
O anúncio do Veo 3, realizado pela Google DeepMind durante a conferência Google I/O 2025, representa um divisor de águas na indústria do cinema e do audiovisual. Trata-se da primeira tecnologia de inteligência artificial capaz de produzir vídeos com qualidade de até 4K, com áudio nativo e sincronização labial precisa, tudo gerado a partir de simples comandos de texto ou imagem.
Além da resolução, o Veo 3 inova ao incorporar uma simulação física avançada, o que permite realismo em detalhes como o comportamento da luz, da água, das sombras e dos movimentos corporais dos personagens gerados. As primeiras impressões do público têm sido de fascínio, usuários relatam que a qualidade é tão alta que muitas vezes se torna difícil distinguir o que é real do que foi criado por IA, o que começou a levantar uma série de questões sobre essa nova tecnologia e o futuro do cinema.
Impacto no cinema e novos modelos de conteúdo
A primeira mudança seria a democratização da produção audiovisual. Com a possibilidade de criar sequências cinematográficas de alta qualidade a custos extremamente reduzidos, cerca de 1% do orçamento necessário em produções tradicionais, segundo análises de mercado, cineastas independentes e pequenos estúdios ganham uma ferramenta poderosa para competir com grandes produções.
Além disso, o Veo promete transformar a cadeia produtiva da indústria audiovisual. Profissionais de áreas como roteiro, direção de arte, edição e sonorização terão seus papéis ressignificados neste cenário. A formulação de prompts criativos, a curadoria estética e a edição final devem ganhar importância, enquanto etapas como animação, composição de cenários e efeitos sonoros passam a ser executadas quase que integralmente pela IA.
Empresas de tecnologia e plataformas digitais já estão de olho no potencial comercial do Veo 3. O YouTube, por exemplo, anunciou que a ferramenta será incorporada diretamente na criação de Shorts, permitindo que influenciadores, marcas e produtores de conteúdo gerem vídeos rápidos e impactantes com um nível de produção que até então exigiria equipes inteiras de audiovisual.
Da mesma forma, o Canva está oferecendo acesso ao Veo para criadores que desejam criar vídeos institucionais, comerciais ou para redes sociais com aparência profissional. Essa integração sinaliza uma tendência clara: o uso da IA para produção de conteúdo visual não ficará restrito a Hollywood ou aos grandes estúdios.
Os riscos éticos e a regulamentação
Ao lado das oportunidades, surgem também os desafios. Especialistas em tecnologia e ética digital têm alertado para o risco de deepfakes, desinformação e uso indevido de imagem e voz. A própria Google incorporou ao Veo uma marca d’água invisível, chamada SynthID, que permite rastrear a origem dos vídeos e combater possíveis fraudes.
No entanto, críticos apontam que apenas mecanismos técnicos não são suficientes: será necessária uma regulação internacional mais rigorosa sobre o uso de conteúdo gerado por IA.
Além da questão jurídica, há uma preocupação crescente entre artistas, cineastas e críticos de cinema: a perda da autenticidade emocional e da “alma humana” na produção audiovisual.
No Brasil, o movimento Dublagem Viva motivou petições e mobilizações em Brasília com o objetivo de criar um projeto de lei com diretrizes para proteger direitos autorais, incluindo proibir IA que substitua inteiramente vozes de dubladores e garantir pagamentos ou royalties se a voz de um profissional da área for usada pela IA.
A Amazon Prime Video lançou no Brasil o filme “O Silêncio de Marcos Tremmer” com dublagem 100% por IA, provocando reações críticas e protestos de dubladores, que chamaram o trabalho de “ofensivo” e desprovido de alma e emoção, ou seja, por mais avançada que seja, o seu uso ainda não reproduz a complexidade de sentimentos, olhares e nuances criativas que um humano imprime em sua obra.
Internacionalmente, os estúdios Walt Disney e Universal Pictures, dois dos maiores conglomerados de mídia do mundo, abriram um processo contra a plataforma Midjourney, especializada em geração de imagens. O motivo sendo o uso indevido de propriedade intelectual para treinar modelos de IA. A ação, aberta na Califórnia, marca o primeiro grande processo de Hollywood contra uma empresa de IA generativa.
Segundo documentos obtidos pelo site Axios, os estúdios alegam que o Midjourney infringiu direitos autorais ao utilizar conteúdos proprietários sem autorização. A Disney e a Universal afirmam ainda que tentaram negociar soluções com a plataforma, mas, ao contrário de outras empresas deste setor, a plataforma em questão teria ignorado os pedidos e continuado a lançar novas versões com imagens infratoras de qualidade ainda maior. A indústria acompanha de perto o caso, que pode criar jurisprudência para futuras disputas legais sobre o uso de material protegido em treinamentos de IA.
Um caminho sem volta
Retomando o foco no Veo 3, seu avanço representa o início de uma transformação estrutural no modo como histórias audiovisuais serão produzidas nos próximos anos. Atualmente, ferramentas de IA já são amplamente utilizadas em áreas como efeitos visuais (VFX), edição de som e assistência na escrita de roteiros com o uso de modelos como o ChatGPT. O Veo, no entanto, inaugura uma nova etapa, aproximando-se do conceito de um cinema gerado por inteligência artificial de ponta a ponta.
Embora a perspectiva de filmes inteiramente feitos por inteligência artificial ainda seja um objetivo de médio prazo, já existem experimentos com narrativas personalizadas, vídeos interativos e conteúdos promocionais adaptados ao perfil de cada espectador. Essas novas linguagens audiovisuais tendem a crescer, tornando a discussão sobre ética, autoria e responsabilidade ainda mais urgente.
O Veo 3 simboliza uma mudança de paradigma na maneira como o cinema e o audiovisual podem ser produzidos e consumidos, porém o futuro do cinema não será definido apenas pela presença da inteligência artificial, mas sim pela forma como humanos e máquinas irão colaborar criativamente, equilibrando a inovação tecnológica com a sensibilidade artística.
Mais do que um marco tecnológico, essa nova era audiovisual convida o setor a repensar conceitos tradicionais de autoria, valor artístico e impacto social. O Veo 3 pode ser o início de uma transformação profunda, mas o destino dessa revolução dependerá de como a sociedade escolherá utilizar, regular e humanizar as ferramentas de inteligência artificial.