Fazenda de Bitcoin “carbono zero” alimentada por energia solar

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Minerar Bitcoin em território brasileiro já não significa, necessariamente, girar turbinas movidas a carvão na China ou sugar megawatts da hidrelétrica de Itaipu. Conforme a matriz elétrica nacional se torna cada vez mais limpa, 85% das usinas em operação hoje são renováveis, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

A combinação entre sol abundante, queda do custo dos painéis e pressão ambiental está empurrando os grandes “racks” de ASICs para onde a radiação UV bate forte. O semiárido do Sudeste e do Centro-Oeste.

Energia solar: A nova fronteira da mineração de Bitcoin no Brasil

Só em março, a capacidade fotovoltaica ultrapassou 55 GW, dos quais 37,4 GW em geração distribuída sobre telhados e 17,6 GW em usinas centralizadas. Essa expansão explica por que fontes solar e eólica somam para os 4,2 GW do aumento da potência instalada entre janeiro e julho deste ano, espalhando parques em 14 estados.

Com a tarifa spot rondando R$ 230/MWh no submercado Sudeste-Centro-Oeste, e PPAs solares fechando abaixo de R$ 188/MWh, minerar com raio de sol virou matemática simples. Menos custo por hash e zero culpa na pegada de carbono.

Mundialmente, o Bitcoin ainda consome perto de 178 TWh anuais e despeja 99,5 Mt de CO₂ na atmosfera, números equivalentes à eletricidade de toda a Polônia e às emissões do Catar, de acordo com o Bitcoin Energy Consumption Index.

Gestores de fundos verdes e bancos multilaterais evitam blocos originados em data centers que queimem diesel ou carvão. Para mineradores brasileiros, plugados em fazendas solares que disparam fator-capacidade de 22%, essa aversão virou oportunidade concreta de captar capital estrangeiro interessado em tokens “carbono neutro”.

Com esse palco, investidores que buscam pre-lançamentos de cripto migraram do marketing meramente especulativo para roadmaps que demonstram lastro energético limpo. IDOs que reservam parte do supply para instalar painéis em Minas Gerais ou Mato Grosso do Sul já saem com etiqueta ESG pronta.

A EnergyPay, por exemplo, fracionou em ENY tokens cada watt-pico de sua planta de Itaobim, vendendo micro-frações da futura receita de 1 MWp na rede Mineira, enquanto Tether negocia usar excedentes de usinas agro-solares para assegurar taxa de hash fixa em dólar.

Ambos os casos exemplificam como o sol brasileiro se tornou argumento-chave em white papers voltados a um público que exige transparência de fontes energéticas logo no light-paper.

A Lei 14.478/2022 finalmente balizou a prestação de serviços de ativos virtuais, mas deixou a mineração fora do texto, abrindo um vácuo tributário que hoje é preenchido por legislações estaduais sobre ICMS energético e, no campo federal, por debates sobre incentivos a data centers verdes.

Na Câmara, corre paralelo um anteprojeto que pretende restringir benefícios fiscais apenas para operações que provem uso de eletricidade 100% renovável. Até lá, fazendeiros de Bitcoin “carbono zero” seguem usufruindo do mesmo desconto de 50% na TUST/TUSD concedido a qualquer gerador solar de mini ou micro-geração.

Do token ao watt: estudos de caso de fazendas “carbono zero”

A primeira experiência palpável dessa virada energética nasceu em Itaobim, Vale do Jequitinhonha, onde a paulista EnergyPay ergueu a obra-piloto de 1 MWp financiada integralmente pelas taxas de transação da EnyCoin. O plano, traçado em 2021, prevê 15 MW de potência até dezembro de 2025, distribuídos entre Minas, Bahia e Rio de Janeiro.

Cada fração de quilowatt-pico foi convertida em ENY tokens, o que permite ao investidor participar tanto da valorização do ativo digital quanto da receita de venda de eletricidade. Dados técnicos enviados pela fintech ao órgão licenciador indicam geração anual aproximada de 1,65 GWh por megawatt instalado e um PUE inferior a 1,10 graças a contêineres ventilados naturalmente.

A projeção de caixa, ancorada no PLD médio de R$ 310/MWh no submercado Sudeste/Centro-Oeste em agosto de 2025, aponta faturamento bruto anual perto de R$ 452 mil por MW, suficiente para cobrir um OPEX estimado em R$ 55 mil e ainda remunerar holders do token.

Quase ao mesmo tempo, o Centro-Oeste passou a disputar protagonismo. No fim de julho, a Tether formalizou com a Adecoagro um acordo para instalar um data center de bitcoin em Ivinhema, Mato Grosso do Sul, alimentado por 12 MW de excedentes renováveis das usinas sucroenergéticas da companhia.

O governador Eduardo Riedel saudou o projeto, falando que parte da energia que antes era liquidada no mercado spot ganha preço estável e novo destino industrial. Reforçando assim o plano da Tether de se tornar o maior minerador global operando exclusivamente com fontes limpas.

O avanço desses projetos só foi possível porque o custo dos painéis despencou. Levantamento da consultoria Greener mostra queda de 9% no preço final ao consumidor em 2024, tendência que continuou em 2025, mesmo com alta do dólar.

Com tarifas residenciais pressionadas pela bandeira vermelha, o Portal Solar calcula payback médio entre quatro e cinco anos para sistemas de geração distribuída, abaixo da média europeia e norte-americana. Se falamos de mineração, esse retorno se encurta ainda mais, porque a receita não vem só da economia na conta de luz.

Parte da produção fotovoltaica é vendida no mercado livre via PPAs de longo prazo, enquanto o BTC obtido funciona como hedge natural contra inflação energética. Outro fluxo de caixa vem dos I-RECs, certificados que atestam a origem renovável da eletricidade.

A Comerc Energia, por exemplo, comercializou oito milhões desses títulos nos últimos doze meses, maior volume já registrado no país, sinal de que há liquidez suficiente para remuneração adicional dos projetos.

Dídimo Effgen

Colunista

Diretor Geral da Dicape Representações e Serviços Ltda.

Diretor Geral da Dicape Representações e Serviços Ltda.