
Em um cenário nacional marcado pelo crescimento da população em situação de rua, histórias de reconstrução de vida ganham cada vez mais espaço.
Levantamento nacional feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que o Espírito Santo possui 4.426 pessoas nessa condição, alta de 14% em comparação com 2024.
Na Grande Vitória, a Capital registrou 1.116 pessoas vivendo nas ruas em outubro de 2025, segundo levantamento, e tem investido em uma rede de acolhimento que busca não apenas oferecer abrigo, mas garantir caminhos reais de autonomia. A Serra aparece em segundo no rankig capixaba, com 942 pessoas, seguida de Vila Velha (608) e Cariacica (340).
A população em situação de rua no Brasil atingiu 358.553 pessoas em outubro de 2025 — um aumento de 9%, em relação ao ano anterior. A Região Sudeste concentra a maior parte dos registros (61%), impulsionada, principalmente, pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

O Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua/POLOS-UFMG), responsável pela sistematização dos dados, explica que o aumento precisa ser analisado a partir de quatro fatores principais:
- Fortalecimento do CadÚnico, que ampliou a capacidade nacional de identificar e registrar essa população;
- Insuficiência histórica de políticas estruturantes, sobretudo de moradia, educação e trabalho;
- Precarização aprofundada após a pandemia, que afetou especialmente populações já vulneráveis;
- Emergências climáticas e deslocamentos forçados, que pressionam ainda mais os grandes centros urbanos.
A pesquisa da UFMG aponta que, apesar de o número crescer, a evolução dos registros também indica maior capacidade do País de identificar e atender essa população. No entanto, os dados reforçam que políticas estruturantes precisam avançar de forma mais robusta.
Vitória: acolhimento, cuidado e autonomia
A Capital capixaba possui mais de mil pessoas em situação de rua, mas para mudar esse cenário aposta na estruturação de políticas públicas voltadas para essa população.
O município tem investido em uma rede de acolhimento, que busca não apenas oferecer abrigo, mas garantir caminhos reais de autonomia.

A trajetória de Antônio Carlos da Silva, 65 anos, ajuda a entender a realidade de pessoas em situação de vulnerabilidade. Ele conta que chegou às ruas depois do fim do casamento. Quando a separação aconteceu, a rua acabou se tornando a única alternativa disponível.
Sem renda e lidando com problemas de saúde, a sobrevivência virou um desafio diário. Dormi no relento, comia comida de latão de lixo… Às vezes, alguém me dava um pão de anteontem, um café, mas não era sempre. A fome dói, machuca, dói muito”.
Antônio Carlos da Silva
Além da falta do que comer, ele enfrentava uma série de problemas de saúde. De acordo com Antônio Carlos, a idade avançada agravava quadros de asma, diabetes, pressão alta e dores crônicas nas articulações, o que tornava ainda mais difícil a sua permanência nas ruas.
Após três meses nessa situação, ele passou a dormir em um parque, entre Santa Marta e Andorinhas, em Vitória.
A mudança de vida começou quando alguém que o via com frequência naquele local entrou em contato com a Prefeitura de Vitória. Uma equipe de abordagem social foi até o parque e, de acordo com Antônio, o acolhimento foi feito com extrema delicadeza: as profissionais sentaram ao lado dele, conversaram, ouviram sua história e perguntaram se desejava sair daquela situação.
Fui levado para o Abrigo 1, em Santa Lúcia, e cheguei péssimo, muito magro. Então começou o tratamento. No abrigo, recebi medicação organizada, alimentação regular e uma rotina. O processo não foi só cuidado básico: estudei aqui dentro, tive aula de inglês, português, professor, EJA”.
Antônio Carlos da Silva
Ao comparar a vida atual com os meses em situação de rua, ele afirma que ainda se identifica com quem permanece nessa condição. Conta que, por isso, costuma oferecer alimentos ou água às pessoas em vulnerabilidade social, e tenta incentivar quem encontra a buscar ajuda.
Segundo ele, a sensação, hoje, é de ter sido “salvo” porque, como reforça, sair das ruas é possível quando existe um tratamento adequado e quando a pessoa aceita o acolhimento.
“Ninguém sai da rua sozinho”

Para o doutor em Educação e membro da Comissão de Promoção da Dignidade Humana Carlos Fabian de Carvalho, o crescimento da população em situação de rua é um reflexo direto da crise social pós-pandemia.
Houve aumento considerável, mas o número de equipamentos não acompanhou esse crescimento. O cenário é complexo.”
Carlos Fabian de Carvalho, doutor em Educação
O especialista reforça que nenhuma política isolada é capaz de enfrentar sozinha o problema da população em situação de rua, e ninguém consegue sair da rua sozinho.
Para ele, tratar o tema exige uma abordagem integrada, que envolva moradia, saúde, geração de renda e escolarização. Quando um desses pilares falha, explica, a pessoa tende a retornar à condição anterior, o que evidencia a necessidade de um conjunto de ações articuladas
A população em situação de rua só passa a ser vista quando incomoda, quando está na frente de casa ou do comércio. Isso tem gerado discursos de higienização, que não resolvem o problema.”
Carlos Fabian de Carvalho, doutor em Educação
Outro ponto destacado por Carlos Fabian é a importância de uma atuação conjunta entre os municípios da Grande Vitória e o governo do Estado. A avaliação dele é que, quando apenas uma cidade avança sozinha, ela acaba concentrando essas pessoas, o que reforça a necessidade de políticas regionais articuladas, com investimentos coordenados e definição de prioridades comuns.
Ele lembra ainda o papel essencial dos equipamentos de acolhimento. Ao visitar esses espaços, ressalta, fica evidente o quanto são fundamentais para garantir um nível de proteção e dignidade às pessoas em situação de rua. “Os técnicos fazem o que podem. O problema é político, é investimento”, afirma.
Para a secretária municipal de Assistência Social de Vitória, Soraya Mannato, o trabalho só funciona quando há construção de vínculo. É necessário entender os motivos pelos quais a pessoa se encontra em situação de vulnerabilidade e, assim, pensar em um plano para tirá-la dessa condição.

A ausência de moradia e a fragilidade familiar estão entre as principais causas dessa situação. Por isso, o acompanhamento contínuo e a criação de confiança são essenciais para apoiar quem deseja reconstruir a sua trajetória”.
Soraya Mannato, secretária de Assistência Social de Vitória
Ela reforça que Vitória atua com equipes multidisciplinares e integra diferentes áreas. Segundo a secretária, cada pessoa em situação de vulnerabilidade tem um objetivo de vida, um problema e uma história, por isso o trabalho envolve psicólogos, educadores e assistentes sociais, além da articulação com as secretarias de Saúde, Educação, Cultura e Esportes. Trata-se, afirma, de uma atuação intersetorial para garantir direitos fundamentais e dignidade.
Confira como acessar os serviços de pessoas em situação de vulnerabilidade na Grande Vitória
VITÓRIA
- Abrigo para Pessoas em Situação de Rua (Adultos)
O que oferece: acolhimento, alimentação, banho, higiene e acompanhamento psicossocial
Acesso: via Centro POP ou SEAS
Endereço: Rua Manoel Vivácqua, 295 – Jabour
Telefone: (27) 3317-2171
Funcionamento: 24h, todos os dias
- Albergue para Migrante
O que oferece: acolhimento, atendimento psicossocial, higienização, alimentação e recambiamento
Acesso: via Centro POP, SEAS ou demanda espontânea
Endereço: Rua Mário Cypreste, s/n – Mário Cypreste
Telefone: (27) 3132-7054
Funcionamento: 24h, todos os dias
- Casa Lar (para adultos em situação de rua com transtorno mental)
O que oferece: acolhimento, alimentação, higiene, atividades socioeducativas e atendimento psicossocial
Acesso: via Abrigo para Pessoas em Situação de Rua
Casa Lar I
- Endereço: Av. Paulino Muller, 403 – Ilha de Santa Maria
- Telefone: (27) 3222-5921
- Funcionamento: 24h
Casa Lar II
- Endereço: Rua Julia Lacourt Penna, 1100 – Jardim Camburi
- Telefone: (27) 3317-4632
- Funcionamento: 24h
- Casa República (Pessoas em processo de saída das ruas)
O que oferece: acolhimento temporário, apoio à autonomia, reinserção social e participação em serviços do território
Acesso: via Abrigo, Hospedagem Noturna, Centro POP ou Escola da Vida
Endereço: Av. Paulino Muller, 403 (fundos) – Ilha de Santa Maria
Telefone: (27) 3222-5921
Funcionamento: 24h, todos os dias
- Centro POP
O que oferece: acolhida, kit higiene, banho, alimentação, atendimento psicossocial, oficinas e encaminhamentos
Acesso: demanda espontânea ou via SEAS
Endereço: Av. Dário Lourenço de Souza, s/n – Mário Cypreste
Telefones: (27) 3132-7053 / 99612-8310
Funcionamento: segunda a sexta, 7h às 18h
- Consultório na Rua
O que oferece: atendimento itinerante de saúde, ações educativas e encaminhamentos para unidades e CAPS
Acesso: atendimento direto nos pontos onde a população está
Funcionamento:
- Segunda a sexta: 8h à 0h
- Sábados, domingos e feriados: 8h às 20h
- Hospedagem Noturna (pernoite para adultos)
O que oferece: acolhimento noturno, alimentação, banho, higiene e acompanhamento psicossocial
Acesso: via Centro POP, SEAS ou Escola da Vida
Endereço: Rua José Marcelino, 175 – Cidade Alta (atrás da Catedral)
Telefone: (27) 3022-0254
Funcionamento: todos os dias, 17h às 7h
VILA VELHA
- Acolhimento Institucional
O que oferece: Atendimento a indivíduos/famílias em risco (abandono, maus-tratos, abuso, uso de drogas, rua, medidas socioeducativas etc.).
Contato oficial: Gerência da Proteção Social Especial – 3149-7508 / 99269-3277
- SEAS – Serviço Especializado em Abordagem Social
O que oferece: Abordagem em rua, encaminhamento a serviços, reintegração familiar.
Endereço: Rua Henrique Laranja, 397, Centro – Vila Velha
Telefone: (27) 99281-3444
Horário:
• Segunda a sexta: 8h às 22h
• Sábado, domingo e feriados: 8h às 20h
- Abrigo João Calvino
Público: Adultos em situação de rua (ambos os sexos)
Endereço: Rua Luiz Gabeira, 13 – Divino Espírito Santo – Vila Velha
Telefone: (27) 99281-9938
Horário: 24 horas
- Albergue Bom Samaritano
Público: Adultos em situação de rua – migrantes do sexo masculino
Endereço: Rua Moacir Mota, 37 – Estrada de Capuaba, s/nº – Santa Rita – Vila Velha
Telefone: (27) 99282-3204
Horário: 24 horas
- Centro POP
O que oferece: Acolhida, apoio social, encaminhamentos e resgate de autonomia
Endereço: Rua Cordovil, 68 – Divino Espírito Santo – Vila Velha
Telefone: (27) 99238-1838
Horário: 7h às 17h
CARIACICA
- Centro POP
O que oferece:
- Refeições: kit café da manhã, almoço, kit lanche da tarde e jantar
- Atendimento psicológico
- Consultório na Rua
- Serviços odontológicos
- Local para banho
- Lavanderia (lavagem de roupas)
- Inclusão no Programa Acessuas Trabalho
- Endereço pode ser usado como referência para documentos e Cadastro Único
- Atendimento gratuito e sem necessidade de documentos
Endereço: Rua Manoel Freire Corrêa, nº 22 — Santa Bárbara
Horário: Segunda a sexta-feira, 8h às 18h
Telefone: 27 98875-1261
SERRA
- Centro POP
O que oferece: Acolhida, apoio social, encaminhamentos e resgate de autonomia
Endereço: Rua Ilma Henriques, 114, Jardim Limoeiro, Serra.
Telefone: (27) 2141-1189
Horário: 7h às 19h