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"Espero que os fãs tenham mais um 'Eduardo e Mônica' para gostar", diz diretor René Sampaio

Cineasta conta como foi produzir e lançar o longa inspirado na famosa canção da banda Legião Urbana, em que 2 pessoas tão diferentes deram certo no amor

Foto: Janine Moraes/Divulgação
Filme “Eduardo e Mônica”, de René Sampaio, é ambientado em Brasília nos anos 80

O casal mais famoso da história do rock nacional chega, enfim, aos cinemas. A comédia romântica “Eduardo e Mônica”, com direção de René Sampaio, traz os atores Gabriel Leone e Alice Braga na pele dos namorados que “eram nada parecidos”, como diz a canção, mas de quem “todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa, que nem feijão com arroz”. 

O longa-metragem estreou nesta quinta-feira (20) em mais de 500 salas em todo o Brasil, inclusive, no Espírito Santo.

A tão aguardada versão para as telas da famosa canção da banda Legião Urbana marca o reencontro do diretor Sampaio com a produtora Bianca De Felippes. A dupla foi responsável também por “Faroeste Caboclo” (2013), outro grande sucesso da banda comandada por Renato Russo, cuja adaptação cinematográfica foi vista por mais de 1,5 milhão de espectadores.

Antes do lançamento oficial, “Eduardo e Mônica” fez bonito em festivais internacionais, como os de Miami, nos Estados Unidos, e Edmonton, no Canadá, onde conquistou em 2020 o prêmio de Melhor Filme. A história foi filmada em Brasília, no Rio de Janeiro e na Chapada dos Veadeiros durante oito semanas em 2018. Teve sua estreia adiada por causa da pandemia de coronavírus.

Foto: Mariana Vianna/divulgação
Em “Eduardo e Mônica”, Alice Braga e Gabriel Leone contracenam pela primeira vez juntos dando vida ao casal mais famoso do rock nacional

Na trama, seguindo a canção, o público fica por dentro de como nasceu essa história de amor entre duas pessoas tão diferentes entre si. Eduardo é um estudante de 16 anos, que vive sua vida de adolescente classe média, sem grandes expectativas. Até que conhece e se apaixona por Mônica, uma garota bem mais velha, estudante de Medicina, com um jeito inusitado de encarar a vida, muito ligada à arte, apaixonada por discussões políticas e filosóficas. Tudo tendo a Brasília dos anos 80 como cenário, no país que respirava os primeiros anos após o fim da ditadura militar (1964-1985). 

“Essa, talvez, seja a mensagem mais importante do filme: como pessoas que pensam diferente, que têm ideias diferentes podem conseguir conviver, viver bem e se entender, respeitando as diferenças?”, disse o diretor René Sampaio, durante entrevista ao Folha Vitória, mencionando o quanto o Brasil atual têm dificuldades de lidar com as diferenças.

Foto: Academia Brasileira de Cinema/divulgação
Cineasta René Sampaio prepara terceira adaptação de uma música do Legião Urbana, mas prefere manter segredo sobre qual é

Ele falou também de como foi adaptar mais um hit de sucesso do Legião Urbana e disse não ter tido nenhum tipo de receio em mexer naquilo que é considerado patrimônio nacional e afetivo. “Acho ótimo fazer obras que tenham a ver com as canções do Legião. Na verdade, eu espero que os fãs tenham mais um ‘Eduardo e Mônica’ para gostar. Se gostam da música, terão agora a versão do cinema para gostar. Uma coisa não vai excluir a outra”, disse.

Sampaio já pensa em uma terceira adaptação para uma outra música da banda. “Estamos trabalhando num terceiro filme. Eu não posso ainda revelar o que é mas, sim, o projeto é fazer uma trilogia mas tem várias músicas da Legião que dariam um filme”, confirma.

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– Você adaptou “Faroeste Caboclo”, outra canção ícone do Legião Urbana, com roteiro de Victor Atherino e Marcos Bernstein no filme visto por mais de 1,5 milhão de pessoas nos cinemas em 2013. Além de ser uma história baseada numa música pautada numa via-crúcis de um anti-herói, o João do Santo Cristo, o que mais diferencia os dois filmes?

Os dois filmes são muito diferentes. “Faroeste Caboclo” é um thriller desde a música original, o repente nordestino que baseia a música tem a ver com esse tipo de narrativa de cordel, de casos e tragédias. “Eduardo e Mônica” sempre foi uma música solar, com um violão folk, com tudo pra cima. Desde a origem os projetos são diferentes. As diferenças começam na música e vão para os filmes. No primeiro filme a história vai para um thriller. Já “Eduardo e Mônica” é uma incrível história de amor, de superação, de casal. Quando terminei “Faroeste Caboclo”, eu queria algo diferente. Eu tinha feito uma série sobre um serial killer, depois uma série sobre tiro, porrada e bomba que é o “Impuros”, que é uma série sobre tráfico de drogas. Outro assunto pesado. Quis fazer, então, algo diferente, algo solar, divertida. E acho que “Eduardo e Mônica” também é uma resposta para aquela vontade de fazer algo diferente do universo em que eu estava trabalhando. Além de ser um fã da música, o projeto veio num momento muito bom.

– Ficou com receio de mexer em outra música consagrada do Legião ou a experiência com “Faroeste Caboclo” já te deu uma certa tranquilidade? Resumindo: dá pra encarar os fãs do Legião com “Eduardo e Mônica”?

Eu não fico com receio de mexer nesse material do Legião Urbana porque na verdade é um desafio mas também uma oportunidade de trabalhar com um tema que tanta gente já tem pré-disposição de querer ver, de saber como vai ser essa história no cinema. Eu tenho muita responsabilidade, claro, mas principalmente é uma oportunidade incrível de trabalhar com uma obra tão bacana e interessante. Eu levo com muita leveza, na realidade. Acho ótimo fazer obras que tenham a ver com as canções do Legião. Na verdade, eu espero que os fãs tenham mais um “Eduardo e Mônica” para gostar. Se gostam da música, terão agora a versão do cinema para gostar. Uma coisa não vai excluir a outra. Se eles não gostarem, tudo bem. Estamos numa democracia. O filme fala sobre isso, sobre liberdade de opinião, sobre o outro, o que o outro pensa. Se alguém não gostar, estou respeitando muito também. Espero que gostem no próximo.

– Claro que a música “Eduardo e Mônica” foi um ponto de partida. Ao adaptar esse hit musical para o cinema, no quê você colocou a sua marca, Sampaio? Teve um pouco de sua memória afetiva com a música?

Fiz essa adaptação com muita memória afetiva minha. Eu tentei ser fiel ao espírito da música. O espírito da música é aquela emoção que eu ouvi pela primeira vez em 1986, quando eu era moleque. E ela permanece até hoje. Quis ser fiel a essa emoção. Muito do que está no filme tem a ver com o jeito que eu vejo o mundo, a forma como eu escuto a música, é muito a minha visão. Além disso, tem muitas referências minhas. A bicicleta que o Eduardo usa é igual a que eu tinha nos anos 80, o quarto dele tem vários objetos do meu universo também, de quando eu era moleque. A trilha sonora é super da minha vida, quando eu tinha a idade dele. Sem contar que eu acredito em histórias de amor como a do Eduardo e da Mônica. Tem muito do que eu penso e acredito. Não é biográfico mas é muito auto-referenciado, muito pra mim também. Não é algo feito sob encomenda mas é super meu universo. Fora que Legião Urbana é uma banda formativa para mim porque é uma banda muito ligada à minha vida. É muito pessoal também ainda que seja uma adaptação.

Foto: Mariana Vianna/divulgação
René Sampaio diz que houve química perfeita entre Gabriel Leone e Alice Braga para formar o casal título do filme

Você, como muitos dos fãs da música, imaginou em algum momento o casal Eduardo e Mônica. Na pré-produção, de que forma você chegou aos atores Alice Braga e Gabriel Leone? Outros nomes foram cogitados?

Depois que fizemos “Faroeste Caboclo”, eu cheguei para a Bianca De Felippes (produtora do filme) e falei que queria muito fazer “Eduardo e Mônica”. Ela adorou a ideia mas falou que só se fosse com a Alice Braga no papel da Mônica. Eu topei na hora! Ela foi a primeira pessoa a falar na Alice, eu fui o primeiro a abraçar a sugestão e, desde então, a Mônica é a Alice para mim. A gente tinha o roteiro mas não tinha dinheiro para produzir o filme. Alice tinha agenda livre. Depois, a gente tinha dinheiro, tinha mudado ideia em relação ao roteiro, Alice tinha agenda livre. Depois a gente tinha dinheiro, roteiro mas Alice não podia mais. Alice entrou e saiu do filme algumas vezes mas quando faltava pouco tempo para rodar o filme eu decidi que tentaria ela mais uma vez. Peguei o telefone, liguei pra ela e perguntei se ela poderia participar. Ela disse que teria nove semanas de agenda. Era o que eu precisava ouvir pois eu precisava que ela filmasse por oito semanas. Eu fiz, então nas nove semanas que ela tinha. Claro, antes eu fui aos Estados Unidos, debati o roteiro com ela, ensaiamos um pouco lá. Ela se preparou por uma semana no Brasil. Filmamos em oito semanas e, no último dia de filmagem, ela embarcou para um outro compromisso internacional dela, um longa na Itália. Casou certinho. Foi muito bacana.

E Gabriel Leone?

Já o Gabriel Leone fez dois testes. No primeiro, ele mesmo falou que foi muito ruim. Aí ele pediu para voltar no dia seguinte e fazer de novo. Eu concordei. No dia seguinte, ele fez um teste arrebatador, arrebentou. Mas, para além do teste, a gente escolheu um casal. Eles tinham muita química juntos. O Gabriel é um puta ator! Ele não estava nesse momento em que ele está bombando agora mas a gente percebia que ele iria ser talvez o melhor ator da geração dele. Ele se entregou super e o Eduardo escolheu o Gabriel e a Mônica escolheu a Alice e viveram felizes para sempre. Agora estão eternizados no cinema. 

Qual foram os seus pedidos para a Alice Braga e para o Gabriel Leone durante a construção dos personagens? Você os deixou livres ou fez alguma intervenção?

A gente se alinhou muito nas questões dos pedidos. Ensaiamos muito. Respeitei a ideia deles sobre os personagens mas os dois estavam muito atentos ao que eu queria para o Eduardo e para a Mônica. Alice costuma fazer papeis dramáticos, com um registro mais soturno. Eu disse a ela: “Eu quero você no papel! Quero essa menina que sorri, positiva, leve”. Ela disse que foi um registro de atuação diferente, tirou ela da zona de conforto. Ela foi muito atenta à minha direção. Eu, ela e Gabriel pegamos um na mão do outro e fizemos um poliamor para fazer o filme dar certo. O Gabriel também se entregou, claro. Expliquei a ele muita coisa dos anos 80, da banda, do universo do Eduardo. Mas também teve a composição do Eduardo, em que ele encontrava um ponto para conseguir fazer um garoto de 16 anos. Ao mesmo tempo, teria que parecer verdadeiro, num trabalho difícil, que é bem dele. Todo mundo se ajudou muito. Mas, no final, são sempre dois atores em frente a uma câmera que precisam confiar em alguém mas a gente estabeleceu essa relação de confiança e foi muito bacana.

Na construção da história de amor do Eduardo e da Mônica, o que você estendeu para além da história da música?

Há muitas coisas para se estender para fazer que uma música de quatro minutos vire um longa de duas horas. Mas sempre respeitando o espírito da música, que é de felicidade, de música solar. Espero que as pessoas se surpreendam com as nossas liberdades poéticas mas sempre buscando fazer o melhor filme, contando a melhor história do Eduardo e da Mônica, pelo menos na minha visão.

Pensa em adaptar outra música do Legião Urbana? Qual?

Estamos trabalhando num terceiro filme. Eu não posso ainda revelar o que é mas, sim, o projeto é fazer uma trilogia mas tem várias músicas da Legião que dariam um filme.

O filme teve sua estreia adiada duas vezes, aumentando ainda mais a expectativa. Você teve opção por lançá-lo em streaming?

Tivemos várias propostas para lançamento direto em streaming mas eu não quis abrir mão do lançamento no cinema porque eu acho importante o filme ter oportunidade de passar no cinema. As propostas de streaming foram muito tentadoras mas, no final, venceu o desejo meu e o da produtora Bianca de Filipos, grande parceira em lançar o filme primeiro no cinema e direito com uma janela bastante grande para o filme fazer uma grande carreira no cinema, ficar um tempo bacana nas salas de cinema. E um dos motivos é porque eu acho que esse filme é um “filme-evento”, como se fosse um show. O show de Eduardo e Mônica acontece nos cinemas. Se você quiser ouvir a música depois em casa você pode mas só vai ter a experiência de ir ao show agora. Então, quem quiser ir ao show, de se emocionar ao vivo, dessa sensação de arrepiar o pelo vai ao cinema. Depois, é claro, daqui a um tempo, irá pra outras mídias. Acho que esse filme tem uma emoção que vale a pena ser sentida no cinema, ser sentida coletivamente.

O filme é a história de duas pessoas muito diferentes mas que dão certo no amor. Fazendo um paralelo com o Brasil de 2022, extremamente polarizado, onde as pessoas estão mais dispostas a brigar que dialogar, “Eduardo e Mônica” vem provar que a convivência é possível?

Quando fizemos o filme em 2018, a gente não imaginou que o Brasil estaria do jeito que está hoje. A arte tem algo de premonitório. A gente percebeu o “Zeitgeist”, o espírito da época, o momento, mas não sabia o que era e fez esse filme com essas questões (incluindo também questões políticas), mas que elas  falam diretamente para um Brasil polarizado e dividido. Mas o povo brasileiro sabe que dá para a gente resolver as coisas com amor e não com ódio. E o “Eduardo e Mônica” vem para passar essa mensagem concordando com isso: que a gente com amor, compreensão, com alteridade, olhando para o outro de verdade, a gente consegue chegar num acordo de convivência. Essa, talvez, seja a mensagem mais importante do filme: como pessoas que pensam diferente, que têm ideias diferentes podem conseguir conviver, viver bem e se entender, respeitando as diferenças? Claro, sem nenhum exagero, não estou falando do que é muito polarizado. Noventa e nove por cento das pessoas entendem o outro e querem conviver bem. É uma mensagem importante, a da tolerância, que o povo vai gostar de abrir o ano de 2022 assim. Esse ano será um ano muito difícil nesse quesito de tolerância e diferença. Eu acho que o filme traz um abraço gostoso, um quentinho no peito pra começar esse 2022. 

Como cineasta, qual a maior vitória e o maior problema do cinema brasileiro atualmente? 

Na atual situação, a maior vitória do cinema brasileiro é existir. Colocar um audiovisual brasileiro hoje no cinema, conseguir contar uma história nossa é a maior vitória nesse momento. Claro, com a conexão com o público, com as pessoas quererem ver um filme brasileiro. Hoje, as pessoas vão assistir um filme brasileiro com a expectativa que ele seja bom. Resultado de um trabalho de muitos anos que todo o setor vem construindo. Brasileiro sempre gostou de filme brasileiro. O contrário disso não é verdade. Desde as chanchadas até filmes como “Central do Brasil” e o “Cidade de Deus” chegando em “Minha Mãe é uma Peça”, com enormes bilheterias. O nosso público ama o cinema brasileiro. Às vezes, precisamos produzir mais, ter um espaço melhor para lançar. “Eduardo e Mônica”, graças a Deus, teve essa oportunidade. Acho que é isso que se tem que buscar: continuar valorizando nossos filmes e continuar produzindo e passando nos cinemas. Assim o povo brasileiro vai ver filmes brasileiros porque gosta do nosso cinema brasileiro.