Escrever sobre “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, é mais desafiador do que aparenta. À primeira vista, o filme não entrega sinais óbvios de seu caráter fora do comum, mas logo se revela como uma experiência cuidadosamente construída para desconcertar.

Diferente de muitos thrillers políticos tradicionais, o longa não tem pressa em contextualizar o passado nem interesse em didatismos. O medo não é anunciado, ele se infiltra nos olhares desconfiados, nas palavras que não se dizem e na tensão que permeia cada espaço.

A narrativa acompanha Marcelo, interpretado por Wagner Moura, um homem que chega a Recife tentando se diluir na cidade, como quem entende que sobreviver passa menos por existir e mais por não chamar atenção. O filme nunca explica completamente quem ele é ou o que fez, e essa ambiguidade não é falha, mas escolha deliberada do diretor.

Ao abandonar o estilo convencional com reviravoltas e conspirações explícitas, Kleber cria um suspense que se instala lentamente, acumulando-se nos detalhes deslocados e nas atitudes cautelosas. Esse acúmulo gera um desconforto constante: muitas vezes nada acontece de fato, mas a sensação de ameaça permanece palpável.

Filme é uma experiência diferente do que se espera de um thriller político (Foto: Victor Jucá/Divulgação)

Ao mesmo tempo, o roteiro consegue equilibrar esse desconforto com momentos de humor muito naturais, principalmente nas cenas protagonizadas por Dona Sebastiana, vivida pela querida Tânia Maria, que roubou o coração dos brasileiros.

Recife se torna um personagem silencioso na visão da câmera, ao mesmo tempo que é familiar também é hostil, e cada esquina carrega a possibilidade de vigilância. Wagner Moura constrói o trauma de Marcelo com extrema contensão, pausas e pequenas reações em suas interações calculadas, e não em discursos inflamados ou explosões de sentimentos.

O comparativo com “Ainda Estou Aqui”, outro sucesso brasileiro celebrado, evidencia essa ousadia: ambos os filmes desafiam o espectador e dialogam com a memória e a política nacional. Porém, enquanto o filme de Walter Salles explora riscos de forma mais tradicional, o de Mendonça se destaca pelo controle preciso e fora da curva nesta abordagem política e urbana.

No fim, temos uma obra que exige paciência e concentração, mas recompensa quem se entrega ao jogo de incertezas que propõe. Não é sobre grandes feitos heroicos ou respostas fáceis; é sobre pequenas sobrevivências, escolhas silenciosas que, em tempos de exceção, se tornam atos decisivos para garantir mais um dia na vida das pessoas que lutam para se proteger do próprio país.

Gabriel Miranda

Repórter

Jornalista em formação pela Estácio de Sá, faz parte da redação da TV Vitória e está à frente do quadro "Só Soundtrack Boa" na Jovem Pan Vitória. Com olhar atento e conhecimento de cinema e cultura pop, escreve sobre filmes, séries, bastidores e tudo que movimenta esse universo pop.

Jornalista em formação pela Estácio de Sá, faz parte da redação da TV Vitória e está à frente do quadro "Só Soundtrack Boa" na Jovem Pan Vitória. Com olhar atento e conhecimento de cinema e cultura pop, escreve sobre filmes, séries, bastidores e tudo que movimenta esse universo pop.