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Angela Hewitt interpreta 'Arte da Fuga' na Sala São Paulo

Angela Hewitt interpreta ‘Arte da Fuga’ na Sala São Paulo Angela Hewitt interpreta ‘Arte da Fuga’ na Sala São Paulo Angela Hewitt interpreta ‘Arte da Fuga’ na Sala São Paulo Angela Hewitt interpreta ‘Arte da Fuga’ na Sala São Paulo

São Paulo – Encarar a “Arte da Fuga” em recital é missão impossível, como escalar o Everest sem equipamento de alpinismo. Bach não indica instrumentação nem oferece indicação para a execução. São apenas notas no papel pautado. Ao todo, 14 fugas e 4 cânones – todos construídos sobre o mesmo tema – distribuídos por 90 minutos. Com certeza, o dublê de pintor e crítico musical italiano Alberto Savinio pensou nela quando a comparou a um milagroso tônico capilar: “O tema da fuga cai, e é como se uma semente mágica caísse na cabeça de um careca e a transformasse de repente em uma floresta de cabelos”. Em seguida, explica o contraponto como movimento interno da música. “Antes de Bach, a música parecia não ter vida nem corpo; mais especificamente, faltavam-lhe órgãos internos.”

Bach não só aperfeiçoou o contraponto. Levou-o a patamares inalcançáveis. Em vez de fazer música abstrata como o manuscrito sugere, criou um mundo concretíssimo em 20 obras-primas. Abraçou o mundo com um mísero tema. Estamos diante de sons a um tempo abstratos e sanguíneos, que pedem interpretações capazes de assumir riscos. Historicamente, Glenn Gould inaugurou as interpretações mais livres, de modo até então inimaginável. Outros, que o seguiram, também trilharam estes caminhos. Como, por exemplo, o brasileiro João Carlos Martins numa integral que fez época; ou então o húngaro Andras Schiff com um recente e iluminado “Cravo Bem Temperado” (ECM).

O Bach de Angela Hewitt que se ouviu na terça-feira, 7, na Sala São Paulo é polido. Permite-se alguns bem-vindos excessos, como nas fugas mais brilhantes. Exibe perfeição técnica irretocável. Mas refreia a adrenalina. Apesar da abstração, esta é música selvagem, exige sangue nas veias para ser recriada em sua plenitude. E Bach sem adrenalina é mais ou menos como beber suco de laranja-lima em coquetel. Ela repetiu o gesto de reger com uma mão enquanto a outra expunha o tema – mas soou meio postiço, não natural como nos gestos de pianistas como Gould ou Bavouzet. Se este Bach polido, “estudado”, é o preferido da atual geração, fico respeitosamente com o de Gould, Schiff e Martins.

Detalhes distorceram o clima do recital. Por exemplo, a insistência em não se pedir aplausos após a última fuga inacabada, porque depois de uma longa pausa Angela tocaria um coral que “teria sido” ditado por Bach em seu leito de morte. Isso criou falsas expectativas no público. A “Arte da Fuga” foi gestada desde 1736-7. Três anos depois Bach já tinha prontas 12 fugas e dois cânones. Carl Philipp, seu filho mais velho, fez da fuga inacabada mote para promover as vendas da partitura editada; e acrescentou um coral que nada tem a ver com a obra. Interessado em faturar com a obra do pai, que, aliás considerava ultrapassada, “vendeu” a versão de que ele, já cego, teria ditado o coral em seu leito de morte. Eletrizante mesmo teria sido encerrar o recital no momento em que Angela manteve as mãos no ar, após a última nota da fuga inacabada. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

ANGELA HEWITT

Sala São Paulo. Pça. Júlio Prestes, 16, Luz, 3367-9500. 6ª, 21 h; sáb., 16h30. R$ 45/R$ 178 (ensaio 5ª, 10 h, R$ 10).