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A exposição e o navio: GAP recebe a coletiva anual Graduartes

A Galeria de Arte e Pesquisa (GAP) da UFES, recebe mais uma edição da exposição coletiva Graduartes, com trabalhos de 13 estudantes do Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais.

A exposição e o navio: GAP recebe a coletiva anual Graduartes A exposição e o navio: GAP recebe a coletiva anual Graduartes A exposição e o navio: GAP recebe a coletiva anual Graduartes A exposição e o navio: GAP recebe a coletiva anual Graduartes
Foto: Divulgação/Galeria Arte e Pesquisa Ufes
Foto: Divulgação/Galeria Arte e Pesquisa Ufes

A Galeria Arte e Pesquisa (GAP) acolhe a exposição coletiva anual Graduartes, formada por trabalhos artísticos de 13 estudantes concluintes do Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais.

O período expositivo iniciou-se em 6 de junho; a exposição permanecerá aberta à visitação até 11 de julho. A GAP também acolhe duas rodas de conversa com os expositores; uma delas no dia 26 de junho, a partir de 18h; a segunda roda acontece em 10 de julho, a partir de 9h.

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Como toda exposição coletiva sem um tema a partir do qual os trabalhos artísticos são selecionados e expostos, podemos selecionar “entradas” por onde se iniciaria um percurso de visitação. Ou ainda, podemos pensar que cada trabalho marca o seu território próprio de enunciação. A curadoria buscou criar “vizinhanças”, no possível das diferenças apresentadas.

‘Vizinhanças’ entre as obras

Um desses exemplos está no vídeo realizado por Bruna Rodrigues, “É só um TCC”. Supostamente em uma biblioteca, a autora estuda e escreve sua monografia de graduação.

Por meio do enquadramento da sua face em primeiro plano, sons ao fundo, acompanhamos a sua narração relativamente nítida, entremeada com silêncios, como se fosse o seu “pensamento” sobre as dificuldades para finalizar o seu texto.

Um trabalho fundante de seu próprio lugar. Algumas tentativas de aproximá-lo de outro trabalho mostraram-se infrutíferas, pois o vídeo contrariava a dinâmica dos outros; ele insistia em dizer de algo não concluído ainda, presente contínuo que não avançava para o futuro esperado, qual seja, a finalização de sua monografia. Tempo presente tornado espesso, pois a monografia pronta ainda não estava no horizonte da estudante.

O possível de criar vizinhança foi com a composição de 20 folhas de papel sulfite, dispostas homogeneamente ao lado da área do vídeo, formando um quase-quadrado na parede. Cada folha é a cópia de uma ata de defesa do trabalho de conclusão do curso; em cada documento há o título da monografia apresentada, os nomes de orientador(a), estudante e demais professores da banca.

Essas atas representam estudantes que não expuseram trabalhos artísticos; no entanto, por meio de suas atas, comparecem àquele espaço de maneira tão atípica quanto o vídeo de Bruna Rodrigues. Considero aquele lugar a minha “entrada” na exposição, pois criou uma “prega” no espaço-tempo que acercou presente e futuro, início e fim.

Divulgação GAP, UFES.

Outro trabalho de interesse é o vídeo “Insistência”, de André Rezende. O autor se amarra a uma cerca de troncos, em uma praia de estreita faixa de areia. À medida do avanço da maré, há um embate entre seu corpo e a força das águas, que o empurram em direção aos troncos.

O trabalho é estruturado em vários planos, por meio dos quais experimentamos vários tempos e situações: a espera, o ir e vir das ondas e do vento. A narrativa cria uma pulsação entre o recuo das águas e seu retorno, que se tornam cada vez mais fortes na rebentação.

Mesmo que diferente, considero este vídeo como “vizinho” conceitual ao de Bruna. Neles, a experiência se converte na espera. Se em Rezende, já se sabe do recuo-retorno das ondas, em Rodrigues, ficamos parados com ela, à espera de que as ideias cheguem e se transformem em palavras.

O ritmo entre a voz e o silêncio, a fluência da escrita e o vazio, no aguardo do acontecimento. Em Rezende, o avanço progressivo e reincidente das ondas torna cada vez mais crítica a resistência do corpo submetido à violência da natureza.

Em ambos, ainda, uma emoção que dura em quem vivencia a finalização de um processo. O fim de uma tarefa, situação, obra, viagem, curso – há um campo entre a satisfação por algo concluído e o desconforto sobre o que ainda não se anuncia.

Um pouco distinta da linha que comumente une um começo a um fim, a angústia poderia ser essa zona fronteiriça que une um fim a outro começo. São esses lugares de fronteira os que mais nos fazem pensar sobre nossas identidades. Onde estou? O que será no depois?

Estas perguntas remetem-nos à percepção da espessura do presente comprimindo o futuro. Quem sou eu neste momento? Neste lugar/exposição, é possível estar com outras identidades materializadas em trabalhos artísticos.

Sensíveis a complexidades para habitar utopias

O contato com a arte se diversifica em um curso de Artes Visuais: a aquisição de um capital simbólico permite ao recém-egresso atuar em museus, galerias e outros equipamentos culturais, mediando exposições, propondo atividades culturais, entre outras possibilidades.

No entanto, penso que antes de tudo, esta novíssima geração sai muito mais sensível à complexidade de nosso contexto como um todo. Esta sensibilidade acontece em meio à finalização do curso, em que o Trabalho de Conclusão de Curso os provoca a buscar, perder, reencontrar a singularidade de seus fazeres.

Finalizo com a linda imagem do navio, legado de Michel Foucault. O autor desenvolve pensamento sobre a utopia e a heterotopia. A utopia é o espaço sem lugar real; a heterotopia é o espaço que apresenta tanto utopias como lugares reais, mas em estado de fricção, contestação e inversão.

Uma heterotopia possui posição geográfica, é tangível e constrói travessias, do real ao virtual, da inclusão à exclusão, vice-versa. O navio é um “pedaço flutuante de espaço”, fechado e ao mesmo tempo aberto ao mar.

Dentro dele um mundo apartado do mundo e que atraca de lugar em lugar. O navio e sua proa – uma exposição de artes – é a heterotopia dentro da qual as utopias habitam e sem a qual os sonhos se esvanecem.

Cláudia França

Colunista

Cláudia França é artista visual, natural de Belo Horizonte, formada pela Escola de Belas Artes da UFMG, habilitada em Desenho e em Escultura. É mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutora em Artes pela UNICAMP e pós-doutora em Psicologia pela UFMG. Atualmente está no Programa de Pós-Graduação em Artes da UFES, em que se dedica, no mestrado e no doutorado, ao entendimento das dinâmicas do processo de criação.

Cláudia França é artista visual, natural de Belo Horizonte, formada pela Escola de Belas Artes da UFMG, habilitada em Desenho e em Escultura. É mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutora em Artes pela UNICAMP e pós-doutora em Psicologia pela UFMG. Atualmente está no Programa de Pós-Graduação em Artes da UFES, em que se dedica, no mestrado e no doutorado, ao entendimento das dinâmicas do processo de criação.