Histórica e biologicamente, as sociedades, ao longo dos anos, associam o cuidado e o desenvolvimento dos filhos à figura materna. No entanto, há casos em que, diante do luto, homens enfrentam o desafio da paternidade solo com responsabilidade, cuidado e amor.
A paternidade solo ainda é pouco discutida e presente nos núcleos familiares. Ao mesmo tempo, é uma realidade que vem ganhando espaço em meio a transformações na sociedade brasileira.
Apesar da raridade, pela predominância da maternidade solo, é possível encontrar no Espírito Santo e no Brasil, pais responsáveis pela criação dos filhos. No ano de 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eles representavam somente 3,87%.
Arles Guerra de Miranda Júnior, de 43 anos, se viu viúvo da enfermeira obstetra Nathália Modenesi Fiorio, e com três filhas pequenas, Isadora, Maitê e Marina, atualmente com 10, 8 e 3 anos para criar no ano de 2024.
Em entrevista ao Folha Vitória, o sócio administrador de uma clínica multidisciplinar em Linhares, descreve que a vida tomou um rumo diferente a partir do dia 13 de setembro, quando a esposa começou a passar mal. Nathalia não resistiu e morreu após ficar internada até o dia 27.
Depois do ocorrido, descobrimos que ela estava com um tumor no cérebro, que acabou sangrando. Inicialmente revertemos o caso, foi feito uma cirurgia para a retirada do tumor. Até o dia em que ela teve convulsões cerebrais, sendo constatada a morte cerebral.
Arles Guerra de Miranda Júnior
Arles narra que Deus “preparou os 15 dias de internação” para que a família também se preparasse para a situação que viria. “Eu passava para as meninas durante os últimos sete dias de internação a possibilidade de que a mamãe poderia não acordar”.
Sobre os desafios, Arles descreve que mesmo com uma grande rede de apoio vinda de familiares e amigos, os pais-solos têm que ser todos os braços, além da razão e emoção de todo o núcleo da família.
É uma dificuldade muito grande que vivo no momento, porque você tem que ser todos os braços, além do coração, cabeça, razão e a emoção. E você tem que aprender a lidar com tudo.
Arles Guerra de Miranda Júnior
Mesmo com todos os obstáculos, Arles traz desde o início a mensagem de se pensar no dia de hoje e olhar com carinho passando segurança aos filhos. “Viva o dia de hoje, porque se for pensar daqui a seis meses, um ano, você não vai dar conta”.
“Fazendo o possível para dar o melhor”
Ilson da Silva, de 29 anos, teve a vida transformada de cabeça para baixo no dia 11 de março de 2025, quando a esposa Carla Gobbi Fabrete, de 25 anos, foi esfaqueada por Wenderson Rodrigues, em uma loja na Glória, em Vila Velha. A tragédia chocou o Estado.
Carla foi levada com vida para o hospital, mas por ter sofrido vários golpes no tórax e no pescoço, não resistiu. O acusado foi preso logo após o ataque. No dia 30 de março, ele teria passado mal no presídio, mas já chegou sem vida na Unidade de Saúde do Sistema Penal (USSP), no Complexo de Viana.
Ilson, que é caminhoneiro, narra que atualmente faz o possível para transmitir os melhores cuidados para a filha Helena, de 2 anos. “A gente vai levando a vida, vai tentando passar por cima dos obstáculos, é difícil, mas Deus tem me ajudado”.
Mesmo com todos os intuitos e intenções, sente que a falta de uma figura tão única e importante como uma mãe nunca será totalmente reparada na vida da filha.
Hoje mostro a foto da mãe dela, explico o que aconteceu, que a mãe dela tá no céu e que vamos vê-la novamente. Ela não está lembrando mais da mãe, mas a figura materna nunca será substituída.
Ilson da Silva
“Sociedade cobra mais da mulher”
O psicólogo Felipe Kosloski, de 49 anos, viu a vida mudar drasticamente no momento em que a esposa, Clarice, foi diagnosticada com um tipo raro de câncer, quando a filha do casal, Amábile, tinha somente um ano de vida.
Sou psicólogo desde 1999, de certa forma sabia que, infelizmente, mais cedo ou mais tarde, iria ocorrer e havia a possibilidade pela gravidade e raridade do tumor. Lidava com minha filha a preparando e não escondendo o que poderia acontecer.
Felipe Kosloski
Apesar das dificuldades enfrentadas na paternidade solo, Felipe conta que elas costumam ser menos intensas do que as vivenciadas na maternidade solo, devido a agravantes sociais.
“A sociedade cobra muito mais da mulher e tende a ver um homem que cuida do filho como um ‘pai super-herói’, um pai maravilhoso, que está fazendo demais, quando, na verdade, ele faz o mínimo que é esperado”, ressalta.
Desafios emocionais, práticos e sociais
A psicóloga da área infantojuvenil e educação parental, Anna Beatriz Silva Mariano, afirma que os pais-solo enfrentam cotidianamente desafios emocionais, práticos e sociais.
Do ponto de vista emocional, muitos precisam lidar com sentimentos de solidão, medo de não dar conta e até culpa por não conseguir suprir todas as necessidades afetivas dos filhos. Há a dificuldade em encontrar redes de apoio, já que, culturalmente, ainda se espera que os cuidados com os filhos sejam uma função natural das mães.
Anna Beatriz Silva Mariano, psicóloga
Anna Beatriz também descreve que, lidar com o luto e, ao mesmo tempo, cuidar dos filhos exige uma força emocional muito grande. “A elaboração de uma perda é sempre muito dolorosa, ainda mais quando além da perda, o homem precisará aprender a ‘tonar-se pai’ sem o apoio da mãe e ainda ser o suporte emocional para os filhos”.
Entretanto, a especialista ressalta que sentir dor, confusão e até fragilidade, faz parte do processo, já que homens, por muito tempo, foram ensinados a reprimir sentimentos.
Buscar apoio psicológico é muito importante, tanto para processar o luto quanto para conseguir estar emocionalmente disponível para os filhos. Outra atitude fundamental é construir ou reforçar uma rede de apoio, especialmente outros pais ou viúvos, podem ajudar a reduzir a sobrecarga. E, por fim, é importante manter uma comunicação sincera com os filhos, respeitando o tempo e os sentimentos de cada um, inclusive os próprios.
Anna Beatriz Silva Mariano, psicóloga