“O Telefone Preto 2” é uma daquelas raras continuações que não só justificam a própria existência, como superam o original com convicção. O diretor Scott Derrickson retorna ao universo criado a partir do conto de Joe Hill, e a sensação é de revisitar seus próprios demônios.
Se antes tínhamos um suspense de abdução com toques sobrenaturais, agora mergulhamos de vez no terror mais sombrio, mais violento e emocionalmente devastador. O que era um mistério psicológico se transforma em uma jornada sobre dor, culpa e sobre o peso de sobreviver a uma tragédia.
Quando uma sequência vale a pena existir
Partimos de uma pergunta simples e inevitável: se os mortos podiam se comunicar pelo telefone, por que o Sequestrador não poderia voltar também? Essa provocação é o ponto de partida para um segundo capítulo que, diferente de tantas continuações caça-níqueis, faz sentido.
Anos se passaram desde os eventos originais, e agora Finney tenta lidar com o trauma que o marcou, pois mesmo após sobreviver ao que se passou, nunca voltou a viver de verdade. Gwen, sua irmã, vê seus dons psíquicos crescerem a ponto de se tornarem um fardo, a conectando cada vez mais a um mundo que não a deixa em paz toda vez que tenta adormecer.
A atriz Madeleine McGraw é o coração pulsante dessa continuação. Sua interpretação de Gwen é madura, contida e intensa; o ator Mason Thames, por sua vez, mostra uma evolução sólida, já que Finney agora é um reflexo quebrado do herói anterior, tentando se reconstruir com as sobras do passado. O elenco coadjuvante, discreto e funcional, sustenta o tom melancólico sem roubar a luz dos protagonistas.
Uma expansão do sobrenatural
O Sequestrador pode estar morto, mas como o próprio longa diz, a morte aqui é só uma palavra. Sua presença como uma entidade vingativa transforma o filme em algo mais próximo de “A Hora do Pesadelo”, e não é por acaso.
As influências de Freddy Krueger são abraçadas sem disfarces, fazendo do vilão uma sombra viva, um pesadelo com voz e máscara. Ethan Hawke entrega um vilão que se eterniza no hall da fama dos ícones do gênero do horror.
Se o primeiro filme era claustrofóbico, o segundo filme espalha o terror entre as florestas, o acampamento, o lago congelado e vários sonhos onde o real e o imaginário se confundem. A fotografia cria contrastes belíssimos entre a brancura da neve e a escuridão das sombras, enquanto a trilha sonora oprime. O visual analógico e ligeiramente granulado também remete ao horror slasher que marcou os anos 1980.
Muito além de sustos fáceis
O diretor transforma o sobrenatural em metáfora para o trauma: o telefone preto retorna como lembrança das dores que se recusam a morrer. Às vezes, a sobrevivência é uma condenação disfarçada de milagre, mas os traumas precisam ser enfrentados para que a vida possa se renovar.
Ainda que o resultado seja ótimo, há momentos em que o ritmo desacelera muito. O segundo ato adota um tom mais investigativo e o clímax, embora eficaz, é menos sufocante que o do original. Ainda assim, o peso das emoções mantém o interesse do público, sem falar que a coerência narrativa é tão eficaz que compensa os pequenos tropeços.
“O Telefone Preto 2” é um raro exemplo de sequência que entende o que tornou o original especial e, ainda assim, tem coragem de seguir um novo caminho. Ao final, fica a sensação de que o telefone continua tocando, mas que agora é um chamado de tudo o que ficou inacabado.
Talvez o verdadeiro horror não esteja em atender, e sim em perceber que ele nunca deixou de chamar.