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Filmes do espanhol Victor Erice são destaques da Mostra

Filmes do espanhol Victor Erice são destaques da Mostra Filmes do espanhol Victor Erice são destaques da Mostra Filmes do espanhol Victor Erice são destaques da Mostra Filmes do espanhol Victor Erice são destaques da Mostra

São Paulo – Há que agradecer às apresentações especiais da 38.ª Mostra de Cinema de São Paulo. É graças a elas que o cinéfilo de carteirinha poderá fazer nesta quarta-feira, 22, a revisão da obra (quase completa) de Victor Erice. Em 40 anos de carreira, desde 1974, Pedro Almodóvar fez mais de 20 filmes. Num período só um pouco maior – “O Espírito da Colmeia” é de 1973 -, Erice fez apenas três longas. Um punhado de curtas, quase sempre episódios para filmes coletivos, complementa sua produção. A Mostra hoje oferece todo Erice longo.

“O Espírito da Colmeia”, “El Sur” – contemporâneo do Sur de Fernando Solanas -, “O Sol do Marmelo”. Três filmes difíceis de classificar, mas que, de alguma forma, estabelecem um conceito rigoroso do cinema como investigação do mundo e da arte. Vale recuar no tempo. Há 41 anos, Francisco Franco ainda era chefe de governo da Espanha. Ele ainda viveria mais dois anos, mas, em 1973, fez a passagem numa Espanha que clamava por democracia. Franco, que combatera a República, fez do rei Juan Carlos o seu sucessor. O rei, atendendo ao clamor popular, modernizou a Espanha, coisa que o caudilho se recusava a fazer. Mais recentemente, Juan Carlos renunciou em meio a denúncias de corrupção que envolviam familiares e o próprio governo, mas, naquela época, ele representava o desejo de mudança.

Carlos Saura era o grande nome do cinema espanhol na época. Para driblar a censura do franquismo, fazia filmes alegóricos que colocavam a Espanha na tela. Foi quando veio Erice. Em 1940, a Falange, partido fascista de Franco, dominava o país, após a derrota das forças republicanas na Guerra Civil. Erice mostrou, de forma enviesada, o que ocorrera na Espanha. Duas meninas, duas irmãs, assistem ao clássico Frankenstein, de James Whale. Ficam perturbadas com o monstro interpretado por Boris Karloff. No seu imaginário infantil, o monstro vira o militante ferido que se esconde no celeiro. No filme dentro do filme, uma menina, sem noção do perigo, brinca com o monstro. Ele, também inocente, a joga dentro d’água, mas é só uma brincadeira – que produz uma tragédia.

Ana Torrent faz a mais sugestionável das irmãs – depois, ela virou atriz de Saura (em “Cria Cuervos”). O filme constrói-se nesse limite em que inocência e perversidade se dão as mãos. Explorando o sentimento de insegurança no imaginário dos espanhóis – o país, dividido pela guerra fratricida, também antecipara forças em conflito na 2.ª Grande Guerra -, o filme permite entender como o franquismo se constituiu numa ditadura do tipo conservadora, católica e anticomunista. Passaram-se dez anos até o segundo longa, e mais dez até o terceiro. “El Sur” volta ao imaginário infantil. Adulta, uma mulher do norte lembra sua mítica fascinação pelo sul, tecida nos relatos que ouvia do pai, quando menina.

De novo, Erice volta a um país dividido, e não apenas a Espanha. O conflito norte/sul está na essência de divisões históricas – colonizadores e colonizados, potências capitalistas e nações do Terceiro Mundo. A própria divisão interna é entre industrialização e estrutura agrária. O pai é desterrado no próprio país pela Guerra Civil. Como no Espírito, o autor movimenta-se no território do mito. Há sempre um momento de mistério, ou de terror. A menina, no Espírito, pensa que a irmã morreu. Em “El Sur”, a garota descobre que herdou o pêndulo do pai. Com ele, vem o tempo, e tudo o que representa. Em “O Sol do Marmelo”, é a luz. No exíguo quintal de seu estúdio, onde há um marmeleiro, o pintor Antonio López tenta captar a luz do sol nos frutos. A tarefa é difícil, senão impossível. Tão poucos filmes, e tão grandes. Erice poderá ser, tanto depois, a grande descoberta dessa Mostra.

AS APOSTAS DO DIA

– “Vermelho Profundo”

Um dos mais belos filmes do mexicano Arturo Ripstein, recontando a história de Amantes da Meia-Noite, de Leonard Kastle, sobre casal bizarro – ele, feio, ela gorda – que se une para uma vida de crimes.

– “Winter Sleep”

O longa do turco Nuri Bilge Ceylan que ganhou a Palma de Ouro, em maio, desagradou a muitos críticos, mas tem grandes cenas que discutem o papel do intelectual e a crise do casal no mundo contemporâneo.

– “A Noite de São Lourenço”

Talvez o maior filme dos irmãos Taviani, um relato carregado de conotações míticas sobre a resistência ao fascismo numa pequena cidade italiana, durante a 2ª Grande Guerra.

– “Permanência”

Irandhyr Santos é sempre uma garantia, ainda mais quando o diretor é talentoso como o estreante pernambucano Leonardo Lacca. Fotógrafo hospeda-se na casa da ex em São Paulo. Velhos sentimentos afloram. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.