Entretenimento e Cultura

Cinemateca brasileira faz retrospectiva do diretor Kenji Mizoguchi

Cinemateca brasileira faz retrospectiva do diretor Kenji Mizoguchi Cinemateca brasileira faz retrospectiva do diretor Kenji Mizoguchi Cinemateca brasileira faz retrospectiva do diretor Kenji Mizoguchi Cinemateca brasileira faz retrospectiva do diretor Kenji Mizoguchi

São Paulo – Kenji Mizoguchi realizou seu primeiro filme em 1922. Passou os anos 1920 e 30 numa atividade frenética. No Dicionário de Cinema, Jean Tulard lista duas colunas – uma página inteira – somente de filmes feitos no período. Ele atravessou a guerra fazendo filmes históricos. Todo esse tempo, Mizoguchi trabalhou em dois estúdios – Nikkatsu e Shinko. E então, nos anos 1950, ele inicia uma nova fase na Daiei. Realiza um punhado de filmes, apenas, até morrer, prematuramente, em 1956, aos 58 anos. Quatro são sempre citados como obras-primas absolutas e estabeleceram sua reputação no Ocidente.

Há um culto a Mizoguchi. Jean-Luc Godard, nos seus tempos de crítico, foi o guardião do mito, assim como, depois dele, Wim Wenders foi decisivo para a conservação da memória de outro grande japonês, Yasujiro Ozu. “O’Haru, Mulher Galante” (também conhecido como “O’Haru, A Vida de Uma Cortesã”), “Os Contos da Lua Vaga”, “O Intendente Sansho” e “Os Amantes Crucificados” representam a suprema depuração do estilo do grande diretor. A Cinemateca inicia nesta quinta-feira, dia 9, uma retrospectiva de Mizoguchi. Exibe seis de seus filmes – os quatro citados, mais “A Música de Guion” e “A Nova Saga do Clã Taira”. Mizoguchi não se assemelha a nenhum outro autor do cinema japonês. Pela diversidade de obra – adaptou vários escritores ocidentais -, pela mistura de serenidade e violência, pode-se buscar, quem sabe, uma aproximação com Akira Kurosawa.

Mizoguchi tinha, como o Imperador, o gosto pela cor, pela composição. Um olho de pintor. Mas ele não cultivou o épico como Kurosawa, mesmo que alguns de seus grandes filmes sejam ‘de época’. Seu cinema privilegia as personagens femininas. Imperatriz ou prostituta, a mulher, segundo Mizoguchi, é vítima da condição miserável que lhe impõe a sociedade controlada pelos homens. Ela pode estar cercada pelo luxo da corte – a cupidez masculina é seu calvário. Se os temas são esses, o estilo é o mais minucioso e realista possível. E, então, em 1953, Mizoguchi surpreende com o filme que será seu cartão de visitas para o Ocidente. Fantasmas irrompem no relato de “Contos da Lua Vaga”, mas o filme não tem nada a ver com o fantástico dos realizadores ocidentais. Pelo contrário, integram-se ao realismo das obras precedentes. Misturam-se ao mundo dos vivos sem que o autor modifique seu olhar sobre eles.

Desde meados dos anos 1930, Mizoguchi já vinha utilizando, e perfeccionando, o plano-sequência. A montagem desempenha um papel secundário em sua estética refinada, e nisso vai uma diferença considerável em relação a Kurosawa. Interessante é que, nos 50, quando Mizoguchi vive seu apogeu, o cinema japonês torna-se o queridinho dos críticos nos grandes festivais internacionais. Seus autores são descobertos e incensados, mesmo aqueles que, como Mizoguchi, haviam começado cedo, ainda no período silencioso. Mesmo que o filme leve o nome do protagonista masculino, “O Intendente Sansho” é um suntuoso melodrama que segue as atribulações de uma mãe (e seus filhos) numa época de disputas sangrentas. O casal de “Os Amantes Crucificados” conhece o inferno por seu amor. É um desses filmes em que o amor e a morte, o desejo e a violência, andam juntos – como “Mortalmente Perigosa”, o sublime noir de Joseph H. Lewis que acaba de sair em DVD no País, ou “Bonnie & Clyde/Uma Rajada de Balas”, de Arthur Penn.

A cor, que Mizoguchi descobre tardiamente, vem somar às delicadas tapeçarias que compõem seu estilo visual. Os últimos filmes tornam-se cada vez mais convulsionados. A montagem participa da mise-en-scène, truncando a fluidez dos relatos que era a grande marca de Mizoguchi. Talvez pressentindo o fim, sua decantada serenidade turva-se com a violência que, por mais cruel que fosse, ele mantinha controlada. O jovem Godard tinha razão. Mizoguchi foi um dos maiores e mais harmoniosos autores do cinema.

Mostra Kenji Mizoguchi. De 09 a 19 de abril