Análise

Livros para colorir: a desarticulação da literatura e da arte visual e as redes sociais

O colunista Isaac Camargo faz uma análise crítica sobre as últimas tendências no universo litero/visual: os livros para colorir.

Leitura: 5 Minutos
Livros para colorir: a desarticulação da literatura e da arte visual e as redes sociais Livros para colorir: a desarticulação da literatura e da arte visual e as redes sociais Livros para colorir: a desarticulação da literatura e da arte visual e as redes sociais Livros para colorir: a desarticulação da literatura e da arte visual e as redes sociais
Imagem disponível em: https://www.coloring-life.com/pt/desenhos-para-colorir-adultos-1001-pt-picasso.html
Imagem disponível em: https://www.coloring-life.com/pt/desenhos-para-colorir-adultos-1001-pt-picasso.html

Vou começar este texto com uma pergunta simples: Você gostaria de colorir este Picasso? Se sim, você está em dia com as últimas tendências da moda litero/visual. Você sabia que o recorde de vendas editoriais na atualidade se refere a publicações de imagens para colorir? Pois é, também achei estranho.

Entre os dez “livros” mais vendidos em 2025 estão: em primeiro lugar e na terceira, quarta e quinta posições cadernos para colorir, os demais ficam no campo da autoajuda, ou seja, parece que o interesse pela Arte Visual se refere a brincadeiras infantis e a literatura se destina à autoajuda: um sinal dos tempos, talvez, maus tempos…

Mas quem sou eu para julgar a preferência das pessoas? Se alguém tem prazer em comprar um caderno e dedicar seu tempo preenchendo lacunas com cores, que assim seja. Mesmo sabendo que tal atividade não produz qualquer transformação educativa ou amplie seu cabedal de conhecimento sobre e em Arte Visual é uma opção que a assiste.

É possível dizer o mesmo a respeito de pessoas que escolhem ler textos de gurus, “coachs”, “influencers” ou quaisquer supostos especialistas “fakes” ou não, cujo sucesso decorre da conquista de seguidores, pelo gosto ou pela crença ou por meio de produtos e serviços oferecidos a seus discípulos, também lhes assiste essa possibilidade.

Para justificar tais atitudes, há algo em comum entre estas duas vertentes: tanto a ocupação do tempo colorindo páginas com imagens impressas, quanto o ocupando na busca de orientações ou “paz de espírito”, parecem ser tentativas de obliterar ou aliviar as tensões do mundo atual. Algumas editoras indicam tais publicações como antiestresse e alguns mentores prometem transformar a vida de seus pupilos com textos salvadores.

As “psicomotivações” pela escolha dos livros de colorir promovem seus produtos destacando aspectos relativos à relaxamento, antiestresse ou ainda para o desenvolvimento de atitudes de concentração e desenvolvimento de habilidades psicomotoras. No que diz respeito à autoajuda, a promoção foca nos aspectos como autorreflexão e autoconhecimento tomados como meios para transformação pessoal na conquista de sucesso pessoal, financeiro e qualidade de vida.

Adquirir cadernos para colorir imagens impressas não é uma conduta consistente com as proposições da Arte na contemporaneidade, tampouco a leitura de textos de autoajuda contribui para ampliação do conhecimento literário ou estímulo à imaginação e fantasia relativas à condição simbólica humana.

Quando nós somos o produto

Em ambos os casos é de se considerar tais comportamentos como desvios e desarticulação das motivações originais e mais consistentes e conscientes de aproximação com a Arte Visual e com a Literatura. Tais alterações são provocadas por processos cujas finalidades são mera e exclusivamente comerciais. Além disso há que se considerar que em nenhum dos casos há suporte suficiente em estudos e pesquisas que garantam os benefícios sugeridos pela publicidade, portanto, não parece haver ganhos perceptíveis para aqueles que adquirem tais produtos, tanto em relação à Arte quanto para a Literatura e tampouco como terapia.

Nos dois casos, quando se quer obter resultados consistentes em cada uma destas áreas, há necessidade de buscar apoio e orientação de profissionais preparados e competentes em cada uma delas. Não se pode esperar que autores de figurinhas ou replicadores de “esboços” de Obras de Arte conhecidas, reconhecidas ou inventadas sejam capazes de promover uma panaceia para as dores do mundo, muito menos desenvolver a capacidade criativa ou senso crítico. Do mesmo modo que não é de se esperar que personagens ou personalidades autointituladas mentoras tenham consciência ou responsabilidade sobre seus seguidores já que não respondem a conselhos profissionais formais de nenhuma categoria por não produzirem vínculos legais que garantam a responsabilidade sobre seus atos.

Isto pode parecer uma “tempestade em copo d´água”: colocar em pauta questões tão irrelevantes em relação a publicações “inocentes” quanto estas é exagero. Contudo, ao olhar para os ganhos decorrentes destas atividades, só os valores obtidos pelas editoras deste tipo de publicações neste ano já passam de novecentos milhões de reais, portanto, não é algo desprezível.

Contudo a grande questão aqui não são, de fato, as edições, mas sim a necessidade de chamar a atenção para algo que está muito além das singelas publicações e, neste caso, apontam para algo muito maior: a desarticulação dos poderes instituídos pela sociedade para proteger-se. Pelo bem ou pelo mal, a população vem sendo manipulada por indivíduos e empresas em busca de benefícios sem correrem quaisquer riscos, isso tem se tornado uma constante.

São notórios casos como os de políticos ou religiosos que angariam fundos por meios de doações sob falsos pretextos, doentes supostamente terminais que mobilizam ganhos para “morrerem felizes”, gurus e curandeiros que prometem curas para todos os males e doenças e até mesmo as propostas de enriquecimento por meio de apostas digitais. Tais condutas são pouco lisonjeiras pelo viés legal e, supostamente, afrontarem a economia popular, a boa vontade ou boa-fé alheias, sem quaisquer restrições e, ao que parece, sem que lhes seja imputado qualquer ilícito.

Neste caso, pintar figurinhas ou iludir-se com “contos do vigário” é menos nocivo…Pense nisso!

Isaac Antônio Camargo

Colunista

Professor, artista e pesquisador, graduado na Licenciatura em Desenho e Plástica, Mestrado em Educação, Doutorado em Comunicação e Semiótica. Atua no ensino no campo da Arte desde 1973, atualmente como professor associado nos cursos de Artes Visuais da UFMS. Desenvolve várias atividades de produção artística participando de mostras e como curador na produção de eventos. Realiza pesquisas sobre e em Arte Visual. Mantém o site www.artevisualensino.com.br destinado ao apoio de atividades didático/pedagógicas e difusão em Arte Visual.

Professor, artista e pesquisador, graduado na Licenciatura em Desenho e Plástica, Mestrado em Educação, Doutorado em Comunicação e Semiótica. Atua no ensino no campo da Arte desde 1973, atualmente como professor associado nos cursos de Artes Visuais da UFMS. Desenvolve várias atividades de produção artística participando de mostras e como curador na produção de eventos. Realiza pesquisas sobre e em Arte Visual. Mantém o site www.artevisualensino.com.br destinado ao apoio de atividades didático/pedagógicas e difusão em Arte Visual.