Entretenimento e Cultura

'A Mulher do Padeiro', de Orson Wells, estreia em DVD

‘A Mulher do Padeiro’, de Orson Wells, estreia em DVD ‘A Mulher do Padeiro’, de Orson Wells, estreia em DVD ‘A Mulher do Padeiro’, de Orson Wells, estreia em DVD ‘A Mulher do Padeiro’, de Orson Wells, estreia em DVD

São Paulo – Orson Welles disse certa vez que um grande filme não depende necessariamente de direção nem montagem. Parece estranho que o ator e diretor do cultuado Cidadão Kane tenha afirmado isso, mas, às vezes, reiterou Welles, um grande filme não precisa mais do que de uma grande história, e de um grande ator. A prova é A Mulher do Padeiro, que a Cult Classics está lançando em DVD. Adaptado de Jean le Bleu, de Jean Giono, o filme conta a história do padeiro e sua mulher. Ela o abandona, ele entra numa crise profunda e não consegue mais produzir o pão. A comunidade ressente-se e se une para trazer a mulher de volta.

No Dicionário de Cinema, Jean Tulard diz que Marcel Pagnol teve tudo – pois é ele o diretor de La Femme du Boulanger. Na literatura e no cinema, Pagnol foi um autor completo – teve a glória, dinheiro, fama, grandes tiragens e a Academia Francesa. Ele nasceu com o cinema, em 1895, e morreu em 1974. Desde cedo atraído pelas imagens em movimento, criou a revista Cahiers du Film, em que atacava o cinema mudo. Nada sai da câmera, disse numa entrevista aos Cahiers du Cinéma. O que é preciso é um diretor que saiba escolher e orientar os atores. Orson Welles o amava por isso.

Pagnol irrompe na tela com o advento do sonoro. Seu cinema se beneficia do regionalismo, das paisagens da Provence e, principalmente, do sotaque meridional. César, Topaze, A Mulher do Padeiro, La Fille du Puisatier, Topaze (de novo), Manon des Sources. Pagnol amava os atores e o teatro, e como diz Tulard muitas vezes rompe com as convenções para arejar seus filmes. Fala-se muito em seus filmes, mas ele consegue evitar o verborrágico. O mérito tem de ser compartilhado com Raimu, Charpin, Fernandel. Privado de seus atores míticos – Raimu morreu nos anos 1940, aureolado como o maior e mais popular ator francês de seu tempo -, o cinema de Pagnol começa a decepcionar.

Mas ele nunca saiu de cena. Em 1990, Yves Robert realiza um díptico – A Glória de Meu Pai e O Castelo de Minha Mãe. Pouco antes, em meados dos anos 1980, Claude Berri adaptou Jean de Florette e A Vingança de Manon (Manon de Sources). Yves Montand é César, Gérard Depardieu faz Jean e Daniel Auteuil é um inesquecível Ugolin. Esse último tem tentado reativar o encanto do linguajar de Pagnol. Para sua estreia na direção, Auteuil escolher A Filha do Pai/La Fille du Puisatier. E ele adapta agora a trilogia marselhesa do autor – Marius e Fanny já estão em pleno processo. César, mais caro, vai esperar pelo resultado dos dois primeiros na bilheteria.

A trama do filme de Pagnol, que depois virou peça, se passa num vilarejo no sul da França que não tem muita sorte com seus padeiros. O anterior se enforcou quando Aimable chega para substituí-lo. Aimable não tem esse nome por acaso, é o mais amável dos homens e talvez seja por isso que sua mulher o abandona para ficar com o pastor fogoso. Ela se chama Aurélie e é interpretada por Ginette Leclerc. A releitura do texto original talvez valha a Pagnol, via Giono, uma acusação de machismo. Tradicionalmente, ele sempre foi o autor da França profunda, ligado à terra e a valores essenciais.

Essa ausência de sofisticação se manifesta em diálogos e situações veristas, e a tal ponto que Pagnol, como o próprio Jean Renoir dos anos 1930 – de obras como La Chienne e Toni -, é considerado precursor do movimento neorrealista, que só surgiu no cinema italiano na década seguinte. É interessante que todos esses diretores tenham tido atores fetiches. O de Renoir, foi Michel Simon. O de Pagnol, Raimu, pseudônimo de Jules Auguste Muraire. Ator de teatro, Raimu protagonizou, ou coprotagonizou a maioria dos grandes filmes do diretor. Seu registro tragicômico o leva a limites de intensidade cômica e dramática na mesma cena, e era isso que fascinava Orson Welles.

Consagrado no rádio e no teatro, Orson Welles chegou a Hollywood para provar – se é que ainda era necessário – que o cinema era uma arte autônoma. Pagnol não acreditava nessa autonomia. Existem cenas que são antológicas. As tentativas de diálogo de Aimable com a mulher, no fim de noite, na cama, quando ela foge com evasivas e a conspiração em marcha, quando o marquês, o professor e os demais notáveis do lugarejo definem sua estratégia para devolver a trânsfuga Aurélie ao marido. O importante é que essa história simples não era ingênua. Na França dos anos 1930, um pouco por influência da Espanha, que vivera sua Guerra Civil, a Frente Popular coloca o socialista Léon Blum no poder e ele, mesmo se distanciando dos republicanos espanhóis, promove importantes mudanças sociais. Blum e o Front Populaire permanecem no poder até 1938, que não por acaso é o ano de A Mulher do Padeiro. O movimento popular, mesmo apartidário – pelo pão de cada dia -, não deixa de ter uma dimensão política. Dois anos mais tarde, lançado nos EUA, La Femme du Boulanger foi o melhor filme estrangeiro para o The New York Times e o National Board of Review. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.