Experimento social

Designer larga tudo, passa a viver nas ruas e conta sobre experiência no ES

Ao abraçar o projeto Nas Calçadas do Brasil, designer já percorreu cidades como Curitiba, Santos, São Paulo, Vitória e Linhares

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Foto: Reprodução Redes Sociais
Foto: Reprodução Redes Sociais

O designer paranaense Augusto Espindola, 39 anos, deixou a vida estruturada em Curitiba para viver uma experiência pouco comum: passar um período vivendo como uma pessoa em situação de rua em diferentes cidades do País.

O projeto, batizado de Nas Calçadas do Brasil, tem caráter etnográfico e busca documentar a realidade da população em situação de rua, além de observar como funcionam os serviços públicos e privados destinados a esse público.

A iniciativa começou em 2024 e, segundo ele, deve durar até dois anos. Desde então, Augusto já percorreu cidades como Curitiba, Santos e São Paulo. No Espírito Santo, ele passou por Vitória, Linhares e Vila Velha.

Os relatos são publicados em vídeos nas redes sociais e chamam a atenção pela forma detalhada com que ele descreve os desafios diários e as respostas das políticas públicas.

Foto: Reprodução Redes Sociais

“Ver, viver e relatar”

Augusto explica que a proposta surgiu de reflexões pessoais após abandonar a carreira estável.

É uma experiência imersiva, onde vou passar um tempo morando nas ruas do Brasil. A ideia é ver, viver e relatar como é de fato a situação de alguém em situação de rua em várias cidades e verificar qual é o suporte dado pelas ONGs, pelo governo e o que existe disponível para essas pessoas.”

Augusto Espindola, designer

Ele conta que a escolha por deixar Curitiba se deu pela dificuldade de se “desligar” do ambiente onde tinha família e amigos.

“Lá, eu tenho vínculos, então fica muito difícil fazer uma imersão de verdade. Foi por isso que decidi sair e iniciar o projeto em Santos, São Paulo”, completou.

Com apenas uma mochila, um celular, uma câmera, roupas básicas e R$ 20, Augusto iniciou a jornada sem romantizar a desigualdade. Segundo ele, o propósito é entender, registrar e compartilhar a rotina das ruas.

Veja o vídeo:

Passagem pela Capital capixaba

Em Vitória, Augusto relatou obstáculos para acessar serviços socioassistenciais.

“O Centro Pop estava fechado e fui informado de que só poderia usá-lo se tivesse ao menos três meses na cidade. Me encaminharam para o Albergue de Migrantes, onde disseram que eu poderia solicitar passagem para outro município ou permanecer ali e procurar emprego”, disse.

Ele destacou diferenças em relação a outras cidades.

“Em Santos, por exemplo, a maioria das pessoas em situação de rua era itinerante, justamente porque não existe essa proibição. Já em Vitória, como Capital do Estado, a política é mais restritiva. Entendo o motivo, mas, na prática, limita o acesso”, avaliou.

Apesar das barreiras, Augusto viveu reencontros marcantes. “Encontrei uma mulher que conheci em Belo Horizonte, quando ela vendia tudo para comprar crack. Em Vitória, ela já estava há cinco dias no abrigo, tinha conseguido emprego e não parecia mais usuária. Foi muito bom ver essa transformação.”

A Prefeitura de Vitória confirmou que Augusto foi atendido e, em nota, explicou que o município possui o Albergue para Migrantes, que funciona 24 horas e atende pessoas em trânsito sem condições de autossustento. Ressaltou ainda que oferece passagens a migrantes que desejam se deslocar, mas não têm recursos.

Veja a nota na íntegra:

A Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) informa que o migrante foi atendido pela rede socioassistencial do município, mas, após escuta, o mesmo relatou que seu objetivo era relatar, por meio das redes sociais, os acolhimentos institucionais por onde passa, decidindo seguir seu trabalho no município de Linhares.

Pondera que o Serviço de Acolhimento Institucional Provisório para Adultos e Famílias, denominado Albergue para Migrantes, localizado na Avenida Dário Lourenço Souza, em Mário Cypreste, é um serviço que compõe a Proteção Social Especial de Alta Complexidade de Vitória, sendo uma unidade de acolhimento imediato e emergencial que trabalha na perspectiva de atender a uma demanda específica, verificar a situação apresentada e, assim, realizar os devidos encaminhamentos.

Deve-se considerar que o sujeito/família está de passagem ou em trânsito no município de Vitória, sem condições de autossustento.

A unidade funciona 24 horas, sendo a forma de acesso durante o período diurno por meio de encaminhamentos da rede socioassistencial (Centro de Referência da Assistência Social – CRAS, Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, Centro POP, Serviço Especializado de Abordagem Social – SEAS e Gerência de Proteção Social Especial de Alta Complexidade – GAC) e por demanda espontânea. No período noturno, somente por meio de encaminhamento do SEAS.

A Semas ainda disponibiliza o benefício eventual da passagem às pessoas migrantes na capital que desejam se deslocar e, no entanto, não têm condições financeiras, seja para retornar às cidades de origem, encontrar parentes em outros municípios ou mesmo aceitar um trabalho em outra localidade.

Veja o vídeo:

Em Linhares, Augusto ficou em uma praça

De Vitória, Augusto seguiu para Linhares, onde se instalou na Praça 22 de Agosto, justamente no aniversário da cidade.

“Estou habitando aqui a praça. Dormi em uma caixa de vidro, aproveitando que há uma tomada para carregar o celular. A cidade é tranquila, quase não passa gente, mas não encontrei doações de comida”, disse.

Sem doações, ele contou que vinha se alimentando com a ajuda de Pix enviados por seguidores. “Comprei uma salsicha e pão no mercado, depois um café e um bolo. O almoço é mais caro e ainda estou tentando resolver como vou me virar”, disse.

Ele ouviu falar de um Centro Pop no município, mas não encontrou ninguém em situação de rua que conhecesse o serviço. “O que existe é a Casa de Acolhida, talvez eu vá lá quando voltar de Pontal, onde está um amigo que conheci em Belo Horizonte.”

A Prefeitura de Linhares informou que mantém políticas de atendimento a pessoas em situação de rua, incluindo a Casa de Acolhida, com alimentação, higiene e serviços de apoio. Porém, destacou que até o momento Augusto não procurou a rede socioassistencial e que as equipes não receberam chamados relacionados a ele.

Veja a nota na íntegra:

A Secretaria Municipal de Assistência Social possui políticas públicas para atendimento e acolhimento a pessoas em situação de rua, em que o cidadão é direcionado para vários serviços públicos como saúde, educação e qualificação profissional.

O Município mantém uma Casa de Acolhida onde a pessoa em situação de rua recebe todos os atendimentos necessários, além do acesso a objetos de higiene pessoal e alimentação, onde pode permanecer conforme a necessidade dos encaminhamentos.

Até o momento, o homem não procurou nenhum serviço ofertado pela rede de apoio socioassistencial do Município e as equipes de Abordagem Social também não receberam nenhum chamado da comunidade.

As equipes estão à disposição do homem para orientá-lo sobre os serviços disponíveis e as formas de acessá-lo.

Veja vídeo:

Experimento social também chegou em Vila Velha

Depois de passar por cidades como Curitiba, Santos, São Paulo, Linhares e Vitória, o designer paranaense Augusto Espindola iniciou a experiência em Vila Velha e relatou que teve mais facilidade para acessar os serviços gratuitos e foi melhor acolhido do que nas outras cidades capixabas.

No primeiro dia senti que a cidade era mais vazia, parecia que ia ser uma experiência muito solitária. Mas logo descobri o ponto de doação no pronto atendimento da Glória e consegui acessar o Centro Pop sem problemas. Isso fez toda a diferença.

Augusto Espindola

Ele também destacou o aspecto social do Centro Pop. “Um dos pontos mais importantes é a socialização. Não é tanto pelos serviços oferecidos, mas pelas pessoas. Consegui achar um perfil de morador em situação de rua mais tranquilo, que não está o tempo todo consumindo substâncias. Isso me deu mais segurança para continuar a experiência aqui”, relatou.

Sobre a recepção dos moradores, Augusto disse que se surpreendeu positivamente. “Não é que tem capixaba dando bom dia para todo mundo, mas os que pararam para conversar comigo me trataram super bem. Melhor do que em Curitiba, onde as pessoas fogem de conhecido na rua”, brincou.

Segundo ele, a estadia em Vila Velha deve ser mais pacífica e pode durar até o fim do mês. “Achei que seria difícil encontrar gente com quem andar junto ou conversar, mas depois desses primeiros dias percebi que vai ser uma boa experiência”, completou.

A prefeitura de Vitória informou que Augusto acessou os servições ofertados no Centro Pop de Vila Velha, foi atendido pela equipe e recebeu alimentação, e insumos parab a realização de higiene pessoal.

A cidade destacou que possuí dois serviços de acolhiemento, sendo um preferencial para pessoas migrantes, ou seja, de outros lugares, e também para pessoas que desejam acaitar a ajuda voluntária.

Veja a nota na íntegra:

O sr Augusto Espindola acessou o Centro de Referencia Especializado para População em Situação de Rua de Vila Velha  foi atendido pela equipe técnica   e também sendo ofertado alimentação, guarda de pertence e insumos para realização de higiene pessoal. 

O município possuem dois serviços de acolhimento institucional, sendo um preferencialmente para pessoas migrantes, importante informar que sempre é ofertado no atendimento técnico aos assistidos o acolhimento, no entanto a escolha em aceitar  e voluntária. 

Existe documentos do atendimento do sr Espindola no serviço, mas os mesmos  são sigilos, resguardando o respeito e confiabilidade.

Veja os vídeos:

Augusto largou a carreira para viver nas ruas

Foto: Reprodução Redes Sociais

Antes do projeto, Augusto vivia em um apartamento próprio, com renda média de R$ 12 mil mensais como designer autônomo. Depois, aceitou emprego fixo, mas pediu demissão após frustrações. O período coincidiu com problemas pessoais e um quadro de depressão.

“Percebi que a maior parte das pessoas ao meu redor parecia ter perdido algo de sua humanidade, deixada para trás por interesses em torno de posses e finanças. Eu acabei encontrando isso nas pessoas de rua. Quando me recuperei, tive de decidir se voltaria à carreira ou se faria um projeto social. Decidi pela segunda opção”, explicou.

Desde então, Augusto vendeu balas, coletou latas e dormiu em diferentes praças e bairros. As experiências, registradas desde outubro em vídeos no Instagram, alcançam milhares de visualizações.

Designer diz que pretende lançar um livro

Foto: Reprodução Redes Sociais

Entre as percepções, ele aponta contrastes regionais. Em São Paulo, destacou a ampla rede de assistência e a solidariedade espontânea. “A população ajuda bastante por vontade própria. Ganhei dinheiro sem pedir e recebi comida de desconhecidos. Mas o maior problema é a falta de banheiros públicos”, disse.

Ele também ressalta que nem tudo pode ser exposto on-line. “Muito do que eu vivo envolve situações pesadas: vício, corrupção policial, tráfico. É o tipo de coisa que vai para um livro, não para a internet”, afirmou.

Augusto pretende expandir a produção para o YouTube e, posteriormente, publicar um livro. “É um material que vai me dar trabalho, mas quero apresentar comparações muito bem fundamentadas entre as cidades”, disse.

Apesar da resistência da família, que não apoia a experiência, ele mantém contato diário com a mãe para tranquilizá-la.

“Não existe perspectiva de voltar ao normal. O meu normal era uma carreira de 20 anos em design e experiência de usuário. Eu não vou voltar para isso”, garantiu.

*Texto sob a supervisão da editora Erika Santos, com informações do Portal Metrópoles.

Carlos Raul Rodrigues, estagiário do Folha Vitória
Raul Rodrigues *

Estagiário

Jornalista em formação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e atua como estagiário no Jornal Folha Vitória

Jornalista em formação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e atua como estagiário no Jornal Folha Vitória