O que é a lei do ex no futebol?

Lars Bo Nielsen / Unsplash

Em um universo onde paixão, rivalidade e reviravoltas são a regra e não a exceção, poucas coisas geram tanto expectativa quanto a lei do ex no futebol.

O conceito é uma crença popular de que um jogador, ao enfrentar seu antigo clube, quase sempre marca um gol ou tem uma atuação decisiva.

É uma espécie de “lei” não escrita, um clichê que se repete com tanta frequência que se tornou uma parte fundamental do folclore futebolístico, inclusive para fazer fezinha numa bet esporte.

A origem da expressão é incerta, mas a sua consolidação está diretamente ligada à repetição dos fatos. Ao longo da história do futebol, inúmeros jogadores já cumpriram essa “profecia”.

A crença neste fenômeno é tão forte que, antes de um jogo, se o adversário tiver um ex-jogador no elenco, a torcida do time que o negociou já sente um frio na espinha. Por medo da tal lei ou não, tornou-se comum que os times coloquem cláusulas na venda para impedir que o ex-jogador o enfrente no novo clube.

A psicologia em campo

O que leva um jogador a ter um desempenho tão excepcional justamente contra seu antigo time? Diversos fatores podem estar em jogo.

Um dos mais óbvios é a motivação extra. O jogador que enfrenta seu ex-clube tem algo a provar. Talvez ele tenha saído de forma conturbada, sem ser valorizado, ou simplesmente dispensado.

Este jogo é a chance de mostrar que a decisão da antiga equipe foi um erro. O desejo de provar seu valor e, em alguns casos, a vontade de se “vingar”, servem como um combustível poderoso. Essa motivação eleva seu nível de concentração e determinação, fazendo-o superar limites.

Outro fator importante é o conhecimento íntimo que o jogador possui sobre seu antigo time. Ele conhece as táticas, os pontos fortes e fracos dos seus ex-companheiros, e até mesmo a mentalidade do treinador.

Essa familiaridade pode ser uma vantagem tática crucial, permitindo-lhe antecipar jogadas, encontrar espaços na defesa ou explorar as fragilidades do sistema adversário.

Além disso, a pressão da torcida também desempenha um papel duplo. Se o jogador é querido, a torcida pode até aplaudi-lo, mas se a saída foi polêmica, ele pode se tornar alvo de vaias e provocações.

Essa hostilidade pode, na verdade, fortalecer sua determinação ao invés de desestabilizá-lo. Ele usa a energia negativa da torcida como uma fonte de força, transformando as vaias em motivação.

Casos emblemáticos de lei do ex no futebol

●       Vagner Love x Palmeiras

Vagner Love foi revelado no Palmeiras em 2003, sendo peça principal do ano pós-rebaixamento. Foi vendido no ano seguinte para o CSKA, onde jogou por cinco temporadas, voltando ao Palmeiras em 2009.

A segunda passagem pelo Verdão foi bem abaixo das expectativas e ele chegou a ser agredido por torcedores. Após perder o Brasileirão daquele ano para o Flamengo, ele transferiu-se para o time rubro-negro, onde atuou até 2013.

Em um dos seus últimos jogos pelo time da Gávea, no Brasileirão de 2012, ele enfrentou o Palmeiras e marcou, aos 44 do segundo tempo, o gol de empate que selou o segundo rebaixamento da história do clube que o formou.

  • Renato Gaúcho x Flamengo

Apesar de bem identificado com o Grêmio e o Fluminense, Renato Gaúcho conta com uma passagem vitoriosa no Flamengo no final da década de 1980, onde conquistou a Copa União de 1987 e a Copa do Brasil de 1990.

O gol mais famoso da carreira dele foi marcado justamente contra o Rubro-Negro. Trata-se do gol de barriga marcado na final do Campeonato Carioca de 1995, que sagrou o Fluminense campeão no jogo que é considerado por muitos como o maior da história do Maracanã.

  • João Pedro x Fluminense

Revelado pelo Fluminense, João Pedro trocou o Brighton pelo Chelsea no começo de julho de 2025, em plena disputa da Copa do Mundo de Clubes, nos Estados Unidos.

Acabou que Chelsea e Fluminense se enfrentaram na semifinal da competição e João Pedro não apenas jogou contra o time que o revelou como marcou os dois gols que eliminaram o Flu. Triste para os tricolores, bom para quem fez sua bet confiante na “aplicação” da lei.

Nem sempre a lei se aplica

Apesar da forte evidência folclórica, é importante ressaltar que a lei do ex não é uma regra absoluta. Há inúmeros casos em que um ex-jogador tem uma atuação discreta ou simplesmente não consegue marcar.

Um jogador que saiu do seu antigo clube pela porta da frente, com o respeito da torcida, pode não ter a mesma motivação “vingativa”. A emoção de reencontrar amigos e ex-companheiros pode até ser um fator de distração.

Além disso, a mística do futebol é imprevisível. Um atacante pode estar em uma fase ruim, um zagueiro pode ter um dia inspirado, ou o esquema tático do treinador pode ser eficiente em neutralizar as jogadas do ex-jogador. A lei do ex é mais uma probabilidade psicológica e emocional do que uma certeza.

Em fevereiro, o jornal argentino La Nación recorreu à matemática para provar a eficácia da lei do ex. A conclusão foi que não há evidências que sustentem estatisticamente a existência da lei.

Exemplo disso é Nenê, que passou diversos clubes no futebol brasileiro. Um levantamento feito pelo Globo Esporte em 2021 mostrava que ele tinha apenas três gols marcados em 25 jogos contra ex-times. Segundo o mesmo levantamento, 62% dos jogadores marcam menos gols contra times que já vestiram a camisa.

Apesar das evidências (ou falta delas), a crença na lei do ex no futebol continua firme. É um dos elementos que fazem esse esporte ser tão fascinante e imprevisível.

Dídimo Effgen

Colunista

Diretor Geral da Dicape Representações e Serviços Ltda.

Diretor Geral da Dicape Representações e Serviços Ltda.