Imagine o seguinte diálogo:
- Precisamos nos proteger.
- Também acho.
- Não está certo a Justiça nos processar. Nós somos deputados. Não somos qualquer um.
- Essa história de dar satisfação do que a gente faz não tem sentido. O mandato é nosso. A gente faz o que quiser.
A conversa é fictícia, mas hoje, poucas pessoas arriscariam dizer que algo semelhante não ocorre nos bastidores da Câmara dos Deputados. Na semana passada, eles aprovaram uma proposta de emenda à constituição que dificulta, e muito, qualquer ação judicial contra deputados, senadores e até presidentes de partido, mesmo sem mandato. 353 deputados disseram, claramente, que estão acima da lei e que não devem ser tratados como todos nós, ou seja, todo o resto da população brasileira.
A PEC da Blindagem é o exemplo mais notório do uso do bem público em benefício próprio. Deputados e deputadas que fazem da política algo pequeno, sem transparência, sem nenhum tipo de respeito pelo eleitor. A repercussão negativa passa, ousam dizer. E vida que segue. Talvez não, talvez estejam enganados ou simplesmente mal-acostumados. Neste domingo (21), milhares de manifestantes foram para as ruas em diversas capitais do Brasil protestar contra a PEC da blindagem. Detalhe: esse é um assunto que tem poder para unir eleitores de diversos espectros políticos.
Que assim seja, que a população brasileira mostre claramente a insatisfação com aqueles que se acham donos do mandato e não servidores que são.
Importante lembrar que o Senado tem a chance de corrigir a rota. A responsabilidade é dupla: primeiro, não deixar que essa pauta absurda avance; segundo, em não avançando, os senadores evitam que a questão seja judicializada, o que significaria chamar o STF mais uma vez para cumprir um papel que deveria ser da política.
Fato é que diante de tantos desafios que o país enfrenta, o Congresso não tem o direito de relegar o eleitor a uma posição de mero figurante nesse teatro de poder e privilégios. A Pec da Blindagem só colabora para a descredibilização das instituições e reforça a percepção de que, no Brasil, a impunidade é regra.