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Filme 'A Vizinhança do Tigre' cava um espaço nas salas da cidade

Filme ‘A Vizinhança do Tigre’ cava um espaço nas salas da cidade Filme ‘A Vizinhança do Tigre’ cava um espaço nas salas da cidade Filme ‘A Vizinhança do Tigre’ cava um espaço nas salas da cidade Filme ‘A Vizinhança do Tigre’ cava um espaço nas salas da cidade

São Paulo – Affonso Uchoa nasceu em São Paulo, mas a família mudou-se para Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde ele viveu até os 11 anos. Família proletária, casa na periferia. Affonso tinha os seus ‘brôs’. Depois, ele partiu para o mundo. Estudou, sonhou (acordado) com o cinema, virou cineasta. Os amigos permaneceram nas quebradas. Cada um seguiu seu caminho. Affonso voltou às origens e cresceu dentro dele a vontade de fazer um filme sobre os amigos. Nós que nos amávamos tanto. Esse filme demorou cinco anos para ser gestado. Venceu duplamente a Mostra Aurora, menina dos olhos da Mostra de Tiradentes, em 2014. Prêmio da crítica, prêmio do júri jovem. Dois anos depois, A Vizinhança do Tigre cavou seu espaço num mercado difícil (hostil?) para o cinema mais autoral, em São Paulo.

Nos últimos dias, o público tem sido bombardeado com informações sobre o Oscar. Não sobra muito tempo nem espaço para o cinema das quebradas. OK, você ainda não viu A Vizinhança do Tigre, mas agora, digamos, que o Oscar já passou, que tal olhar um filme que, além dos prêmios, tem a urgência da realidade vivida e sofrida? Na quarta, no Cine Olido, circuito Spcine, haverá um debate após a projeção. Você não está só convidado – está intimado a comparecer. Muitos filmes do Oscar vão passar. O Tigre vai ficar, como um dos melhores do ano – com O Cavalo de Turim, de Béla Tarr, outro exemplo de cinema autoral, e exigente, em cartaz.

Foram quatro anos de gravações – 2009 e 2010, depois 2011 e 12. A montagem durou um ano inteiro – 2013. E, em 2014, a estreia em Tiradentes, a premiação. Uchoa conta que o processo foi demorado. Ele tinha a ideia, e alguns dos personagens, os amigos. “No durante, houve um casamento, uma morte. E eu acho que foi a morte do Eldo que tornou o filme mais urgente, visceral. Antes, eu queria fazer justiça aos amigos que não tiveram as mesmas oportunidades que eu. A morte do Eldo mudou o foco. Como amigo, como irmão, queria dar um testemunho da sua passagem pelo mundo.”

Eldo, Juninho, Neguinho, Adilson, Menor. Todos garotos de periferia, com seus sonhos e a dura realidade que ameaça tragá-los. “O tigre é o turbilhão interior. Ou você doma o tigre ou ele te devora”, reflete o diretor. Na periferia, como em qualquer lugar, os garotos querem andar direito. Mas existe a tentação da violência, das drogas. Um dos aspectos mais interessantes de A Vizinhança do Tigre é a prosódia das ruas. Como falam os brôs. Outra coisa é o imaginário de quem vive, ou se sente à margem. Os garotos brincam de mocinho e bandido – de bandido e bandido. O problema é que a arma de brinquedo pode virar de verdade. É desse universo que A Vizinhança do Tigre tenta dar conta. Um outro testemunho parecido concorria com o Tigre na Mostra Aurora – Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós. Outra quebrada – Ceilândia, na periferia de Brasílias, a Capital Federal. O Tigre venceu em Tiradentes, Preto, no Festival de Brasília. Esses filmes são espelhos do Brasil.

A Vizinhança do Tigre é um grande, belo filme. Impossível falar do filme de Uchoa sem falar do desfecho. Para evitar o risco de spoiler, pare de ler agora e leia o restante depois. Os garotos – todos – rolam seus skates em direção à câmera. Revelam a paisagem – Contagem. Originalmente, a cena estava lá pelo meio do filme. Na montagem, Uchoa e seu montador a deslocaram para o final. De fundo, um rap dos Pacificadores. Eu Queria Mudar. Os acasos do cinema. Uchoa gravou a cena por causa de Hugo, o Guim, personagem que virou periférico. Ali, rolando o skate, está um outro, que foi trazendo outro, e mais outro. A cena, em si, se você entra no clima, é de uma intensidade rara. O rap não é recurso externo, é a prosódia desses jovens. O mínimo que se pode fazer é ouvir essas vozes para tentar dar conta do País que quer, precisa, mudar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.