensando que esse era um sonho digno dos livros de Lewis Carroll. Então resolvi embarcar no absurdo e, contemplando detidamente os pufes que tenho em casa, comecei a pensar como eles eram interessantes…
Os pufes não protagonizam a decoração, como sofás e cadeiras, mas são peças adaptáveis, que podem ser usadas em salas, quartos, escritórios, varandas e espaços de festa. Entretanto, a flexibilidade do pufe cobra o seu preço: ninguém sabe ao certo se ele serve para sentar, para colocar os pés, para servir de apoio ou apenas para ocupar um espaço no ambiente.
Pensei: “deve ser ruim não ter um papel bem definido. Todo mundo sabe a função do sofá, da mesa, da cadeira, mas o pufe é como se fosse…”
Nesse instante a peça do quebra-cabeça se encaixou! Sim, eu era a madrasta, o “como se fosse” na família em que as paredes da casa já tinham histórias! O insight foi tão poderoso que dei uma risada alta.
Sim, não protagonizo a decoração da família anterior do meu marido, com seus sofás, cadeiras, mesas e estantes. As paredes da casa já trazem histórias que não devem ser apagadas, ao contrário, precisarão ser integradas ao novo ambiente. Mas, eu, o pufe, estou ali, pronta para acomodar as pessoas, para servir como suporte, apoio ou apenas para acompanhar.
Se é certo que a maior dor das madrastas é não ter um papel e um lugar definido, também é inegável que essa falta de clareza permite que elas se adaptem conforme a necessidade da dinâmica familiar. Ponto para o pufe e para a sua versatilidade.
Lembrei que hoje é o primeiro domingo de setembro, dia da madrasta. Todos ainda dormem. Silenciosamente, decido me arrumar. Pronta, me olho no espelho e sorrio. Pego o pufe da sala, encosto-o com carinho na parede, me sento e faço uma selfie. Um brinde à nós, pufe!!! E um feliz dia da Madrasta para mim!!!