Arte +

Amor furta-cor integra exposição da artista Liliana Sanches

A artista Liliana Sanches abre exposição individual no MAES, em Vitória, e o colunista Fernando Augusto faz uma análise crítica da mostra a partir da obra "Amor furta-cor"

Foto: Liliana Sanches
"Amor furta cor", acrílica sobre tela, 300x200

“Amor furta-cor”. Esse é o título de um dos trabalhos da exposição “A Paixão mora no mistério” da artista Liliana Sanches no Museu do Estado do Espírito Santo (MAES), em cartaz até 25 de agosto de 2025. Trata-se de uma grande pintura, um tríptico de 300x200cm, que ocupa toda uma parede do museu.

Mas não apenas isso, ela quase que determina toda sala, pois dela emana a tonalidade rosa que colore o ambiente e, para completar, a imagem da cama deste quadro é espelhada em um pequeno tablado, também rosa e macio, no centro da sala, onde o espectador pode sentar e descansar.

Leia também: Entre-mundos, os homens não limpam banheiros

Por um instante, é como se ele estivesse em um quarto, um espaço intimo, mas anônimo e, neste quarto pudesse se entregar ao “Amor furta-cor”.

Uma descrição

A pintura é constituída de três partes, duas na metade superior, e a terceira, uma grande tela horizontal, embaixo, formando assim uma espécie de “T” de ponta cabeça. Os três quadros bem juntos, um ao lado do outro, deixam ver a tênue linha da divisão tríptica.

A parte superior é totalmente negra e quase vazia, já na de baixo, a figura central é uma grande forma trapezoidal rosa que, pelas dobras quer significar uma cama de casal. Isso é acentuado pelos dois travesseiros acima. Sobre a cama, pintadas em linha diagonal, vemos três romãs. Elas estão abertas, deixando ver suas sementes e o sumo vermelho que escorre tela abaixo.

Nas laterais, esquerda e direita vê-se uma trama de linhas brancas, que semelhantes a tentáculos, saem das margens para o vazio do centro. A direção dessas linhas é ambígua, elas podem tanto estar saindo da pintura, como podem estar entrando.

De qualquer forma, entrando ou saindo, elas conjuram esse ponto, quase sempre estável de todo o plano: o centro geométrico. As coisas giram em torno desse centro vazio e escuro que deixa ver somente a marca da divisão das telas.

Falei das linhas como tentáculos ou tramas, mas a referência mais óbvia são de galhos de árvores. Árvores que estariam localizadas fora das telas, nas laterais. Árvores provavelmente grandes, galhudas, um par delas, portais ausentes da pintura. Seriam elas pés de romãs?

(Gostaria de informar e enfatizar que o fundo da pintura e totalmente escuro e que, o facho de luz que aparece na foto é reflexo do brilho da tinta, ele não existe na pintura, é uma interferência da situação fotográfica, todavia, como vivemos de aproximações, continuamos a falar da obra, sabendo que há uma diferença significativa entre o original e a reprodução. Fica o aviso: quem quiser ver essa pintura como ela é, deve ir ao local onde ela está).

Que amor é esse?

É preciso muita energia física e muito espaço para se fazer pinturas em grandes formatos. Liliana Sanches utiliza o grande formato para pintar três pequenas romãs sobre uma grande cama disposta em um espaço infinito. E neste espaço infinito, tudo se faz ponto.

Não há terra, não há apoio sólido ali para as coisas tomarem pé. Apesar de terem peso, de terem formas, as coisas flutuam. A grande cama retangular parece ser um bloco de pedra.

As pinceladas ondulantes e a cor rosa diáfana, a duras penas lhe dão a possibilidade de ser cama e de abrigar sobre ela corpos que, ali descansaram, lutaram e fizeram amor. Mais afeita a ideia de amor estão os dois travesseiros acima. Eles, sim, parecem fofinhos e parecem estar envolvidos em um longo beijo.

De baixo para cima, em diagonal, as romãs levam aos travesseiros. Digo levam, mas antes, elas circulam em si mesmas, cada uma falando de si. Cada uma falando dos seus corpos e das suas feridas, as quais se apresentam com cortes profundos, expondo sementes e dobras e, fazendo jorrar seu sumo vermelho como sangue.

O que houve ali? No centro da cama, uma das romãs se abre diretamente para o espectador. A semelhança com uma vagina ou com uma boca faz lembrar um verso de Pablo Neruda “Eu gostaria de fazer com você o que a primavera faz à cerejeira”. E o que faz a primavera à cerejeira: deflora.

Esta tela de Liliana Sanches mostra mais vazios do que cheios. Vazios que, quando visto mais demoradamente são graves  e cheios de força. E é preciso de força para lidar com os vazios.

Ali aconteceu algo da ordem do amor e da dor. Eu não queria usar essa rima pobre, mas ao final, como o  título “Meu amor furta-cor”, uma pitada de humor, pode ser mais eficaz, do que uma frase pomposa, por mostrar índices que apontam uma pergunta impiedosa: possuir é destruir?

Termino, lembrando esses versos de Camões:

“Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói, e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem-querer;

É um andar solitário entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É um cuidar que se ganha em se perder.”

Informações:

Artista: Liliana Sanches

Curadoria: Clara Sampaio

Período: 8 de junho a 3 de agosto de 2025

Visitação: terças a sextas, das 10h às 18h; sábados e domingos, das 10h às 16h

Local: Museu de Arte do Espírito Santo (Maes) — Av. Jerônimo Monteiro, 631 — Centro, Vitória/ES

Telefone (MAES): (27) 99902-2408

Fernando Augusto

Colunista

Artista plástico, pintor, desenhista e fotógrafo. Professor do Departamento de Artes da UFES. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP - Sorbonne).

Artista plástico, pintor, desenhista e fotógrafo. Professor do Departamento de Artes da UFES. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP - Sorbonne).