Foto: Governo Estadual
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Às vésperas da abertura da exposição “Dionísio Del Santo: o construtivo ontem e hoje”, na Matias Brotas Galeria, o acaso me levou ao Centro Cultural dos Correios, onde está em cartaz a mostra “Rembrandt, o mestre da luz e da sombra”.

Entre uma visita e outra, percebi como a gravura — essa arte de gravar o tempo na matéria — atravessa séculos sem perder sua força. A coincidência tornou-se encontro: entre o gesto do artista barroco e o do construtivo brasileiro, há uma linha de continuidade silenciosa, um mesmo desejo de fazer da técnica um caminho para o pensamento.

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Rembrandt, com suas águas-fortes, transformava o metal em campo de luz e mistério. O ácido, longe de destruir, revelava. O traço, em vez de fixar, respirava. Suas gravuras são lições de olhar — um convite a perceber o invisível, a compreender que a arte nasce do contraste entre o claro e o escuro, entre o que se mostra e o que se cala.

Dionísio Del Santo, em outra chave, encontrou na madeira o território da contenção e do rigor. Suas xilogravuras são o resultado de um pensamento que busca a ordem e o silêncio. Cortar, medir, depurar — construir com o mínimo o máximo de sentido.

A dureza da madeira cede lugar à delicadeza do gesto. A linha gravada torna-se vibração de luz; a superfície preservada, sombra em repouso.

Rembrandt e Dionísio, separados por séculos, se encontram no mesmo gesto essencial: inscrever o tempo na matéria. Ambos compreendem que gravar é permanecer, é criar forma para o que, de outro modo, se perderia.

Se Rembrandt iluminar é revelar o drama, Dionísio estruturar é construir a serenidade. Um mergulha na emoção, o outro na razão; ambos, porém, fazem da gravura um exercício de autoconhecimento e de persistência — uma pedagogia do olhar e do fazer.

Talvez por isso Dionísio tenha escrito, com sabedoria rara:

“Considerar que o artista é apenas mestre de si mesmo. Ou, o verdadeiro discípulo ter a obrigação de superar o mestre, isto é, ser ou tornar-se seu próprio mestre. O autoconhecimento ser indispensável, ser inevitável um longo e tenaz exercício a fim de se afiar as garras, capazes de modelar o barro informe da vida. Ou seja, fazer, criar, materializar a dimensão de beleza que possa existir dentro de nós.”
— Dionísio Del Santo, Curso Demonstração das Técnicas Serigráficas, MAM – Museu de Arte Moderna, 1973.

Ler essa frase hoje é compreender que o fazer artístico é também um fazer educativo: uma prática de escuta, de paciência, de aprendizado constante.

Gravar, afinal, é educar o olhar — é aprender a ver o mundo como quem o reinventa.
E é nesse gesto que o legado de Dionísio Del Santo, artista capixaba de rigor e sensibilidade singulares, se inscreve na história da arte brasileira — como quem grava, na madeira e no tempo, a beleza de permanecer.

A exposição “Rembrandt, o mestre da luz e da sombra” segue em cartaz no Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro, até 15 de dezembro. Já “Dionísio Del Santo: o construtivo ontem e hoje” inaugura na Matias Brotas Galeria em 6 de novembro, com visitação até 12 de fevereiro.

Programem-se!!!

Lara Brotas

Mestre em Arquitetura e Urbanismo

Arquiteta e Urbanista Mestre pela UFRJ com estudo sobre Museu Picasso, Fundação Antoni Tapies e Fundação Joan Miró. Cofundadora da Matias Brotas, atua na área de arte contemporânea, curadoria, gestão cultural e de projetos. Membro do NACE (núcleo de arte, cultura e educação), com especialização em História e Teoria da arte tendo implementado projetos acadêmicos e institucionais. Pós graduada em Gestão Cultural pela USP SP e é colunista da coluna Espaço Educação do folha Vitória.

Arquiteta e Urbanista Mestre pela UFRJ com estudo sobre Museu Picasso, Fundação Antoni Tapies e Fundação Joan Miró. Cofundadora da Matias Brotas, atua na área de arte contemporânea, curadoria, gestão cultural e de projetos. Membro do NACE (núcleo de arte, cultura e educação), com especialização em História e Teoria da arte tendo implementado projetos acadêmicos e institucionais. Pós graduada em Gestão Cultural pela USP SP e é colunista da coluna Espaço Educação do folha Vitória.