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O salão do Hotel Senac Ilha do Boi ficou pequeno para o CCP Million com R$ 1 milhão em premiação garantida, expectativa de 800 competidores, dois mil visitantes circulando entre mesas e stands. Nunca antes o Espírito Santo viu tanto barulho em torno de cartas, fichas e relógio de blinds.
A cena sintetiza algo maior. O pôquer brasileiro virou evento de massa, com cifras que rivalizam campeonatos tradicionais de bola nos pés. Menos de três semanas antes, em São Paulo, o BSOP Millions 2024 quebrou o próprio recorde com 26.408 inscrições distribuíram R$ 95 milhões em 90 torneios.
O festival é a terceira maior premiação do esporte nacional, atrás apenas da Copa do Brasil e do Brasileirão. A jornada de quinze dias no WTC Sheraton atraiu jogadores de 42 países e colocou o Brasil no radar definitivo do poker mundial. E esse boom não acontece no vazio.
Da mesa do bar às arenas de milhões: A explosão dos torneios de pôquer no Brasil
A Confederação Brasileira de Texas Hold’em (CBTH) calcula mais de 12 milhões de praticantes ativos no país, número que triplicou desde 2018 e continua avançando com a migração de gamers, streamers e até atletas olímpicos para as mesas digitais e presenciais. E essa é apenas uma variação, há ainda diferentes tipos de poker que conquistam fãs brasileiros.
O BSOP, por exemplo, já oferece 10 modalidades diferentes, e o torneio “The Legends”, com buy‑in de R$ 250 mil, mescla variantes high roller para atrair a elite do circuito. Do ponto de vista cultural, a pluralidade também quebrou o estereótipo do “jogo masculino”.
Em 2024, mulheres já representavam cerca de 10% dos field presenciais no BSOP e nas plataformas online, segundo dados compilados pela Federação Mundial de Poker. Em 2017, eram menos de 5%.
Além disso, o reconhecimento institucional acompanha o crescimento. Em 16 de novembro de 2024, a International Mind Sports Association (IMSA) oficializou o pôquer como esporte da mente, equiparando‑o ao xadrez e aos e‑sports durante cerimônia em São Paulo, no mesmo WTC que recebia o BSOP Millions.
Dois anos antes, a World Poker Federation (WPF), presidida pelo brasileiro Igor “Federal” Trafane, já havia conquistado status de membro afiliado da IMSA, pavimentando o caminho para que leis estaduais e federais tratem o pôquer como atividade esportiva, não jogo de azar.
O clube é só um entre vários que surgiram no país desde 2020, segundo levantamento da CBTH, refletindo a demanda de novatos que querem aprender as táticas do jogo. Streaming e satélites online fazem o motor girar.
Algumas plataformas lotam qualificatórios, turbinando fields presenciais e abastecendo a cena com ídolos midiáticos. Boa parte dos novos federados pode se dever às transmissões simultâneas em Twitch e YouTube durante a pandemia, que transformaram figuras como Yuri Martins, Vivian Saliba e Neymar Jr. em ímãs para o público jovem.
Circuitos milionários: BSOP, streams e as novas estrelas brasileiras
Se o caminho começou em mesas de cozinha, hoje o percurso de um recruta pode envolvê‑lo em seletivas online, etapas regionais, uma vaga para o BSOP Millions e, quem sabe, passagens para disputar braceletes em Las Vegas. O pôquer brasileiro construiu espiral própria.
Ele cresce porque oferece prêmios vultosos, e tais prêmios só são possíveis porque o número de jogadores não para de aumentar. O CCP Million, com seu milhão garantido, é prova viva de que ainda estamos nos níveis iniciais do boom. Quando se fala em pôquer brasileiro, o BSOP Millions 2024 virou o ponto de não‑retorno.
Em quinze dias de ação no WTC Sheraton, em São Paulo, foram 26.408 entradas e R$ 95 milhões distribuídos, montante que supera, por exemplo, a soma de premiações de todas as etapas nacionais de tênis do ano passado. O festival atraiu jogadores de 42 países e reafirmou o Brasil como maior palco do pôquer latino‑americano.
A grade cada vez mais ambiciosa dá o tom. O The Legends, high roller de buy‑in recorde (R$ 250 mil), consagrou Leandro Zavodini com um cheque de R$ 3,5 milhões, maior prêmio individual já pago em solo brasileiro. O feito foi transmitido ao vivo no YouTube, mas a vitrine digital não se restringe a torneios.
Em julho de 2024, Neymar Jr. protagonizou o stream de cash game mais comentado do ano, somando 306 mil dólares de lucro em sete horas de mesa e viralizando no X (antigo Twitter) com o apelido de “Flip God”.
O engajamento respingou no BSOP One “Neymar Edition”, que fechou dezembro no Hotel Unique com as cartas reveladas em tempo real e alcance global. Para os grinders, o sucesso dos influenciadores é mais que entretenimento. Converte‑se em vagas gratuitas.
Braceletes e protagonismo verde‑e‑amarelo
Se os torneios locais ganharam ares de megaevento, o desempenho internacional elevou o status dos profissionais. O Brasil encerrou a WSOP 2024 com 38 braceletes na história, sete conquistados só naquele ano, e viu Yuri Martins chegar ao quinto título pessoal, feito inédito entre latino‑americanos.
Vivian Saliba tornou‑se a primeira mulher do país a triunfar presencialmente na WSOP Europa, reforçando a narrativa de inclusão que já se percebe nos clubes de Vitória e São Paulo. A maratona de conquistas impulsionou também o WSOP Circuit Brazil, que em março de 2024 desembarcou no Rio com R$ 9 milhões garantidos e 16 anéis em disputa, atraindo público recorde.
Pela primeira vez, a etapa distribuiu credenciais para torneios mistos, antecipando a agenda olímpica da IMSA para esportes da mente. O Brasil já não exporta apenas craques da bola, também se firmou como escola de pôquer reconhecida no mundo todo, sustentada por times, patrocínios robustos e um debate regulatório que avança no Congresso.
Se antes o jogador precisava “se bancar”, hoje ele pode assinar com um time‑stable e receber coaching, softwares e bankroll. Em 2024, o sócio Kelvin Kerber embolsou R$ 1,9 milhão no Super High Roller do BSOP Millions, reforçando o modelo de divisão de lucros como carreira viável.
Regulação, impostos e a corrida pelo pote bilionário
O ciclo de expansão também depende de Brasília. O PL 442/1991, aprovado na Câmara e em análise no Senado, fixa tributação máxima de 17% sobre a receita bruta (GGR) para jogos e pôquer presencial on‑site, além de exigir licenças estaduais.
Além disso, a Lei 14.790/2023 criou a Secretaria de Prêmios e Apostas, responsável por fiscalizar as bets online. Na prática, o governo já sente o efeito. A Receita Federal arrecadou R$ 3,8 bilhões apenas no primeiro semestre de 2025 com o novo regime.
Analistas da H2 Gambling Capital projetam que a soma dos verticais de iGaming, pôquer incluído, pode gerar R$ 29 bilhões em GGR até 2026, com o pôquer abocanhando até 8% desse total caso o marco regulatório seja sancionado sem altas barreiras de entrada.
Para onde vamos?
Com times profissionalizando talentos, jogadoras ganhando espaço e regras claras prestes a sair do forno, o Brasil caminha para disputar potes cada vez maiores, e para transformar torneios locais em motores de turismo esportivo.