“Nem todo viandante anda estradas.” A frase que dá título à 36ª Bienal de São Paulo,
inspirada no poema “Da calma e do silêncio”, de Conceição Evaristo, abre uma fresta para pensar o que significa caminhar, existir, aprender.
A edição propõe algo inquietante: repensar a humanidade como verbo, como prática. Humanidade não como conceito fixo, mas como ação viva, permeada por escuta, relações e negociações diante das assimetrias do mundo contemporâneo.
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Esse deslocamento é potente porque nos lembra que ser humano não é dado, é conquista. E se é processo, então é também tarefa da educação. Educar não deveria ser apenas ensinar conteúdos, mas cultivar essa prática contínua da humanidade: aprender a escutar, imaginar, conviver. Nesse sentido, a proposta da Bienal ressoa diretamente nas escolas, nas salas de aula, nos espaços de aprendizagem que frequentamos ao longo da vida.
A imagem que os curadores trazem para pensar a exposição é a do estuário – lugar onde águas distintas se encontram, se misturam, sem perder totalmente suas identidades. Um território híbrido, fértil, por vezes turbulento. É uma metáfora poderosa para a educação. Afinal, educar é fazer coexistir diferenças: culturas, linguagens, modos de ser. Não se trata de diluir singularidades em uma massa homogênea, mas de aprender a conviver com as correntes que nos atravessam.
Paulo Freire já nos alertava: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.” Humanidade como verbo é exatamente isso: um gesto coletivo, inacabado, sempre em construção.
E onde entra a arte nessa travessia? A arte é, talvez, uma das formas mais radicais de educar para a humanidade. Porque ela não nos entrega respostas prontas, não busca adestrar o olhar, mas ampliá-lo. Ela nos ensina a lidar com o silêncio, com a dúvida, com o estranho. Em tempos em que a educação tende a ser reduzida a números, métricas e desempenho, a arte resgata a dimensão sensível, ética e estética do aprender.
A Bienal nos lembra disso ao reunir vozes diversas, saberes ancestrais, perspectivas que desafiam hierarquias. Em um mundo marcado por desigualdades, a arte oferece narrativas que não cabem nos livros didáticos, histórias que revelam outras formas de existir. Quando um estudante entra em contato com essas experiências, algo nele se desloca: percebe que o mundo é maior do que a lógica das provas e das notas. Aprende que imaginar é também um ato político.
“Nem todo viandante anda estradas.” Educar é isso: percorrer caminhos que não estão prontos, arriscar-se em trilhas imprevistas. É abrir espaço para a escuta, para a imaginação, para o encontro com a diferença. É compreender que formar não é apenas preparar para o mercado, mas para a vida em comum – essa tarefa urgente de aprender a viver juntos, em um tempo tão marcado por muros visíveis e invisíveis.
Quando a Bienal nos convoca a pensar a humanidade como prática, ela nos entrega um desafio e uma esperança: fazer da educação uma travessia sensível, em que arte e vida caminhem lado a lado. Porque, no fim, não há humanidade possível sem educação. E não há educação verdadeira sem aquilo que nos torna, de fato, humanos: a capacidade de imaginar, dialogar e reinventar o mundo – juntos.