Enquanto produções internacionais lotam as salas, o público brasileiro ainda luta para ver suas histórias nas telas (Foto: Reprodução/Freepik)
Enquanto produções internacionais lotam as salas, o público brasileiro ainda luta para ver suas histórias nas telas (Foto: Reprodução/Freepik)

Sabe aquela sensação de querer muito ver um filme brasileiro e simplesmente não encontrar uma sessão disponível? Pois é. As grandes redes de cinema lotam as salas de blockbusters estadunidenses enquanto um longa nacional recém-premiado em um grande festival desaparece da programação em poucos dias.

Ainda é muito difícil escapar da sensação de que o cinema no nosso país continua sendo privilégio de poucos. A promessa de uma indústria em retomada é bonita, mas esconde um problema que o público sente na pele: a concentração das telas nas mãos de poucas redes e uma distribuição que segue o mesmo roteiro de sempre.

Uma festa com poucos convidados

O público ama cinema, as filas para estreias de grandes franquias continuam firmes, e os números comprovam isso. Mas, quando a gente olha de perto, percebe que a festa é para poucos convidados. São sempre os mesmos títulos dominando as salas: animações da Disney, heróis da Marvel e as continuações de sucesso. 

O filme conseguiu estender seu tempo de exibição nas salas de cinema (Foto: Reprodução/X/@globoplay)

Enquanto isso, um filme nacional precisa de um milagre, um prêmio internacional ou uma campanha de marketing milionária para sobreviver mais de uma semana em cartaz. “Ainda Estou Aqui” foi um desses raros casos. O vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, respondeu sozinho por quase um terço de todo o público de produções brasileiras exibidas no período. Fora isso, a maioria mal tem tempo de ser descoberta.

E o problema vai além da falta de interesse, pois a distribuição de filmes no Brasil é um jogo desigual. De um lado, grandes distribuidoras estrangeiras chegam com contratos fortes, campanhas gigantescas e garantias de exibição em múltiplas salas. Do outro, produtoras e distribuidoras independentes tentam negociar espaço para filmes nacionais e alternativos, brigando por horários decentes e cópias suficientes

Superproduções internacionais ocupam quatro, cinco salas de um mesmo shopping. Já um filme brasileiro, muitas vezes feito com recursos públicos e que apresenta uma enorme relevância cultural, entra no circuito quase escondido, com uma sessão isolada e some em questão de dias. Para quem mora fora dos grandes centros, a realidade é ainda mais frustrante.

A luta para existir

Mesmo com a reintrodução da Cota de Tela, que obriga as redes a exibirem uma quantidade mínima de produções nacionais, o impacto real ainda é tímido. A Ancine fiscaliza, divulga relatórios, cria metas, mas, na prática, as exibições seguem concentradas nos mesmos poucos títulos que garantem retorno financeiro. O cinema brasileiro ainda precisa lutar para existir dentro do próprio país.

O longa mostrou mais uma vez a força do público nacional (Foto: Reprodução/X/@vitrine_filmes)

Um exemplo disso é “O Agente Secreto”, novo filme de Kleber Mendonça Filho: a estreia é recente mas já podemos considerar um marco: 730 cinemas e 1.400 salas, um recorde para uma produção nacional. Mesmo assim, o filme enfrenta a pressão da avalanche de estreias internacionais, que rapidamente tomam o espaço e empurram o nacional para o fim da fila. 

Enquanto isso, as grandes redes comemoram o aumento nas vendas, mas exibem praticamente o mesmo repertório. Poucos títulos concentram a maior parte do público e do faturamento, criando uma paisagem cinematográfica monótona. Quem busca algo diferente, uma história mais próxima, precisa garimpar ou esperar o lançamento chegar ao streaming.

E nem dá para dizer que o problema é falta de público, pois quando o brasileiro tem oportunidade, ele vai. Filmes como “Vitória” e “Homem Com H” provaram que o interesse existe, mas falta vontade de equilibrar a balança e enxergar o cinema nacional não como um produto menor, mas como parte fundamental da nossa identidade cultural.

Acesso ainda é privilégio

A desigualdade também se reflete na acessibilidade. Algumas redes têm avançado, oferecendo sessões adaptadas para pessoas com deficiência auditiva ou que fazem parte do espectro autista, com aplicativos de legenda sincronizada. São passos importantes, mas isolados.

A retomada plena do setor é prevista para acontecer nos próximos anos, com ajustes estruturais e maior equilíbrio entre os tipos de produção. Mas até lá, seguimos convivendo com um sistema que trata o cinema como negócio para poucos e entretenimento para quem pode pagar, ou se contenta com o que está em cartaz.

O cinema brasileiro pulsa e insiste, sendo feito por diversas pessoas talentosas e apaixonadas por contar histórias. O problema é que, enquanto as grandes telas estiverem monopolizadas por meia dúzia de blockbusters, boa parte dessa arte continuará invisível.

Ir ao cinema não deveria ser luxo, mas um direito cultural, uma extensão da nossa identidade, do nosso olhar sobre o mundo. O cinema é brasileiro sim, mas falta o sistema deixar que o Brasil possa se assistir.

Gabriel Miranda

Repórter

Jornalista em formação pela Estácio de Sá, faz parte da redação da TV Vitória e está à frente do quadro "Só Soundtrack Boa" na Jovem Pan Vitória. Com olhar atento e conhecimento de cinema e cultura pop, escreve sobre filmes, séries, bastidores e tudo que movimenta esse universo pop.

Jornalista em formação pela Estácio de Sá, faz parte da redação da TV Vitória e está à frente do quadro "Só Soundtrack Boa" na Jovem Pan Vitória. Com olhar atento e conhecimento de cinema e cultura pop, escreve sobre filmes, séries, bastidores e tudo que movimenta esse universo pop.