O mundo inteiro passou a conhecer e identificar desde a última semana um sobrenome que já é bastante conhecido no Espírito Santo, sobretudo na capital, Vitória.
Leão XIV foi o nome escolhido pelo então cardeal norte-americano Robert Francis Prevost, eleito o novo papa da Igreja Católica. Se para muitos o sobrenome do estadunidense é novidade, em terras capixabas Prevost é referência e sinônimo de requinte e prestígio.
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Isso porque, na Praia do Canto, região nobre da capital capixaba, uma das principais ruas carrega o mesmo sobrenome, em homenagem a Eduardo Chapot-Prévost. (Veja sobre a grafia diferente do sobrenome ao final da reportagem).
Qual a relação do papa com a rua em Vitória?
Logo que o nome do papa foi escolhido, o questionamento foi imediato: Leão XIV tem ligação com o Espírito Santo? E quem foi Chapot-Prévost? Ele tem alguma relação com a família do novo papa?
A reportagem do Folha Vitória buscou respostas para os questionamentos e já esclarece: Eduardo, assim como o papa, é descendente de franceses e tem uma importância gigante na história mundial.
Mas vamos à história: ter o nome Prévost em uma de suas vias principais deve ser motivo de orgulho para a cidade, segundo o pesquisador José Eugênio Vieira, que também é economista e diretor de Atendimento do Sebrae.
Eduardo Chapot-Prévost foi um brilhante médico brasileiro, que nada mais nada menos é reconhecido mundialmente como o primeiro a realizar uma cirurgia bem-sucedida de separação de siamesas no mundo.
“Ele se interessou pelo caso de duas meninas siamesas, que eram capixabas. Juntou uma equipe de colegas médicos e realizou a cirurgia inédita. Ganhou merecida notoriedade por esse feito”, destacou José Eugênio.
Médico e papa têm descendência francesa
Eduardo era filho do cirurgião-dentista de nacionalidade francesa Louis Chapot-Prévost e da professora de francês Louisa Lend Chapot-Prévost, de nacionalidade belga. A coincidência com o papa está nessa descendência.
Leão XIV é nascido em Chicago, nos Estados Unidos, sendo filho de Louis Marius Prevost, um veterano da Marinha, de ascendência francesa e italiana, e de Mildred Martínez, de ascendência espanhola.
Até então, segundo o pesquisador, não há relatos e estudos para provar se eles têm ligação de parentesco. “E não temos pesquisas nessa linha, que possam ligar a família do papa à do médico. Requer mais pesquisas”, acrescentou José Eugênio.
Natural da cidade de Carmo do Cantagalo, no Rio de Janeiro, o menino Eduardo nasceu em 1864 e morou com seus pais no Centro de Vitória, mais precisamente na Rua Dionísio Rosendo (antiga Rua das Flores) da infância até a adolescência.
“Ele estudou no então Ateneu Provincial e os pais viveram no Estado por mais de 30 anos”, apontam os estudos de José Eugênio Vieira.
Meninas siamesas tinham 7 anos quando foram separadas
Eduardo Chapot-Prévost graduou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde foi professor mais tarde, e fez doutorado na Faculdade de Medicina da Bahia.
O fato que colocou o nome do médico na história da medicina mundial aconteceu em 1900. As pacientes eram Rosalina e Maria Pinheiro Dável, duas meninas capixabas unidas pelo tórax e nascidas em 21 de setembro de 1893 em Pontões, na cidade de Afonso Cláudio.
Eduardo Chapot-Prévost se interessou pelo caso, chamou colegas médicos e as meninas foram levadas para o Rio de Janeiro, onde ficaram meses preparando-se para a cirurgia, pontuou o pesquisador.
Foi Chapot-Prévost quem descobriu que elas eram unidas pelo fígado, em uma época sem recursos para exames precisos.
De acordo com pesquisas do escritor e jornalista Celso Frauches, conterrâneo do médico, “doutor Eduardo” foi “obrigado a esculpir em gesso, em tamanho natural, o modelo das duas crianças e a desenhar uma mesa de operação especial, que se dividia em duas, para permitir que ele, depois de separadas as toracoxifópagas, atendesse a uma delas, enquanto os assistentes concluíam a operação da outra”.
Ao todo, 13 médicos na cirurgia das siamesas
A cirurgia de separação de Rosalina e Maria foi realizada quando as irmãs tinham 7 anos, na Casa de Saúde São Sebastião do Rio de Janeiro, em 30 de maio de 1900. O procedimento foi encabeçado por Chapot-Prévost, contando com a participação de, ao todo, 13 médicos.
Maria, infelizmente, não resistiu e morreu oito dias depois vítima de infecção generalizada sem ligação com a cirurgia em si.
Já Rosalina sobreviveu e foi “adotada” pelo doutor Chapot-Prévost e sua esposa, Laura, sendo levada para a Europa por algum tempo. O casal teve um único filho, que morreu precocemente.
O escritor Celso Frauches, que morreu em dezembro de 2024, apontou em suas publicações sobre Eduardo Chapot-Prévost que o feito cirúrgico inédito no mundo fez com que o médico escrevesse vários artigos sobre o caso e também participasse de inúmeras conferências médicas por diferentes países.
Rosalina estava com 14 anos quando o médico e padrinho morreu, em 19 de outubro de 1907, aos 43 anos. Ao retornar para o Rio de Janeiro, a menina estudou, casou-se e morreu aos 85 anos, na década de 1970, em Niterói.
Vale destacar que, reconhecido como uma figura genial na área da saúde, Eduardo Chapot-Prévost é o patrono da Cadeira 81 da Academia Nacional de Medicina. Ele dá nome a ruas em Vitória, em Cantagalo, sua cidade natal, em outras cidades do RJ, assim como a hospital.
Rua ganhou nome “Chapot Presvot” há quase 80 anos
A Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e Habitação (Sedec) de Vitória, procurada pelo Folha Vitória, foi atrás dos registros históricos sobre a rua que faz homenagem ao médico.
Em nota, a pasta destacou que o nome da Rua “Chapot Presvot” foi denominado pela Lei nº 21, de 27 de setembro em 1948, há 77 anos.
Ainda segundo a secretaria municipal, em 10 de setembro de 2010 foi sancionada a lei que definiu o início da Rua Chapot Presvot na Avenida Saturnino de Brito, no bairro Praia do Canto, e seu término em ponto sem saída, após o cruzamento com a Rua Constante Sodré, no bairro Barro Vermelho.
Vale destacar que a grafia do nome da via é diferente do nome de registro do médico homenageado. Na prefeitura consta sem hífen, sem acento e com o “s” em posição diferente do sobrenome da família.
Mas o pesquisador José Eugênio Vieira explica:
O nome da rua muito provavelmente está errado na prefeitura, e isso é verificado em outras vias também, ainda mais quando se tratam de sobrenomes.
Arquivo Público faz busca pela família Prévost
A reportagem do Folha Vitória também procurou o Arquivo Público do Estado do Espírito Santo para saber se há registro em terras capixabas de algum imigrante com o sobrenome Prévost.
De acordo com o diretor-geral do Arquivo, Cilmar Franceschetto, foram feitas pesquisas, mas sem sucesso.
“Pesquisamos na base de dados do projeto Imigrantes Espírito Santo, do Arquivo Público, e não localizamos entradas de imigrantes com o sobrenome Prevost”, declarou.