Existe um tipo de acordo tácito entre os fãs de heavy metal: amar o Black Sabbath é fundamental. Não que existam regras a serem seguidas para curtir o gênero, mas em quase tudo na vida, é uma cortesia extremamente comum a reverência aos mestres.
E quando o assunto é metal, não resta dúvida, a decisão é unânime: o Black Sabbath é o criador do gênero. Fale aí o nome de algum grupo, seja uma que lota estádios pelo mundo afora, ou jovens de caras pintadas em porão na Noruega, todos têm influência da banda de Birmingham.
Não é possível superestimar o trabalho dos quatro ingleses, e é mais do que acertado afirmar que são os Beatles (que também não podem ser superestimados) do gênero.
Nesta terça-feira (22), o vocalista do Sabbath, Ozzy Osbourne, também conhecido por sua incrível carreira solo, morreu, aos 76 anos. Lutando já há alguns anos contra o Parkinson, Ozzy fez sua última apresentação ao vivo no dia 5 de julho, na cidade onde tudo começou.
Para quem não teve o privilégio de estar presencialmente no show, houve a oportunidade de acompanhar a apresentação por streaming. Serjão Nascimento, coordenador artístico das rádios da Rede Vitória e vocalista da banda Lordose Pra Leão, foi um dos que curtiu de casa.
“A despedida foi um marco impressionante, comprei o streaming e fiquei de 11h às 22h de frente para a TV, assisti a todos os shows. Todas as bandas fizeram uma homenagem a ele ou ao Black Sabbath. Foi algo comovente, muito emocionante”, contou.
Pedra fundamental para o heavy metal
Serjão relata que começou a curtir heavy metal “tardiamente”, nos anos 90, quando a Lordose Pra Leão teve início. Ele chegou a comparecer na histórica primeira edição do Rock in Rio em 1985, em que Ozzy se apresentou, mas foi mesmo para ver o Queen.
Quando começou a conviver com amigos “metaleiros” na banda o olhar foi mudando e dali para frente, se tornou um verdadeiro apreciador do gênero e de Ozzy. Tanto que compareceu ao Monsters Of Rock, em 2015, só para ver o “príncipe das trevas” de perto.
“O show foi incrível. Como foi há 10 anos, ele estava com muito mais saúde e era uma figura no palco. Não parava de se mexer um minuto, com aquelas palmas meio fora do tempo, jogando espuma na plateia. Ele dava uma gargalhada do tamanho do mundo, de ver o pessoal se chafurdando na espuma. Foi maravilhoso, com clássicos do Sabbath e da carreira solo”, disse.
Das coisas que marcam
Os dois primeiros discos do Black Sabbath foram lançados em 1970 e durante toda aquela década, foi clássico atrás de clássico, “Master of Reality”, “Sabbath Bloody Sabbath”, “Vol. 4”, e por aí vai.
Para muita gente, os anos 70 parecem uma coisa incrivelmente distante, mas foi nesta década que o auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas, Rafael Bellumat, de 56 anos, conheceu o Sabbath, por intermédio de um irmão 10 anos mais velho.
“Quem me colou para ouvir foram meus irmãos, em especial o meu irmão Fábio, que é 10 anos mais velho que eu. Aquilo mexeu muito comigo pela sonoridade da banda, que era algo soturno, pesado, mas não triste. Uma energia boa e que só me deu alegria. Conheci no final dos anos 70”, relatou.
Ele e o irmão puderam ver juntos o Black Sabbath em 2013, em um show na Apoteose, no Rio de Janeiro, na época do lançamento do álbum “13”.
“Meu irmão, que era para mim um ícone e parceiro, disse que não podia ir. Eu disse que ele iria e proporcionei para ele parte dessa viagem, para ir comigo. Fomos eu, minha esposa, meu irmão com a esposa e levei meus filhos e minha sogra. Para mim foi uma das maiores sensações do mundo”.
“Ozzy era angelical”, diz fã
Ozzy foi um artista extremamente irreverente, espontâneo, mas quem vem de onde ele veio, sabe que sempre vai encarar algumas polêmicas, afinal, este tipo de som não é tão querido por todo mundo.
Para Rafael, apesar das polêmicas, que envolveram drogas, um incidente bem conhecido com um morcego, e a própria arte, Ozzy era um ser “angelical”.
“Ele sempre teve uma figura de as pessoas pensarem ‘Black Sabbath, isso parece missa negra’, mas nunca vi na figura dele um ser humano do mal, sempre via nele um ser angelical e do bem. Tudo nele era performático, mas sempre vi um ser humano bom. Ele foi diferente, o Black Sabbath sempre foi diferente. Para a música, a morte de um grande astro, não deixa falta. A obra dele é tão grande que vai viver ad aeternum”, afirmou.
Uma verdadeira escola
“Para quem gosta de rock e heavy metal, Black Sabbath e Ozzy sempre foram uma verdadeira escola”, é assim que o jornalista, escritor e músico José Roberto Santos Neves, de 53 anos, define a música do grupo.
Um grande fã de Ozzy, ele vai além e explica o que tornava o som dele e do Sabbath tão único, a começar pelo final dos anos 60, em que encabeçavam a “santíssima trindade” do rock, ao lado de Led Zeppelin e Deep Purple.
“O Led Zeppelin era mais dado ao blues e experimentação com a world music, o Deep Purple trazia influências de música clássica, de Bach. Já o Black Sabbath foi a primeira a usar o que se chama de trítono, conhecido como ‘nota do diabo’, um encadeamento de acordes que proporciona um som muito soturno, o que virou característica da banda”.
Músico insubstituível
José viu Ozzy em show solo em 2011 e o Sabbath em 2016, na Apoteose, no Rio de Janeiro. Se lembra de ter visto no primeiro um Osbourne um pouco mais frustrado. Por conta da chuva, não pôde jogar seus clássicos baldes d’água na plateia.
O sorriso foi retomado quando lhe entregaram uma mangueira, a qual ele demorou para conseguir usar.
“Ele era divertidíssimo no palco, sempre muito engraçado. A despedida dele também você pode perceber, só mesmo ele para conseguir reunir todas aquelas bandas incríveis. Vai ficar uma lacuna, porque ele é insubstituível, único. Não vai existir de novo alguém com esse carisma e domínio de palco. Era o príncipe das trevas, imortal”, afirma.
Das fitas para a frente do palco
O empresário Clinger Carlos Teixeira, de 48 anos, conheceu o Black Sabbath em 1990, quando vivia entre as cidades e Santa Bárbara do Leste e Caratinga, ambas no interior de Minas Gerais.
Naquela época a grana para gastar com discos era bem curta, ver Ozzy e companhia de perto então, um sonho extremamente distante.
Mas em 1995 o príncipe das trevas anunciou uma de suas (muitas) últimas turnês, o que foi a deixa perfeita para que ele e os amigos pudessem vê-lo em São Paulo, em uma viagem com muitos perrengues.
“O Black Sabbath era uma das bandas principais, junto com o Iron Maiden, que eram as bandas que a gente mais ouvia e achava impossível ver os caras ao vivo. Mas em 1995 anunciam um show do Ozzy no Brasil como se fosse a última turnê dele. Juntei uma grana e viajei para São Paulo com os amigos, e a gente só tinha a grana do ônibus e do ingresso. Passamos um perrengue, dormimos na rua, praticamente, na rodoviária no dia da volta”, contou.
Estava lá!
Clinger foi um dos brasileiros que viajou para Birmingham para acompanhar de perto a última vez que Ozzy e companhia subiram a um palco juntos.
Além de Black Sabbath e Ozzy, houve apresentações de nomes como Metallica, Alice in Chains, Mastodon, Lamb of God, Steven Tyler (Aerosmith), Guns N’ Roses, e mais.
O empresário conta que conseguiu o ingresso quase de última hora, um amigo de Curitiba conseguiu colocá-lo em contato com um alemão que desistiu do show. Os momentos vividos ali foram históricos e emocionantes, como ele diz.
“O show foi todo sensacional, todo mundo queria ver uma celebração. O momento mais emocionante do show foi quando o Ozzy entra em cena, com aquela cadeira, e ninguém sabia se ele ia conseguir cantar. Quando ele pega o microfone e começa a cantar “I Don’t Know”, a galera foi ao delírio. Foi o ápice”, disse.
Ainda para ele, o último show foi um presente de Ozzy para ele mesmo, “um tributo que fez para ele mesmo em vida!”