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Andrea Beltrão surpreende plateia no Rio com monólogo 'Antígona'

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– Andrea Beltrão já se acostumou – ao final de cada sessão de Antígona, monólogo que ela apresenta na sala menor do Teatro Poeira, o Poeirinha, no Rio, ela ouve de algum espectador: “Adorei aquela frase que você acrescentou para deixar o texto mais moderno”. Ao descobrir qual é a tal frase, a atriz invariavelmente responde, para espanto do espectador: “Não inventei nada, está exatamente assim no original grego”. Nada que incomode Andrea Beltrão. “Só me deixa mais feliz por ter feito a escolha certa”, diverte-se.

Sob a precisa direção de Amir Haddad, Andrea se atira de corpo e alma no fascinante mundo criado pelo dramaturgo grego Sófocles há mais de 2 mil anos – escrita no ano de 441 a.C., Antígona mostra como a filha de Édipo e Jocasta quer enterrar dignamente, e de acordo com a religião, seu irmão Polinice. Com isso, porém, ela contraria Creonte, rei da cidade de Tebas, que havia determinado que o corpo deveria permanecer insepulto. Antígona desafia Creonte, forçando o enterro do irmão, mas termina presa e obrigada a responder por tal desacato.

“Tudo o que está no texto original era exatamente o que eu e o Amir queríamos dizer nesse momento”, conta Andrea, citando as frases que mais provocam comoção no público, como: “Em mim, só manda um rei, o que constrói pontes e destrói muralhas”, alusão direta ao presidente americano Donald Trump. Ou ainda: “Apenas o governante que respeita as leis de sua gente e a divina justiça dos costumes mantém a sua força, porque mantém a sua medida humana”. São frases que, tão logo pronunciadas, provocam um frisson na pequena plateia de 40 pessoas, mesmo em completo e respeitoso silêncio.

Em suas tragédias, Sófocles mostra dois tipos de sofrimento: o que decorre do excesso de paixão e o que é consequência de um acontecimento acidental. E Antígona apresenta, entre outros detalhes, o conflito entre as leis dos deuses e as leis dos homens. “O texto atravessa o tempo e segue com uma atualidade incrível”, constata Andrea que, ao contrário do que possa parecer, não planejou todo esse caminho certeiro.

Na verdade, foi quase como algo intuitivo – quando terminava de gravar a última temporada da série Tapas & Beijos, ainda em 2015, a atriz buscava um texto para encenar no palco. As experiências anteriores foram poderosas – em 2012, protagonizou Jacinta, sobre a pior atriz do mundo, tão ruim que foi capaz da matar a Rainha de Portugal. Dois anos depois, uniu-se a Malu Gali e Mariana Lima, atrizes de igual gabarito, para viver o grupo de amigas que tenta superar o luto pela morte de uma quarta colega e, ao mesmo tempo, busca sentido para as próprias vidas. A peça se chamava Nômades.

Assim, quando iniciando férias da TV, ela foi incentivada pela colega de série, Fernanda Torres, que, sempre que possível, apresenta o monólogo A Casa dos Budas Ditosos. “Eu ficava com inveja de ela poder, assim de repente, levar o espetáculo para algum teatro e apresentá-lo novamente. O problema é que eu não pensava em fazer nenhum monólogo”, conta Andrea que, questionada por Fernanda sobre qual texto sonhava montar, foi empurrada pela amiga a encenar Antígona quando mencionou o texto de Sófocles.

Vencido o primeiro entrave, surgiu o segundo. Ainda que tenha escolhido a tradução de Millôr Fernandes – um exemplo de versão, aquela que adapta o pensamento e não a literariedade das palavras -, Andrea deparou-se com uma profusão de personagens, nomes que soariam esquisitos para o espectador brasileiro, deixando-o mais confuso que bem informado. “São deuses e semideuses que, para os gregos, são familiares, dispensando explicação sobre origem e intenções. Só que isso não aconteceria aqui”, conta. “Cheguei até a pensar em copiar o Bob Dylan que, no clipe de Subterranean Homesick Blues, vai contando a história por meio de cartolinas escritas.”

Presa nessa sinuca de bico, Andrea aproveitou para realizar outro sonho, o de trabalhar com o encenador Amir Haddad. Sábia escolha – não satisfeito por ter participado de movimentos decisivos na história teatral brasileira, como o do grupo Oficina, Haddad, consagrado, mas ainda insatisfeito, revolucionou ao recusar o teatro entre quatro paredes e organizou o Tá na Rua, grupo especializado em apresentar espetáculos gratuitos em praças e ruas. “Eu rejuvenesço ao ar livre”, garante ele. “Depois de um tempo, percebi que aprendia mais observando um camelô que o Paulo Autran.”

Movido, portanto, a desafios, Haddad aceitou o convite ao ouvir da atriz a confissão de que não sabia qual caminho seguir diante de tantas possibilidades. “Não há nada melhor que o caos, pois dali se faz a luz”, filosofa o diretor que, ao perceber a envergadura da pesquisa de Andrea, sugeriu que o espetáculo contasse a história da família de Antígona e não apenas se limitasse ao problema dela. Isso expandiria o trabalho e Haddad gostou da ideia das cartolinas escritas, inspiradas no clipe de Dylan. “O teatro é filho da História e da Filosofia. Por isso, tínhamos de voltar ao mito”, diz o diretor.

Assim, no espaço do Poeirinha, Andrea transita à frente de uma parede onde estão afixados os nomes de todos os descendentes de Antígona, uma árvore genealógica que chega até Zeus, o deus supremo. Trajando um figurino escuro, que tanto remete ao passado como faz lembrar o black style atual, Andrea tanto assume o papel de Antígona como a de uma narradora, situando plateia em uma intrincada teia política, em que o poder oscila entre várias mãos. “Adoro quando cito o nome de algum personagem e observo toda a plateia movendo a cabeça, localizando aquela figura nos cartazes atrás de mim, e, em seguida, voltando o olhar para mim. Parece o movimento do público de uma partida de tênis”, diverte-se.

Tamanha intimidade com o espectador faz parte do trabalho conjunto com Haddad. Afinal, mesmo não estando na rua, Andrea age como se estivesse ao ar livre, recebendo todos os espectadores na entrada, avisando que a saída está liberada para os descontentes e mantendo a porta de seu camarim aberta. A atriz chega até a acudir aqueles que sofrem um incômodo acesso de tosse, oferecendo uma garrafa d’água estrategicamente guardada. “Minha felicidade é suprema”, reage.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.