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Escritor espanhol lança na Fliporto 'O Impostor', que aborda farsa histórica

Escritor espanhol lança na Fliporto ‘O Impostor’, que aborda farsa histórica Escritor espanhol lança na Fliporto ‘O Impostor’, que aborda farsa histórica Escritor espanhol lança na Fliporto ‘O Impostor’, que aborda farsa histórica Escritor espanhol lança na Fliporto ‘O Impostor’, que aborda farsa histórica

Olinda – Enric Marco Battle é um catalão que nasceu em 1921, e que na virada do século 21 era presidente da principal associação espanhola que reunia deportados para os campos de concentração de nazistas durante a Segunda Guerra. Dava entrevistas regularmente, viajava o país fazendo palestras em escolas, e no início de 2005, tomou a tribuna do Parlamento espanhol e proferiu um discurso que arrancou lágrimas da plateia.

Anos antes, durante a transição democrática na Espanha (segunda metade dos anos 1970), ascendeu na hierarquia de uma das principais centrais sindicais do país invocando seu passado antifranquista e de combatente republicano na Guerra Civil (1936-39), e chegou a ocupar o posto de secretário geral da entidade na Espanha.

O problema é que tudo – bem, quase tudo – era mentira.

É uma equação com esses elementos que monta o escritor Javier Cercas no livro O Impostor, publicado pela Editora Biblioteca Azul, que o espanhol veio lançar na 11.ª edição da Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto), em Olinda.

“Enric Marco é um grande gênio da mentira”, diz Cercas ao jornal O Estado de S. Paulo, em um encontro numa pousada de Olinda no domingo, 15. O impostor foi descoberto em 2005 por Benito Bermejo, que apontou inconsistências em seus relatos.

No livro, que Cercas define como um “romance sem ficção ou um relato real”, o escritor busca entender os motivos que levaram esse homem a mentir tão compulsivamente sobre o próprio passado – e acaba descobrindo, na verdade, uma metáfora poderosa, em primeiro lugar sobre a Espanha, que como todos os países tem sérias dificuldades em encarar o passado, bem como sobre todo mundo, porque, acredita, em algum grau estamos sempre em contato com a mentira.

“A literatura é uma espécie de hipérbole do que realmente somos”, compara Cercas. “Macbeth é uma hipérbole monstruosa da ambição, Hamlet é da autoconsciência, Romeu e Julieta do amor romântico. Através delas, Shakespeare mostra como somos os seres humanos. Enric Marco é uma hipérbole da impostura, da mentira. É porque temos ambição, autoconsciência e amor romântico que aquelas obras nos fascinam e nos identificamos com ela, da mesma forma com que nos identificamos com Marco.”

O romance usa duas frentes para refletir sobre o tema: uma delas é a própria história de Marco, que é incrível (“eu não precisava criar nada porque seria redundante”, costuma dizer Cercas), e a outra são as reflexões do escritor sobre o seu direito moral de escrever o livro, sobre a relação entre passado e presente e sobre a falsidade de todas as coisas. Ele teria encontrado suas respostas? “Os livros que respondem perguntas são ruins”, afirma.

Discípulo de Cervantes e amigo de Roberto Bolaño, Cercas usa a literatura para propor uma reflexão importante sobre o passado da Espanha – e por conseguinte, dos países do mundo ocidental – e sua relação com o presente. Uma frase que empresta de Faulkner se repete em O Impostor: “O passado é uma dimensão do presente”. A questão de sermos todos incapazes de olhar frente a frente a própria história, diz Cercas, é uma questão de todos os países.

“Alguns fazem melhor, como os alemães, à força, mas cada caso é distinto. Na Espanha, a ditadura durou 40 anos. Os culpados já estão mortos. A maioria se conformou com o franquismo.” Ele explica que no início do século 21 houve uma “explosão” da memória histórica – em que Enric Marco apareceu com mais evidência – e poderiam haver reparações importantes, desde derrubar monumentos do fascismo até reparar moralmente as famílias dos exilados e deportados. “Porém, se criou ali uma indústria da memória. Ainda não há reparação.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.