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Em 'Caravanas', Chico Buarque continua batendo um bolão

Em ‘Caravanas’, Chico Buarque continua batendo um bolão Em ‘Caravanas’, Chico Buarque continua batendo um bolão Em ‘Caravanas’, Chico Buarque continua batendo um bolão Em ‘Caravanas’, Chico Buarque continua batendo um bolão

São Paulo – O que leva um homem de 73 anos, cada vez mais espaçando suas visitas a estúdios, a fazer um novo disco? “Caravanas”, que Chico Buarque lançou nesta semana, esclarece que o afeto move o repertório, nas questões temáticas e em sua própria formação; quatro das nove faixas são parcerias. Escorado por seu grupo de décadas, liderado pelo maestro Luiz Cláudio Ramos, Chico segue, sem riscos, a sonoridade de seus últimos trabalhos, ao mesmo tempo em que dialoga com sua própria trajetória por um olhar atual.

“As Caravanas”, obra-prima estrategicamente escolhida para fechar o disco, estabelece relações temáticas com as clássicas “Pivete” e “Meu Guri”. Chico se inspira na melodia de Caravan, do jazzista Duke Ellington, para narrar, como se delirasse, a chegada de jovens marginalizados das favelas do Rio às praias da cidade, comparando-os a muçulmanos refugiados.

A letra crítica à “gente ordeira e virtuosa que apela pra polícia despachar de volta” é envolvida pelo sutil e preciso violão de Chico, pelo beatbox de Mike, músico do Dream Team do Passinho e cordas regidas por Ramos. Se até a amorosa “Tua Cantiga” gerou polêmica, “As Caravanas” deve ser um prato cheio para discussões em redes sociais em tempos de polarização.

Mas “Caravanas” é, essencialmente, um disco romântico. A já citada “Tua Cantiga” é cantiga buarqueana em sua essência, e quem tem intimidade com a obra de Chico pode se lembrar de músicas da primeira fase da sua carreira, como “Até Pensei”. Em Chico (2011), seu trabalho mais recente, o cantor e compositor fez o blues “Essa Pequena” e retorna ao gênero com “Blues Para Bia”, cuja letra ressalta o desejo de um homem por uma mulher praticamente inalcançável. Ao fim da letra, descobre-se que ela é homossexual.

A ideia de impossibilidade amorosa segue com a regravação de “A Moça do Sonho”, feita para o musical “Cambaio”, pontuada apenas pelo violão de Ramos e pelo violoncelo de Hugo Pilger. “Desaforos”, já no fim do disco, é outra canção sobre o amor não alcançado, quase à Nelson Cavaquinho, tratando a moça que o rejeita como dama e a si mesmo como vagabundo.

O afeto que norteia o disco passa também pela presença dos netos de Chico em “Caravanas”. Com a neta Clara, ele regravou “Dueto”, cujo registro original foi feito por Chico com Nara Leão, uma de suas principais intérpretes, em 1980. Avô e neta já haviam cantado a música no documentário “Chico: Artista Brasileiro”, de Miguel Faria Jr.. A graça aqui fica por conta da inclusão das redes sociais e de sites ao fim da letra, substituindo o “pravda” e a “vodca”. O tempo é outro, e Chico sabe disso.

A valsa “Massarandupió” revela que Chico Brown, filho de Helena Buarque e Carlinhos Brown, é um grande melodista. A letra de seu avô fala sobre as lembranças de um menino na praia e é como se Chico visse em seu neto, de 21 anos, o espelho de quem era naquela idade, quando lançou uma certa “Pedro Pedreiro”. Casualmente é a terceira parceria do baixista Jorge Helder com Chico. É um bolero em espanhol sobre Havana – sim, outra música propícia à patrulha da internet.

Mas Chico, como diz em “Desaforos”, é apenas “um mulato que toca boleros”. E bons sambas. “Jogo de Bola” fala da mesma paixão que o motivou a escrever “O Futebol”, em que saúda grande jogadores. Aqui o foco são as peladas amadores, e há até vivas “à galera e às maria-chuteiras”. Como disse Caetano Veloso, Chico anda pra frente arrastando a tradição. E “Caravanas” prova que ele continua batendo um bolão.