Um áudio gravado no consultório mostra o momento em que a médica Maria Júlia Roseira Bessa Ferraz, de 24 anos, é vítima de agressões verbais por parte do vereador Oldair Rossi, na UPA de Guarapari. O caso aconteceu no fim de agosto de 2025.
A denúncia dos momentos das agressões foi compartilhada por meio das redes sociais da médica e do pai, o médico Murilo Pessanha Ferraz.
Veja o que foi gravado:
Durante a denúncia, divulgada por meio de um áudio, é possível perceber que o médico teria a agredido verbalmente com falas como: “Se falar isso de novo, te dou voz de prisão. Agora, faça isso de novo, que você vê, eu estou fazendo o que aqui? Estou fazendo política aqui? Eu vou chamar o cento e noventa pra você. Me respeita, sou fiscal”.
Além disso, em determinado momento, o vereador acusa a médica de “estar brincando”. “Você está brincando com uma autoridade, fiscal de vocês, não brinque comigo. Você não está falando com criancinha aqui não”.
Diante das agressões, a médica tenta manter a calma e responde às agressões do vereador. “E você também não está falando com criança. Exatamente, eu te pedi para conversar comigo por um minuto e você não parou para sentar e conversar comigo”.
Como o caso foi registrado?
Segundo a médica, que trabalha no Hospital Materno Infantil Francisco de Assis (HIFA), ela prestava apoio voluntário na sala vermelha, de emergências, da UPA, naquela noite, quando a confusão começou por conta do atendimento a uma paciente.
Segundo ela, a paciente foi atendida por uma outra médica e não apresentava critérios para atendimento de emergência. A mulher estava em dor intensa, mas foi medicada e precisava esperar o resultado de um exame.
Ela relata que a paciente havia passado por todos os protocolos, já não sentia dor e que o atendimento seguia o protocolo indicado, por nível de gravidade e por tempo de cada procedimento.
Enquanto aguardava o próximo exame, a paciente teria ficado desorientada por não encontrar a médica que estava a atendendo, que havia saído para jantar. O que, segundo a funcionária da UPA, aconteceu em um período de menos de 20 minutos.
Ao não encontrar a médica que a havia atendido, a paciente entrou em contato com o vereador, que ligou para a unidade de saúde.
“Ele ligou para a unidade e eu disse que não poderia fornecer essas informações por conta da Lei Geral de Proteção de Dados, até mesmo pela própria ética médica e que se ele quisesse, poderia ir até a unidade para conversarmos lá”, contou a médica.
De acordo com a profissional, o parlamentar já chegou alterado à unidade de saúde. Ele exigia que a paciente fosse atendida e transferida para um hospital.
“Ele já chegou bravo, talvez por ter tido que ir lá. Ele chegou falando alto, mandando passar a paciente na frente, para que fosse levada para o HIFA, para que fosse atendida. Ele chegou exigindo que fizéssemos coisas que já estavam sendo feitas. O primeiro exame mostrava que a paciente não precisava de transferência, estávamos explicando para ela a situação. Já o segundo mostrava uma alteração e isso faria com que ela conseguisse uma avaliação cirúrgica, eu só não garantiria que ela poderia ser operada naquele dia”, relatou.
Vereador teria exigido que acompanhante filmasse sala
Durante a discussão, a acompanhante da paciente teria pegado o celular e apontado para a sala vermelha, o que foi repreendido pela médica, que disse não ser autorizada a filmagem das instalações.
Diante disso, a acompanhante se desculpou e afirmou não estar filmando a sala, apenas mandando uma mensagem via Whatsapp.
Neste momento, segundo a médica, o vereador teria começado novamente a gritar e a bater na mesa a dizer que a acompanhante tinha o direito de filmar o local, que era um espaço público.
“Ele disse que ela ia gravar, sim, colocou o dedo na minha cara. Bateu na mesa, começou a nos agredir verbalmente. Eu até disse que entendia que ele estava ali para fazer política. Daí ele não baixou mais o tom, disse que me daria voz de prisão, que chamaria o 190. Eu fiquei com muito medo, pensando que ia ser presa sem ter feito nada”, contou.
Durante a discussão, uma viatura do Samu chegou à UPA, momento em que a médica deixou da sala para atender os pacientes em estado grave na ambulância. Neste momento, em uma gravação iniciada por outra médica, é possível ouvir o vereador dizer “você é pequenininha”.
Ainda segundo a médica, o vereador teria entrado no setor intermediário da UPA e dito a pacientes que eles não deveriam estar ali e que deveriam ser transferidos para um hospital.
“Ele não entende de saúde pública, um paciente só é transferido quando há necessidade ou disponibilidade. Ele queria que todos fossem para o hospital, mesmo que não tivesse vaga”, explica.
CRM-ES repudiou o caso
Por nota publicada nas redes sociais, o Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) repudiou o caso e prestou apoio à médica.
Na nota, o CRM-ES afirma que o vereador repudiou a médica no plenário da Câmara e que atitudes como esta afastam profissionais do atendimento.
“Incidentes como esses afastam profissionais como a Dra. Maria Júlia do atendimento, o que sobrecarrega a assistência médica e penaliza a população”, afirmou o Conselho.
Ainda na nota, o CRM confirma que há áudios que “comprovam a conduta abusiva do parlamentar, e o caso demanda reparação à profissional”.
O presidente do CRM-ES, Fernando Tonelli, encaminhou na quinta-feira (4) ofícios à Presidência da Câmara de Guarapari, ao Ministério Público do Espírito Santo e ao procurador do município, pedindo providências contra o vereador. A informação foi compartilhada em um vídeo na rede social do Conselho.
Veja o vídeo:
Prefeitura lamentou o episódio
Também por nota, a Prefeitura de Guarapari lamentou o episódio e afirmou que desde o primeiro momento todas as medidas necessárias foram tomadas pela direção da unidade, garantindo suporte à profissional e a preservação do ambiente de atendimentos.
“É importante destacar que o Poder Executivo e o Poder Legislativo são independentes, cabendo a cada um responder por seus atos”, afirmou a prefeitura.
O que diz o vereador
Pelas redes sociais o vereador publicou um vídeo que definiu como “nota de esclarecimento e pedido de desculpas”.
Na filmagem, o parlamentar inicia sua fala em um pedido desculpas, dizendo que sente muito se a profissional se sentiu diminuída, coagida ou menosprezada.
“Em nenhum momento quis causar qualquer mal-estar. Reconheço seu trabalho e o trabalho de toda a equipe da UPA. Não tenho dúvida de que estavam prestando o melhor serviço possível”, afirmou.
Ainda no vídeo, o vereador afirma que a médica estava sendo remunerada por seus serviços na UPA e não estava prestando serviços voluntários, como “foi equivocadamente divulgado”, de acordo com ele.
“Naquele momento não estava ali um político, mas um ser humano que estava atendendo a um pedido de socorro de uma mulher que várias vezes procurou atendimento e que não teve seus problemas solucionados”, disse.
Ainda segundo o parlamentar, há nove meses ele teria perdido o irmão por negligência médica e que naquele momento reviveu toda a dor que sentiu com a perda.
Veja o vídeo na íntegra:
A reportagem do Folha Vitória entrou em contato com o vereador Oldair Rossi, o espaço continua aberto e a matéria será atualizada assim que houver retorno.