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Em montagem para apenas 15 pessoas, grupo Tapa reinventa 'O Torniquete'

Em montagem para apenas 15 pessoas, grupo Tapa reinventa ‘O Torniquete’ Em montagem para apenas 15 pessoas, grupo Tapa reinventa ‘O Torniquete’ Em montagem para apenas 15 pessoas, grupo Tapa reinventa ‘O Torniquete’ Em montagem para apenas 15 pessoas, grupo Tapa reinventa ‘O Torniquete’

São Paulo – A estreia de Seis Personagens à Procura de um Autor deixou tudo de pernas para o ar. Obra-prima de Luigi Pirandello, a peça desafiava as convenções ao alterar radicalmente a relação entre vida e palco. Não somos o que parecemos ser – ou não nos parecemos com o que supomos ser. Assim como na ficção, passamos a vida a representar um papel, ocultando o inconfessável, criando uma superfície boa e virtuosa. O que é aparência e o que é essência?

Quando escreveu O Torniquete, texto que o grupo Tapa apresenta em sua sede, o autor ainda estava distante de tais questões. Nessa, que foi a sua primeira obra montada no teatro, em 1910, Pirandello mergulhou na paisagem regional – a trama se passa em uma propriedade rural da Sicília – e nas características do melodrama italiano.

Buscar peças menos conhecidas de grandes autores é um expediente comum na trajetória do diretor Eduardo Tolentino – não faltam exemplos no percurso dessa companhia, que foi criada no Rio, em 1979, e se transferiu para São Paulo desde 1986. Como se esses textos algo obscuros fossem uma maneira de ver de que maneira grandes temas e personagens da dramaturgia ocidental se formaram, além de auxiliar o público na construção de um repertório.

Por mais revolucionário que seja, um artista é fruto de uma época. E, no início do século 20, a Itália via-se às voltas com o verismo. Grosso modo, uma corrente literária semelhante ao naturalismo, que os franceses experimentaram com Émile Zola e nós com Aluísio Azevedo. Essa ideia de trazer a vida como ela é falava forte ao jovem Pirandello e distingue a primeira fase de seu trabalho. Em O Torniquete, Júlia (Cynthia Hussei) será levada à ruína quando o marido, André (Bruno Barchesi), descobrir seu adultério. Uma Emma Bovary à siciliana, que trai como forma de reagir ao tédio da vida doméstica.

O enredo tem a feição de um melodrama. Mas é preciso reconhecer que – melodramático ou não – Pirandello já era Pirandello. A mulher crê que sua aparência de normalidade pode dissipar as desconfianças do marido. O marido finge ignorância, mas cria um jogo de palavras dúbias e alusões que confunde a mulher e o espectador – saberá ele a verdade ou não?

A verdade é a questão crucial para o escritor, vencedor do Nobel de literatura, em 1934. Pirandello persegue uma resposta entre a existência e a aparência, entre a pessoa e a personagem, entre a vida e a forma. Júlia trai o marido, a quem amava, e que se dedicou para lhe oferecer uma vida de conforto e riqueza. Ele, sufocado pela dor, tortura a mulher até o limite. Vista no contexto atual, a violência de gênero salta aos olhos. Mas não resume a obra. Ainda que tensa e cheia de reviravoltas, a dramaturgia reserva espaço para matizes no desenho dessas personagens. Aqui, não há vilões e heróis.

Em sua encenação, Eduardo Tolentino busca um espaço fora dos moldes tradicionais e uma relação renovada com o público. São apenas 15 pessoas por sessão. Não há bilheteria e os ingressos precisam ser reservados por WhatsApp. Antes que o elenco surja, o diretor pincela alguns aspectos da obra e da época em que foi escrita. Após o término da ação, em um bar improvisado, ele se propõe a discutir o que foi visto. Tudo muito simples, mas capaz de mudar o espírito da plateia e sua relação com o espetáculo.

O cenário é o pátio de uma casa, cujo interior observamos através de três janelas. Toda a ação se passa a poucos metros – às vezes, centímetros – de quem assiste. Uma revitalização – ou radicalização – do teatro íntimo pensado por August Strindberg no princípio do século 20.

As interpretações do afinado e inspirado elenco de O Torniquete engrandecem a proposta. A ideia de representação tradicional não foi rompida, estamos ainda no território do realismo. Mas o lugar do espectador, sua proximidade absoluta da cena, impede qualquer efeito ilusionista. O que grupo Tapa propõe é um novo velho drama: uma peça para quem gosta de histórias, para quem gosta de atores, para quem gosta de teatro.

O TORNIQUETE

Galpão do Tapa. Rua Lopes Chaves, 86, B. Funda. Tel. 3662-1488. 6ª, sáb. e dom., às 20h30. R$ 15.

Reservas apenas pelo WhatsApp: 97622-5684. Até 30/7.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.