
Se uma garota pede por uma comédia romântica estrelando Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal, “Amores Materialistas” entrega, certo? Uma comédia talvez não seja o caso; romântica… depende do que você chama de romance.
O novo filme de Celine Song, diretora indicada ao Oscar por “Vidas Passadas”, estreou nos cinemas brasileiros no último dia 31 de julho e conta a história de Lucy (Dakota Johnson), uma casamenteira de Nova Iorque que se vê dividida entre Harry (Pedro Pascal), um empresário rico e romântico, e John (Chris Evans), o ex-namorado que ainda tenta equilibrar sua vida financeira.
Falando sério: se você tem alguma familiaridade com comédias românticas do tipo, é fácil imaginar como esse triângulo amoroso termina: ela escolhe o ex porque, afinal, o que importa não é o dinheiro, e sim o amor. E, (!) alerta de spoiler (!), é isso que acontece.
Mas a escolha dela não é o que mais frustra no filme, e sim a falta de profundidade no enredo, a ausência de química entre os personagens e, honestamente, a crença de que o amor, por si só, é suficiente para sustentar um relacionamento.
Os números do amor
Altura, idade, salário: Lucy passa boa parte do filme fazendo matemática para combinar seus clientes — o que parece uma boa crítica à mercantilização dos afetos. A história se propõe a escancarar que, para entrar no “mercado do amor”, é preciso ter dinheiro e cumprir todos os requisitos listados pelo outro, sem tirar nem pôr. Não há espaço para concessões: se o homem não tem mais de 1,80m, então que faça uma cirurgia para aumentar a altura!

Por diversas vezes durante o longa, senti como se Celine Song tivesse lido sobre a “prateleira do amor”, conceito da escritora brasileira Valeska Zanello (pesquisadora na área de Saúde Mental e Gênero e professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília) e o transformado em um roteiro hollywoodiano.
Resumidamente, no livro “A Prateleira do Amor: Sobre Mulheres, Homens e Relações”, Zanello afirma que, quanto mais dentro dos padrões (branca, magra, jovem) uma mulher está, maiores são suas chances de ser escolhida, mais alto ela está na tal prateleira. Traço esse paralelo porque, em Amores Materialistas, o namoro se assemelha a ir ao mercado e escolher uma fruta pela aparência. É um negócio, mas que Lucy tenta fazer parecer amor.
Amor não põe mesa
Quando se conhecem, Harry devolve a Lucy a pergunta que ela costuma fazer aos clientes: “Quais são seus pré-requisitos para casar?”. Ela responde: “Rico”.
Rapidamente, descobrimos por que Lucy busca um homem rico. Sua relação com o ex, John, era pautada pelo dinheiro, ou pela falta dele. E é aqui que o filme começa a ser levemente irritante.
A escolha final de Lucy não frustra por ela ter escolhido o ex pobre, em vez do multimilionário que a faz se sentir valiosa (palavras da personagem). Frustra porque John está no mesmo lugar em que ela o deixou anos atrás: tentando ser ator, pegando bicos como garçom e morando com amigos. O filme não permite que o espectador torça por ele, já que ele não mudou e não parece disposto a isso.

Qual é a lógica de se contentar agora com o que te fez terminar há tantos anos? Soa estranho que alguém que escreveu um final corajoso (e como deve ser) como o de “Vidas Passadas” entregue um clichê tão mal construído. É como se os dois filmes fossem antagonistas.
É claro que as relações não se baseiam apenas na racionalidade e a solução para o filme não está em escolher Harry; pelo contrário, ela não o amava e não deveria aceitar um casamento sem amor. No entanto, é simplista reduzir a trama a um binarismo entre amor e materialidade, quando o roteiro poderia ser mais inteligente e apresentar um amor amadurecido: aquele que entende que só o sentimento não é suficiente para sustentar uma relação.
Uma eterna falta
É difícil imaginar falta de química entre três pessoas tão bonitas quanto o trio protagonista, mas a frieza na tela é tão grande quanto um iceberg. Não há nada para sentir entre eles, mesmo quando a personagem de Dakota enfrenta um problema no trabalho e escolhe ligar para o personagem de Evans.
Esse problema poderia ser a grande virada do filme, o gancho para que Lucy mudasse o rumo da própria história e da empresa em que trabalha. Se o objetivo fosse se afastar das comédias românticas dos anos 2000, com uma proposta mais progressista e feminista, era aqui que Celine Song acertaria. Mas até a resolução de um episódio de violência contra mulher é rasa. Nada pode ser retirado dali.

Não entenda mal: não é como se as consumidoras de comédias românticas esperassem uma grande obra sociológica sobre o amor, suas implicações na sociedade contemporânea ou qualquer outro conceito acadêmico. Mas o filme não entrega… nada.
Pouco me importaria a escolha da protagonista se ela não a levasse de volta ao ponto de partida, ou pior, a um estágio anterior ao início do filme. Nenhum progresso foi feito — a não ser que “progresso” aqui signifique abrir mão da materialidade e acreditar que o amor compensa tudo. E se esse é o ponto do filme, talvez ele devesse ser classificado como conto de fadas.