“Fico três dias sem comer para dar para os meus filhos”. A frase, de Carlos Silva, morador da periferia de Vila Velha, resume a dor da fome ainda presente em muitas casas no Espírito Santo.
Ele é pai de seis filhos e se emociona ao contar a própria história. A voz embarga, os olhos enchem d’água. “É muito difícil ver os meninos pedirem comida e não ter. Às vezes fico desesperado, sem saber o que fazer”, desabafa.
Mesmo diante dessa dura realidade, o Espírito Santo bateu recorde em 2024 no combate a essa condição: o índice de extrema pobreza caiu de 2,7% para 1,7% da população, o menor da série histórica, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo o governo do Estado, a redução está diretamente ligada à ampliação de políticas públicas focadas na segurança alimentar.
Programas como Bolsa Capixaba, Vale-Gás Capixaba e Compra Direta de Alimentos vêm garantindo dignidade mínima a milhares de famílias que antes não sabiam se teriam o que comer no dia seguinte.
Na casa de Carlos, a renda mensal mal passa dos R$ 600. Com seis filhos pequenos, ele e a esposa, Débora Keila, contam com o Bolsa Família, assim como doações e com o que conseguem vender de doces caseiros.
No entanto, Débora relata que nem sempre há o que colocar no prato. Em certos dias, o que resta são dois ovos, um pouco de trigo e açúcar.
Ela conta que mistura o trigo nos ovos para render mais e conseguir alimentar todas as crianças. “Teve vez que fiz polenta pura, sem nada. E eles comeram tudo”, diz.
O que os sustenta, segundo Débora, é a solidariedade da comunidade e a assistência oferecida pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras) local e pela Casa Verde, uma rede de apoio que atua no bairro e não é coordenada pelo poder público.
Menor índice de extrema pobreza da história
Mesmo diante de histórias como a de Carlos e Débora, o Espírito Santo alcançou em 2024 o menor índice de pobreza extrema da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua: 1,7% da população. Em 2023, esse número era 2,7%.
De acordo com a secretária estadual de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social, Cyntia Grillo, o resultado é fruto de uma ação direta do poder público para garantir alimentação básica e renda mínima a quem mais precisa.
A fome é a expressão mais cruel da pobreza. Quando garantimos que uma família tenha comida na mesa, estamos dando o primeiro passo para reconstruir a dignidade dela, afirma.
Alimento e dignidade: programas atuam em múltiplas frentes
A secretária explica que a política estadual de segurança alimentar está concentrada no programa Incluir, que reúne ações integradas nas áreas de assistência social, agricultura e inclusão produtiva. Entre os principais programas estão:
- Bolsa Capixaba: complementa a renda de famílias em extrema pobreza que ainda não recebem o Bolsa Família.
- Vale-Gás Capixaba: voltado a famílias em vulnerabilidade, especialmente com crianças de até seis anos.
- Compra Direta de Alimentos (CDA): adquire alimentos diretamente de agricultores familiares e distribui para instituições que atendem populações vulneráveis.
De acordo com o governo estadual, de 2019 a 2023 o CDA já beneficiou mais de 67 mil pessoas e conta com cerca de mil agricultores parceiros, atendendo aos 78 municípios capixabas. Em um ano, de junho de 2024 a julho deste ano, foram mais de 770 mil quilos de alimentos entregues à população.
“Esse programa garante comida de verdade, rica em nutrientes, ao mesmo tempo em que movimenta a economia dos pequenos produtores”, explica a secretária.
Brasil reduz fome severa e o ES segue o ritmo
O Espírito Santo acompanha um movimento nacional de redução da fome severa. De acordo com o relatório SOFI 2024, publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o número de pessoas em fome grave no Brasil caiu de 17,2 milhões para 2,5 milhões em apenas dois anos, o que representa uma redução de 85%.
A PNAD Contínua de 2024 também mostra queda na insegurança alimentar grave: 8,7 milhões de brasileiros em 2023, contra 33,1 milhões em 2022.
Essa melhora se reflete também nas políticas capixabas, que vêm sendo aprimoradas com base em dados do CadÚnico e em articulação com os municípios. A busca ativa por famílias invisíveis à rede de proteção tem sido prioridade desde 2023.
Cras e rede comunitária: a ponta da assistência
Os Centros de Referência da Assistência Social (Cras) são fundamentais para localizar e acolher famílias em situação de vulnerabilidade. São eles que realizam visitas domiciliares, atualizam o CadÚnico e fazem o encaminhamento para os programas sociais.
A solidariedade da comunidade e o apoio oferecido pelo Cras local e pela Casa Verde têm sido fundamentais para a família de Cláudio e Débora enfrentar a fome.
“A gente vai na Casa Verde pedir, e eles ajudam com doações. Quando falta comida, a gente consegue receber leite, café, arroz, e também marmita no fim de semana. Isso faz muita diferença para a nossa família”, conta Débora.
Dentro dos programas do Estado para ajudar a essa população há também ações emergenciais, como o Cartão Reconstrução, voltado a famílias afetadas por desastres, assim como políticas de inclusão produtiva, com cursos e capacitações.
“Segurança alimentar é dignidade”
Apesar dos avanços, o governo do Estado reconhece que a fome é um desafio a ser vencido. Ainda há famílias vivendo em ocupações precárias, zonas rurais isoladas ou em abrigos improvisados. A meta é intensificar a busca ativa e ampliar a presença da assistência social em todos os territórios.
Queremos que nenhuma família capixaba vá dormir sem saber se vai ter o que comer no dia seguinte. Segurança alimentar é dignidade, e dignidade é um direito, afirma Cyntia Grillo.