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Botelho teatraliza versão de 'Os Maias'

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São Paulo – Há, nos finalmentes de Os Maias – Cenas da Vida Romântica, esse momento em que Carlos da Maia, após a revelação de seu vínculo com Maria Eduarda, busca consolo para seu desassossego com o amigo João da Ega. A impressão é de que Carlos está implodindo, mas o consolo não vem porque Villaça fica entrando e saindo do aposento atrás de seu chapéu, o que termina por provocar irritação – nos amigos e nos espectadores. Havia gente irritada com a cena durante a exibição de Os Maias no Festival do Rio. O curioso é que ela está no livro e foi escrita por Eça de Queirós. Guardadas as diferenças entre literatura e cinema, o diretor João Botelho poderia tê-la suprimido. Preferiu mantê-la.

Uma pergunta que o público poderá se fazer em Os Maias é justamente essa – o que é cinema? E como o cinema pode dar vida a uma obra emblemática como o romance de Eça? Os Maias é obra importante do realismo português, mas Botelho, acostumado às adaptações, escolheu a via antinaturalista. Muita gente – críticos – sustenta que ele não teve opção. Dada a crise que atinge o cinema em Portugal, ele não teve, mesmo em coprodução com o Brasil, todos os recursos à mão de que necessitava para colocar na tela o mundo descrito por Eça no livro. Valeu-se de um artifício. Os cenários são pintados, como no teatro. Como seria esquisito interpretações naturalistas em cenários pintados, Botelho teatraliza a ação, e a interpretação.

Talvez não por economia de produção, mas como recurso estético, o francês Eric Rohmer também fez isso em A Inglesa e o Duque, que joga com a artificialidade das perspectivas para refletir sobre o próprio cinema. Botelho não é cria de Rohmer, mas acredita no cinema como mentira. O prólogo de Os Maias é exemplar. Botelho filma o guarda-roupa, mostra fotos dos atores e até introduz o “escrito”, o personagem Eça, fazendo as vezes de narrador, ao microfone. A partir daí, o clima está definido. Pode não ser para todos os gostos, mas esse começo é realmente intrigante (fascinante?).

Sendo o livro, como é, um clássico – e tendo sido formatado como minissérie, na Globo, por Luiz Fernando Carvalho -, não se pode dizer que a revelação traumática do livro seja um segredo. Carlos é o queridinho do avô, e o velho Maia tem tudo. Poder e dinheiro. O neto usufrui das benesses familiares com o amigo João da Ega. Torna-se um diletante. A paixão por Maria Eduarda subverte o que devia ser só prazer. E, para agravar, vem a tal revelação. Atordoado, Carlos parte com João numa viagem de esquecimento. Quando volta, reencontra não só a casa, mas Portugal, à beira da penúria.

Justamente por ter sido coproduzido com o Brasil, a expectativa é de que Os Maias venha a ter duplo lançamento no País – nos cinemas e na TV, também como minissérie. Em Portugal, o filme, estreado em setembro, rapidamente foi alçado à condição de sucesso de bilheteria. O fato de o romance ser leitura obrigatória nas escolas ajuda a atrair público, mas a adaptação, mesmo quando é fiel à letra do livro – cenas como a citada, com Villaça, e diálogos -, distancia-se em aspectos importantes. O realismo versus artificialidade. Botelho selecionou seu elenco convicto de que o filme deveria ser – ou é – de atores. Graciano Dias, que faz Carlos, tem physique du rôle. Pedro Inês, o Ega, é bailarino. Maria Flor, no Rio, admitiu que o mais difícil foi encontrar o sotaque. “Achei que estava arrasando e um técnico disse que estava muito ruim.” Até isso ajuda a compor a “artificialidade”.