
Na mesa do bar, alguém grita: “Está cada dia mais difícil encontrar um relacionamento”. No TikTok, milhares de relatos sobre experiências ruins e dicas do que fazer ou não fazer para conquistar alguém. Em podcasts, histórias absurdas sobre traições que envolvem grupos de e-mails masculinos e gaslighting.
Mesmo assim, se você rolar o feed das redes sociais no Dia dos Namorados, parece que é a única pessoa solteira no mundo. Onde será que as pessoas estão encontrando amor?
Bom, na faculdade, na academia, por meio de amigos… Mas não se engane, os jovens estão mesmo mais solitários.
Segundo o jornal da USP, o IGen, um estudo científico feito pela psicóloga americana Jean Twenge, mostra que pessoas da geração X (1965 a 1981) tiveram uma média de 10,05 parceiros sexuais ao longo da vida, a geração Z (1995 a 2010) teve apenas 5,29 parceiros.
E mais, a geração Z é a que menos se sente amada e a segunda mais insatisfeita com a vida amorosa e sexual, atrás apenas dos baby boomers (1946 e 1964), de acordo com a pesquisa global do Instituto Ipsos, Love Life Satisfaction. Sim, os seus avós estão mais satisfeitos.
O psicólogo e pesquisador de Contemporaneidade e Saúde Mental, Marcelo Gorza, levantou outro dado: o Instituto Locomotiva (2023) aponta que 52% dos jovens de 16 a 24 anos preferem “ficar sozinhos do que em um relacionamento ruim”. Segundo ele, essa é uma geração mais cautelosa com vínculos superficiais.
Esses dados apontam duas dinâmicas: a avaliação do que significa se relacionar e a falta de habilidade sociais para se relacionar. Muitos trazem angústias sobre solidão ou dificuldade de conexão, mas também uma recusa em seguir ritos tradicionais (como pressão para iniciar a vida sexual ou se encaixar em modelos binários de relacionamento), explicou.
Fora do consultório, os solteiros caminham em uma corda bamba entre o desejo e a realidade. O estudante de engenharia elétrica Lucas (nome fictício), hétero, 27, até quer namorar, mas admite que não se esforça o suficiente para isso. Mesmo consciente de sua posição, diz que o mar não está mesmo para peixe.
“Parece que todo mundo está com medo de se envolver ou esperando algo perfeito. As pessoas estão mais fechadas ou distraídas com redes sociais e expectativas irreais, o que acaba dificultando conexões sinceras”, avaliou.
Ana (nome fictício), bissexual, 25, foi sincera e contou relacionamento sério não é algo que procura. Com a vida corrida, conciliando trabalho, faculdade, academia e afazeres de casa, afirmou que namoro nunca foi algo necessário em sua vida.
“Eu sou uma pessoa com muitos problemas pessoais a tratar comigo mesma e gosto de estar sozinha às vezes. Mas, ainda assim, acho que as redes sociais e aplicativos de relacionamento acabam facilitando conhecer outras pessoas”, argumentou.
Amor também político
Enquanto amor romântico é “saber o valor de companheirismo e cumplicidade” para alguém da geração X, a discussão entre os jovens sobre a mesma definição envolve relatos de trauma e alguns “depende”.
Para Gorza, o amor na contemporaneidade vai refletir as transformações sociais, culturais e tecnológicas das últimas décadas. Se antes ele era associado a ideais de renúncia e eternidade, hoje ele reflete a vontade por autonomia, igualdade e realização individual.
A geração Z valoriza conexões emocionais autênticas, mas também questiona as estruturas tradicionais, como os papéis de gênero ou a obrigatoriedade do casamento.
“Há uma busca por relações mais fluidas, porém também mais conscientes, onde questões como consentimento, alinhamento político e interesses socioculturais ganham espaço. O amor, hoje, é menos sobre ‘completar’ alguém e mais sobre compartilhar caminhos”, afirma o psicólogo.
Nossos solteiros, Ana e Mateus, são categóricos: os ideais entre o casal devem ser parecidos para que tenham compatibilidade.
Claro que ninguém vai concordar em tudo, mas ter alinhamento em valores centrais é essencial. Se a pessoa tiver uma visão de mundo muito distante da minha, especialmente em questões de respeito, igualdade e planos de vida, fica difícil construir algo duradouro, destacou o estudante.
E os jovens encontram o amor?
No livro “Tudo É Rio”, Carla Madeira diz que o “é preciso uma coincidência qualquer para que o amor se instale. Existe um certo milagre nos encontros. Não é tolo dizer que o amor é sagrado”. Em um mundo onde os desencontros parecem ser forçados por uma geração que tem medo de amar, esse milagre parece cada vez mais raro.
O encontro entre Camila Helmer, 20, e Nadine Gonçalves, 21, aconteceu nos corredores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Estudantes de Jornalismo e Artes Visuais, respectivamente, as duas têm aulas no mesmo prédio, mas só foi com uma ajudinha da tecnologia que elas se viram de verdade.
Primeiro, Nadine tentou uma tática indireta: pediu para uma amiga segui-la no Instagram, esperando que Camila a notasse. Não deu certo, e então ela tomou coragem e seguiu a, agora, namorada, diretamente. Depois de uma festa em que a ansiedade falou mais alto do lado da estudante de artes, ela decidiu tomar a iniciativa e mandou um “oi” na rede social.
Parece simples, romântico, e, para elas, é mesmo. Hoje, quase dois anos desde que foram vulneráveis o suficiente para deixar a outra entrar, o que mantém tudo no lugar é a comunicação. Apesar disso, a escolha ainda é consciente e levou muito em consideração.
“Enquanto mulher lésbica, é impossível não considerar os ideais políticos, os valores e as expectativas da outra pessoa, né? Quando se faz parte de uma minoria, a gente sempre pensa nesses aspectos porque, pelo menos na minha concepção, o que eu quero é construir, de fato, uma vida junto com a pessoa com quem estou me relacionando”, revelou Camila.
Já Nadine pontuou que se relacionar com Camila fortaleceu seus ideais, ajudou a entender a própria identidade e mudou até seus planos de vida. Antes, ela não se sentia confortável com a ideia de engravidar ou casar, mas, agora, tudo faz sentido.
A Nadine de alguns anos atrás achava que ia morrer cedo por amar mulheres. E hoje, ver que estou perto de construir uma família com a mulher que amo… isso me emociona profundamente. Amo a Camila, amo a gente, amo como tenho me moldado dentro do nosso relacionamento — e fora dele também, com a ajuda dele.
Desde a adolescência
Giulia Pin, 21, e Gabriel de Souza, 22, se conheceram quando ainda nem sabiam o que era amor. Aos 14 e 15 anos, os dois faziam parte do mesmo grupo de adolescentes na igreja e tudo se desenrolou de maneira natural.
Depois de sete anos de namoro, eles aprenderam e passaram por muita coisa juntos. Assim como Nadine e Camila, a comunicação é o aspecto mais importante do relacionamento. Porém, Giulia acrescenta mais um ingrediente à receita — especialmente porque eles vivem um relacionamento à distância, devido aos estudos de cada um.
“Acho que a paciência é um ponto muito importante nisso tudo. A gente está sempre esperando: esperando para se ver, para conseguir conversar… É difícil mesmo estar em um relacionamento e, ao mesmo tempo, não viver ele com a pessoa do seu lado todos os dias — ou pelo menos na maior parte do tempo”.
Então qual é o segredo para amar e ser amado?
Essa é uma pergunta pretenciosa e, honestamente, sem resposta. O psicólogo Marcelo Gorza reforça que essa é uma geração que cresceu em um mundo onde as mulheres conquistaram direitos que anterior nem sonhava, como educação, independência financeira e liberdade sexual.
Mudanças dessa natureza gerou tensões com modelos tradicionais de masculinidade e, embora muitos homens conservadores estejam incomodados com a perda do privilégio, outros simplesmente não sabem o que fazer.
O descompasso de expectativas entre mulheres e homens, quando se trata de um relacionamento heterossexual, é, também, uma falta de comunicação e paciência.
No consultório, ouço mulheres questionando se vale a pena investir em relacionamentos hétero, e homens buscando se reposicionar, muitas vezes sem saber como ou por onde começar. A saída não é romantizar o passado nem desistir do afeto, mas repensar como construir relações mais justas, com diálogo sobre expectativas, vulnerabilidade e responsabilidade afetiva.
Marcelo Gorza.