Imagem: Freepik
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*Artigo escrito por Patricia Stelzer da Cruz, doutoranda em arquitetura e urbanismo e professora da Faesa.

As cidades contemporâneas herdaram modelos de ocupação que tratam o espaço urbano como uma organização segregada. Historicamente, consolidaram-se zonas industriais, portuárias, bairros operários, centralidades comerciais e espaços de lazer, conectados por extensas redes viárias e dependentes de veículos motorizados para sua articulação.

No cotidiano, a incapacidade dessa rede e dos meios de transporte em conectar a cidade com eficiência torna-se evidente.

De acordo com o IBGE (2025), o automóvel ainda é o transporte mais utilizado no Brasil para o deslocamento ao trabalho (32,3%), seguido pelo ônibus (21,4%), pelos deslocamentos a pé (17,8%), pela motocicleta (16,4%) e, por fim, pela bicicleta (6,2%).

Para abrigar esse volume de automóveis, as cidades destinam amplas áreas para estacionamento, tanto em edifícios quanto em vias públicas.

Em grande parte do tempo, esses veículos permanecem estacionados por cerca de oito horas diárias, ocupando um espaço precioso sob os pontos de vista urbano, social e econômico.

Patricia Stelzer da Cruz, doutoranda em arquitetura e urbanismo e professora da Faesa. Foto: Faesa/Divulgação

A escolha do modal de transporte é influenciada por fatores como previsibilidade, segurança, tempo de deslocamento e conforto. Contudo, os modelos da infraestrutura viária e dos transportes atuais justificam os dados, pois priorizam o espaço para automóveis em detrimento das pessoas.

Além disso, a eficiência do transporte público é prejudicada diretamente pelo volume de veículos individuais em circulação.

Nesse cenário, o automóvel muitas vezes atravessa a cidade como se ela não existisse, transformando grandes eixos viários em locais inóspitos e perigosos, provocando a ausência de vida urbana e permitindo velocidades incompatíveis com a presença de pedestres e ciclistas.

Exemplos claros dessa realidade na Grande Vitória são a Avenida Jerônimo Monteiro, no centro da capital, e a Avenida Carlos Lindenberg, em Vila Velha.

Como resposta a essa problemática, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (2012) estabeleceu diretrizes para um acesso mais democrático, seguro e equitativo à cidade. Para que essa sustentabilidade se concretize, é sugerida a inversão da pirâmide da mobilidade, colocando a mobilidade ativa (pedestres e ciclistas) no topo do planejamento urbano.

Na prática, essas mudanças demandam intervenções públicas e privadas, além de uma profunda mudança cultural, visto que a presença do automóvel ainda é pouco questionada. Entre as soluções propostas, destaca-se a promoção de “bairros completos”, onde as demandas diárias podem ser atendidas em até 15 minutos de caminhada ou pedalada.

Para viabilizar esse modelo, é fundamental ampliar e qualificar redes cicloviárias e calçadas, integrando-as à arborização e incentivando o comércio local.

Esse processo fomenta o surgimento de fachadas ativas e atrativas, que impactam positivamente na segurança urbana. A integração de modais ativos ao transporte coletivo também representa uma estratégia eficaz para essa transição estrutural.

No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. Essa transformação deve passar pela pauta educacional para consolidar a mudança cultural necessária, evidenciando os benefícios dessa transição.

No curso de Arquitetura e Urbanismo da Faesa, trabalhamos com essa visão e acreditamos no poder transformador do conhecimento. Afinal, a melhor forma de propor cidades mais convidativas é trazendo as pessoas de volta para o espaço público, por meio de projetos que requalifiquem os percursos cotidianos.

A construção de uma mobilidade urbana eficiente exige projetar com foco nas pessoas e na vida urbana, consolidando um novo modelo onde caminhar e pedalar deixem de ser desafios e passem a ser a base de uma cidade vida e saudável.