
A médica Maria Júlia Roseira Bessa Ferraz, de 24 anos, denunciou ter sido vítima de agressões verbais por parte do vereador Oldair Rossi, durante um plantão na UPA de Guarapari, no fim de agosto.
Segundo a médica, que trabalha no Hospital Materno Infantil Francisco de Assis (HIFA), ela prestava apoio voluntário na sala vermelha, de emergências, da UPA, naquela noite, quando a confusão começou por conta do atendimento a uma paciente.
Segundo ela, a paciente foi atendida por uma outra médica e não apresentava critérios para atendimento de emergência. A mulher estava em dor intensa, mas foi medicada e precisava esperar o resultado de um exame.
Ela relata que a paciente havia passado por todos os protocolos, já não sentia dor e que o atendimento seguia o protocolo indicado, por nível de gravidade e por tempo de cada procedimento.
Enquanto aguardava o próximo exame, a paciente teria ficado desorientada por não encontrar a médica que estava a atendendo, que havia saído para jantar. O que, segundo a funcionária da UPA, aconteceu em um período de menos de 20 minutos.
Ao não encontrar a médica que a havia atendido, a paciente entrou em contato com o vereador, que ligou para a unidade de saúde.
“Ele ligou para a unidade e eu disse que não poderia fornecer essas informações por conta da Lei Geral de Proteção de Dados, até mesmo pela própria ética médica e que se ele quisesse, poderia ir até a unidade para conversarmos lá”, contou a médica.
De acordo com a profissional, o parlamentar já chegou alterado à unidade de saúde. Ele exigia que a paciente fosse atendida e transferida para um hospital.
“Ele já chegou bravo, talvez por ter tido que ir lá. Ele chegou falando alto, mandando passar a paciente na frente, para que fosse levada para o HIFA, para que fosse atendida. Ele chegou exigindo que fizéssemos coisas que já estavam sendo feitas. O primeiro exame mostrava que a paciente não precisava de transferência, estávamos explicando para ela a situação. Já o segundo mostrava uma alteração e isso faria com que ela conseguisse uma avaliação cirúrgica, eu só não garantiria que ela poderia ser operada naquele dia”, relatou.
Vereador teria exigido que acompanhante filmasse sala
Durante a discussão, a acompanhante da paciente teria pegado o celular e apontado para a sala vermelha, o que foi repreendido pela médica, que disse não ser autorizada a filmagem das instalações.
Diante disso, a acompanhante se desculpou e afirmou não estar filmando a sala, apenas mandando uma mensagem via Whatsapp.
Neste momento, segundo a médica, o vereador teria começado novamente a gritar e a bater na mesa a dizer que a acompanhante tinha o direito de filmar o local, que era um espaço público.
“Ele disse que ela ia gravar, sim, colocou o dedo na minha cara. Bateu na mesa, começou a nos agredir verbalmente. Eu até disse que entendia que ele estava ali para fazer política. Daí ele não baixou mais o tom, disse que me daria voz de prisão, que chamaria o 190. Eu fiquei com muito medo, pensando que ia ser presa sem ter feito nada”, contou.
Durante a discussão, uma viatura do Samu chegou à UPA, momento em que a médica deixou da sala para atender os pacientes em estado grave na ambulância. Neste momento, em uma gravação iniciada por outra médica, é possível ouvir o vereador dizer “você é pequenininha”.
Ainda segundo a médica, o vereador teria entrado no setor intermediário da UPA e dito a pacientes que eles não deveriam estar ali e que deveriam ser transferidos para um hospital.
“Ele não entende de saúde pública, um paciente só é transferido quando há necessidade ou disponibilidade. Ele queria que todos fossem para o hospital, mesmo que não tivesse vaga”, explica.
“Sentimento de impotência”, relata médica
Enquanto atendia os pacientes, a médica recebeu a informação de que o 190 já havia sido acionado para comparecer ao local e que o subsecretário de Saúde de Guarapari também já estava a caminho.
Por conta disso, a jovem se manteve em atendimento a um paciente que chegou no Samu em estado crítico.
“Eu pedi ao policial para aguardar, porque como o paciente ainda estava em um momento crítico, prestei meu depoimento na sala de emergência, em um ângulo que dava para vigiar o paciente ao mesmo tempo”, disse.
Maria Júlia conta que precisou de ajuda de um outro médico para poder realizar suturas em um dos pacientes, porque ficou muito abalada com a situação.
“Eu fui fazer a sutura e desabei, comecei a chorar. Até o próprio paciente me disse que eu poderia me acalmar antes. Foi uma sensação muito grande de impotência”, relatou.
Apesar dos problemas do plantão, a médica relatou que preferiu deixar a situação passar e que já havia passado por situações semelhantes com acompanhantes de outros pacientes, mas não por um vereador.
Isso mudou após a profissional e o pai verem um depoimento gravado do vereador na Câmara de Guarapari, onde alegava que foi a médica quem havia gritado com ele, o que fez com que procurassem advogados para levar o caso à frente.
“Quando ele expôs tudo, eu me senti um lixo, queria me enfiar num buraco e nunca mais sair. Tive a sensação de que as pessoas iam pensar que eu fiz tudo errado, mesmo sabendo que não fiz”, disse.
No dia 31 de agosto, o pai da médica publicou um vídeo nas redes sociais em que expunha o caso, além de expor áudios e cenas da confusão entre o vereador e a filha.
CRM-ES repudiou o caso
Por nota publicada nas redes sociais, o Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES), repudiou o caso e prestou apoio à médica.
Na nota, o CRM-ES afirma que o vereador repudiou a médica no plenário da Câmara e que atitudes como esta afastam profissionais do atendimento.
“Incidentes como esses afastam profissionais como a Dra. Maria Júlia do atendimento, o que sobrecarrega a assistência médica e penaliza a população”, afirmou o Conselho.
Ainda na nota, o CRM confirma que há áudios que “comprovam a conduta abusiva do parlamentar, e o caso demanda reparação à profissional”.
O presidente do CRM-ES, Fernando Tonelli, encaminhou nesta quinta-feira (4) ofícios à Presidência da Câmara de Guarapari, ao Ministério Público do Espírito Santo e ao procurador do município, pedindo providências contra o vereador. A informação foi compartilhada em um vídeo na rede social do Conselho.
Veja o vídeo:
Prefeitura lamentou o episódio
Também por nota, a Prefeitura de Guarapari lamentou o episódio e afirmou que desde o primeiro momento todas as medidas necessárias foram tomadas pela direção da unidade, garantindo suporte à profissional e a preservação do ambiente de atendimentos.
“É importante destacar que o Poder Executivo e o Poder Legislativo são independentes, cabendo a cada um responder por seus atos”, afirmou a prefeitura.
O que diz o vereador
Pelas redes sociais o vereador publicou um vídeo que definiu como “nota de esclarecimento e pedido de desculpas”.
Na filmagem, o parlamentar inicia sua fala em um pedido desculpas, dizendo que sente muito se a profissional se sentiu diminuída, coagida ou menosprezada.
“Em nenhum momento quis causar qualquer mal-estar. Reconheço seu trabalho e o trabalho de toda a equipe da UPA. Não tenho dúvida de que estavam prestando o melhor serviço possível”, afirmou.
Ainda no vídeo, o vereador afirma que a médica estava sendo remunerada por seus serviços na UPA e não estava prestando serviços voluntários, como “foi equivocadamente divulgado”, de acordo com ele.
“Naquele momento não estava ali um político, mas um ser humano que estava atendendo a um pedido de socorro de uma mulher que várias vezes procurou atendimento e que não teve seus problemas solucionados”, disse.
Ainda segundo o parlamentar, há nove meses ele teria perdido o irmão por negligência médica e que naquele momento reviveu toda a dor que sentiu com a perda.
Veja o vídeo na íntegra:
A reportagem do Folha Vitória entrou em contato com o vereador Oldair Rossi, o espaço continua aberto e a matéria será atualizada assim que houver retorno.