A técnica de enfermagem de 34 anos que provocou uma queimadura grave no pé esquerdo de um recém-nascido colocando um algodão aquecido na meia do bebê foi indiciada por lesão corporal culposa, que é quando não há intenção de produzir o resultado do crime.
O caso aconteceu no último dia 19 de agosto no Hospital Estadual Jayme Santos Neves, na Serra, logo após o nascimento do pequeno José. As investigações conduzidas pela Polícia Civil concluíram que a técnica não teve intenção de machucar o bebê, mas que ela agiu com imprudência, negligência e imperícia.
A Polícia Civil concluiu que essa técnica de enfermagem agiu em culpa. A intenção aqui não é crucificá-la, mas alertar e pedir que outros profissionais tenham mais cuidado, tenham mais zelo. Infelizmente, o neném foi lesionado, mas ela vai responder pelo crime de lesão corporal culposa e nós esperamos que com todo esse aparato que nós estamos fazendo, essas informações que nós estamos prestando, que outros profissionais tenham mais cuidado, para que isso não volte a acontecer.”
José Darcy Arruda, delegado-geral da Polícia Civil

Investigação
A delegada Thais Cruz, adjunta da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), que conduziu a investigação, contou que a avó foi à delegacia três dias após o ocorrido no hospital e registrou um Boletim de Ocorrência relatando o que aconteceu.
A partir daí, a polícia começou a recolher as informações e ouvir testemunhas. A roupa do bebê que pegou fogo, o algodão e o berço foram periciados. As investigações indicaram que a técnica, que havia se formado e trabalhava no hospital há apenas quatro meses, agiu por conta própria.
A mulher relatou, em depoimento, que precisava realizar um exame de glicose na criança, mas que os pés de José estavam gelados e ela decidiu aquecer os pezinhos para que a temperatura corporal não influenciasse no resultado.
A técnica pegou um pedaço de algodão, passou na parte superior da incubadora, que é aquecida, e chegou a passar o algodão na mão para verificar se estava muito quente. Ela percebeu que uma parte do algodão estava com a coloração alterada, separou o algodão em duas partes e descartou a parte alterada.
Após chegar à conclusão de que o pedaço restante do algodão não estava muito quente, ela o colocou dentro da meia do bebê. Pouco tempo depois, a avó da criança percebeu que José estava chorando e viu que havia uma alteração na cor da roupa do bebê.
A avó chamou a técnica, e ao tirarem a roupa do bebê, viram que havia uma queimadura. Nesse momento, a profissional teria entrado em desespero. Inicialmente, a lesão parecia menos grave, mas com o passar dos dias, foi possível ver a gravidade da situação, e José foi transferido para outro hospital, onde ficou internado e passou por uma cirurgia de enxerto no pezinho.
A delegada reforçou que essa técnica de aquecer o algodão não é protocolo do hospital e que a profissional agiu por conta própria, mas que em momento algum ela teve a intenção de machucar o bebê.
“Ela falou que realizou o procedimento sem pedir autorização de ninguém de dentro do Jayme, foi um procedimento que ela assumiu o risco de fazer. Só que ela não foi indiciada nem por dolo eventual, porque ela teve a cautela de pegar o algodão, colocar na mão para ver se não ia queimar. Ela em momento algum desejou produzir essa lesão no bebê. A gente entendeu que ela não assumiu esse risco de lesionar o bebê, por isso não foi indiciada por dolo eventual. Então o que a polícia concluiu é que realmente ela não agiu dessa forma indiscriminada, só não seguiu protocolos”, defendeu a delegada.
Ouvindo outros profissionais do hospital, a polícia apurou, ainda, que não era hábito da equipe aquecer algodão para esquentar o pé de recém-nascidos.
O delegados relataram que a técnica de enfermagem demonstrava estar muito abalada com o que aconteceu. “Todo mundo ficou muito abalado, inclusive a técnica de enfermagem. Em toda a oitiva dela, no interrogatório, ela chorava bastante, e todo mundo fala que a cena após aquilo era ela chorando e falando assim: ‘como foi que eu fiz isso?’.”
Indiciamento
A técnica foi indiciada por lesão corporal culposa. A denúncia foi aceita pelo Ministério Público, que encaminhou o inquérito para o Juizado de Pequenas Causas da Serra. A pena pode variar de dois meses a um ano, pelo fato de o crime ser considerado de menor potencial ofensivo. A profissional vai responder em liberdade.
Conselho
Procurado pela reportagem, o Conselho Regional de Enfermagem do Espírito Santo (Coren-ES) informou que não divulga informações sobre a defesa da profissional envolvida no caso mencionado. “O Coren-ES segue o devido processo administrativo, que tramita em sigilo, conforme prevê a legislação, até que haja conclusão e decisão definitiva”, diz a nota.
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) e o Hospital Estadual Jayme dos Santos Neves também foram procurados, mas responderam que todos os esclarecimentos por parte deles foram dados na coletiva de imprensa que anunciou a demissão da técnica em enfermagem envolvida no caso.
Entenda o caso
José nasceu no dia 19 de agosto no Hospital Jayme dos Santos Neves. Após o parto, o bebê apresentou temperatura corporal abaixo do ideal (36,2 ºC) e foi colocado em uma incubadora.
De acordo com a família, a técnica de enfermagem teria usado um algodão aquecido de forma irregular — encostado na lâmina da incubadora — antes de colocá-lo dentro da meia do bebê. O procedimento resultou em queimaduras graves no pé esquerdo do recém-nascido. Após a identificação da lesão, o bebê foi transferido para o Hospital Infantil de Vitória.
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) determinou o afastamento dos profissionais envolvidos no caso e, posteriormente, anunciou a demissão da profissional.
O Conselho Regional de Enfermagem do Espírito Santo (Coren-ES) informou, na ocasião, que a técnica relatada pela família não faz parte dos protocolos da Enfermagem.