Há quatro anos, todas as terças, quintas e sábados, Ana Paula Malavasi tem um compromisso inadiável: o ciclismo. Ela faz parte de um grupo de 100 ciclistas, intitulado “Tamo Junto”, que começou a se formar com pessoas que frequentavam a mesma academia, em Vila Velha.
Hoje, os ciclistas percorrem de 40 a 50 quilômetros, durante os dias de semana, e chegam a até 100 quilômetros, no percurso do fim de semana. No caso de Ana Paula, o amor pela prática foi incentivado pelo marido, quando ele começou a pedalar.
Eu sempre fui parada, mas ele começou a me incentivar. Eu sempre falava ‘não vou’, com aquela preguiça, mas ele foi comigo e comprou a bicicleta. Depois disso, eu não parei mais.
Ana Paula, ciclista

Assim como a Ana Paula, cada vez mais brasileiros se tornam adeptos da prática da mobilidade ativa, ou seja, o uso de meios de transporte não motorizados para se locomover.
Segundo a pesquisa Perfil Ciclista Brasil 2024, realizada pela OSC Transporte Ativo, dos quase 12 mil entrevistados, de 18 cidades, 16,7% realizam um trajeto frequente de até 15 minutos de bicicleta, 53,8% de mais de 15 até 30 minutos e 29,1% de mais de 30 minutos.
Desses, 42,1% alegou que a principal motivação para adotar a bicicleta era a praticidade e 26,4% pela saúde, seguido de custo (21,3%), outros (6,5%) e meio ambiente (3,8%).

Mais do que um transporte, a bicicleta se apresenta como uma alternativa mais saudável, econômica e sustentável.
Os benefícios do uso de bicicletas
A ciência comprova os benefícios da prática da mobilidade ativa. Segundo Gabriel Matielo, personal trainer pós-graduado em saúde, utilizar a bicicleta para locomoção, no dia a dia, é uma excelente forma de cuidar da saúde e economizar tempo dentro da rotina, sem precisar de um período do dia só para o exercício.
O especialista explica que, para quem vive na cidade, essa é uma estratégia prática e muito eficiente de cuidar da saúde.
“Pedalar aumenta o gasto energético diário, estimula a circulação, ajuda a reduzir o estresse e ainda contribui para a saúde cardiovascular. Além disso, pedalar regularmente ajuda a controlar peso, melhora a capacidade respiratória e diminui marcadores inflamatórios”, explica o profissional.

Outro ponto importante é a redução na emissão de gases poluentes. De acordo com o Observatório do Clima, o Brasil emitiu 2,145 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GTCO2E), ao longo de 2024. A estimativa é de que um veículo de passeio típico emita cerca de 4,6 toneladas métricas de CO2, por ano.
Além disso, a professora de Arquitetura da Faesa, Patrícia Stelzer, destaca que os benefícios vão além do bem-estar individual. De acordo com ela, o uso de bicicletas ou até mesmo o hábito de andar a pé reduz, consideravelmente, um problema crônico das grandes cidades: o trânsito intenso.
Hoje temos um fluxo muito grande de automóveis e congestionamentos intensos. As pessoas precisam se planejar prevendo o tempo que vão perder dentro do carro. A mobilidade urbana sustentável pressupõe que o automóvel não é o veículo mais importante.
Patrícia Stelzer, professora de arquitetura da Faesa

Segundo a professora, quando falamos em intervenção positiva no tráfego, o deslocamento a pé é o mais relevante, seguido pela bicicleta, pelo transporte coletivo, pelos veículos compartilhados e, por último, o automóvel.
Desafios para a mobilidade ativa
Os benefícios da mobilidade ativa são inegáveis, mas será que as vias públicas e as cidades estão preparadas para lidar com essa prática? Para Stelzer a resposta é: ainda não.
“O movimento de retomada da bicicleta e da bicicleta elétrica é nacional. As políticas federais de mobilidade urbana incentivam isso. Mas a via ainda não está preparada. Para distâncias curtas e médias — até 5 km — é totalmente possível se deslocar de bicicleta, mas a infraestrutura precisa acompanhar”, diz.
Além disso, ela destaca que o incentivo à mobilidade ativa vai além da criação de uma malha cicloviária. É preciso construir uma infraestrutura urbana acolhedora.
“Não é só a via que deve ser adaptada. Os edifícios públicos e privados também precisam estar prontos para receber ciclistas, com segurança. A pessoa precisa saber onde vai guardar a bicicleta e se há estrutura adequada no local de chegada”, explica. “Precisamos de cidades mais arborizadas, que incentivem as pessoas a caminhar ou pedalar.”
O tema foi debatido durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), realizada em novembro, em Belém, capital do Pará.
Durante o evento, o ministro das Cidades, Jader Filho, destacou que a a mobilidade urbana é um dos caminhos para diminuir a desigualdade e promover um estilo de vida mais saudável. “O uso da bicicleta reduz a pressão sobre o transporte público de curta distância, melhora a saúde das famílias e não polui”, destacou o ministro.
Caminhos para a mobilidade ativa no ES
Mesmo enfrentando desafios diante da nova onda de mobilidade ativa no País, o Espírito Santo tem implementado soluções relevantes para o incentivo da prática.
A Ciclovia da Vida, acoplada à Terceira Ponte, é um exemplo disso, com mais de 3,4 quilômetros de extensão. Inaugurada, em agosto de 2023, a ciclovia liga as cidades de Vila Velha e Vitória e, segundo o Governo do Estado, registrou mais de 550 mil ciclistas só no primeiro ano de existência.
Outro exemplo é a Ponte da Madalena, na região da Barra Jucu, em Vila Velha. A via da acesso ao Parque Natural Municipal de Jacarenema, uma das principais áreas de preservação ambiental do município.
O mesmo se repete em toda a Grande Vitória. Atualmente, segundo dados atualizados pelas prefeituras, o total das redes cicloviárias é: Cariacica, aproximadamente 22 km; Serra, 83 km; Vila Velha 70 km; Vitória 70,1 km.

A ciclista Ana Paula conta que a evolução das ciclovias tem contribuído para a sua prática e de todo o seu grupo. Ela afirma que um dos principais pontos positivos é a segurança.
“Nos pontos que têm ciclovias, nós nos sentimos muito mais seguros. Essa da Madalena e a Ciclovia da Vida, por exemplo, foram ótimas para nós. […] É muito mais seguro, já que tem muito movimento de trânsito”, afirma.
Um futuro mais ativo
A prática de mobilidade ativa, impulsionada tanto pela busca por saúde quanto pela necessidade de se mover com mais rapidez, aponta para um novo comportamento urbano. A adesão crescente revela que, mesmo diante de gargalos estruturais, a bicicleta já se tornou protagonista.
Para avançar, entretanto, como destaca a professora de Arquitetura da Faesa, Patrícia Stelzer, será preciso que o planejamento urbano acompanhe esse ritmo, com políticas que garantam segurança, integração e condições adequadas de deslocamento.
“Vemos a bicicleta e o caminhar como formas de inclusão social, de dinamização econômica e de desafogo do trânsito. A Grande Vitória tem características favoráveis para implantar redes cicloviárias. Mas ainda existe o desafio de integrar moradores dos morros as áreas mais baixas, o que exige pensar também em transporte vertical”, complementa.
Já o personal trainer Gabriel Martielo destaca que é importante entender que toda forma de movimento é válida para cuidar da saúde e, por isso, deve ser uma prioridade das pessoas e do poder público.
Essas microdecisões, não ir de carro até a padaria, optar pela bicicleta para ir ao trabalho ou estacionar mais longe, somam muito no fim do dia. Para grande parte da população, essa é a estratégia mais realista e sustentável de inserção de atividade física na rotina.
Gabriel Martielo, personal trainer pós-graduado em Saúde pelo Hospital Israelita Albert Einstein