
*Reportagem de Matheus Ribeiro, estudante de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Baseado nos quadrinhos de mesmo nome, Thunderbolts* – com o asterisco – é a mais nova aventura da Marvel Studios nos cinemas e segue um grupo de anti-heróis com um passado sombrio, forçados a trabalhar juntos e enfrentar seus demônios pessoais em uma perigosa missão. Mas será que o filme foi capaz de superar as expectativas da audiência?
É inegável que os projetos da Marvel vêm passando por uma fase bastante inconsistente, com os filmes e séries, em sua maioria, se tornando cada vez mais industriais e menos interessantes. Esse é um estigma que Thunderbolts enfrentou desde seu anúncio.
LEIA TAMBÉM:
- Demolidor: Renascido é um Frankenstein em forma de série
- Mostra de Cinema exibe 30 filmes capixabas a partir desta semana em Vitória
- “Heartstopper” vai virar filme após três temporadas da série da Netflix
O filme, de um diretor pouco experiente e com um grupo de personagens considerados desinteressantes pelo público, foi imediatamente visto como mais um dos enlatados genéricos que o estúdio lança. Por isso, o desafio enfrentado pelo projeto era enorme.
Toda essa falta de expectativa torna ainda mais gratificante e surpreendente ver que o projeto é executado com um cuidado e sensibilidade impressionantes. Dentro de duas horas, o diretor Jake Schreier, da série Beef, usa a falta de fé da audiência no projeto e nos personagens para construir uma bela história sobre culpa, redenção, traumas e saúde mental.
Ainda mais surpreendente é a seriedade e a preocupação do diretor ao tratar de um assunto tão delicado quanto a depressão. Esse cuidado também é percebido nos visuais belíssimos do filme, que fogem do padrão genérico e aguado associado ao Universo Cinematográfico da Marvel (UCM) e apresentam uma postura por vezes sisuda, mas ainda dinâmica e atraente.
Roteiro cuidadoso, personagens mal construídos
“Cuidado” talvez seja a palavra que resume o filme como um todo. O carinho que o roteiro, assinado por Eric Pearson e Joanna Calo, tem com os personagens é realmente perceptível e é abraçado pela direção. Não é apenas sobre fazer o público se importar com esses personagens, mas sobre mostrar ao público por que eles são dignos desse carinho.
Isso não significa que o roteiro do longa seja isento de problemas, mesmo que esses sejam menos evidentes do que em outros filmes do estúdio. Em certos momentos, o filme peca em dar a devida atenção a certos personagens, enquanto a inclusão de outros – o Alexei de David Harbour, por exemplo – parece nunca se justificar completamente.
Esse personagem acaba sendo, por vezes, um incômodo. Harbour possui um humor bastante exagerado, o que chamava atenção principalmente em Viúva Negra (2021), sua estreia no personagem. Aqui, o humor é um pouco melhor dosado, mas ainda aparece de forma negativa em certos momentos. Também falta desenvolver o personagem para além de uma extensão de Yelena (Florence Pugh).
Ainda sobre o humor, é bem interessante ver como Schreier contorna e usa o humor característico do UCM para contar uma história tão sensível. Se em muitos projetos o humor frenético do estúdio acaba diluindo temas sérios, aqui isso, pela primeira vez em algum tempo, não acontece.
Isso se reflete muito bem nas jornadas individuais de cada personagem. O John Walker de Wyatt Russell, introduzido na minissérie Falcão e o Soldado Invernal (2021), continua se provando um personagem complexo e ganha ainda mais camadas aqui, mesmo que fique em segundo plano em certos momentos. Julia Louis-Dreyfus segue roubando a cena como Val e se prova uma vilã dinâmica e interessante, com bastante potencial para o futuro.
Também destaca-se o cuidado dado ao Bucky de Sebastian Stan. Um dos personagens mais antigos da franquia, o filme reconhece e respeita o desenvolvimento que o personagem passou nos outros projetos e o coloca em papel de liderança, guiando o restante da equipe – o que funciona muito bem.
Por outro lado, a Fantasma (Hannah John-Kamen) parece meio esquecida pelo roteiro em certos momentos, o que é uma pena, considerando o talento da atriz e as habilidades interessantes da personagem.
Solidão e redenção
Mas o coração do filme pertence a Florence Pugh e Lewis Pullman. Com Yelena e Bob, os atores constroem uma dinâmica crível e profunda que define perfeitamente a mensagem do filme sobre solidão e redenção. Pugh é uma das grandes atrizes dessa geração, e Thunderbolts* é o veículo perfeito para mostrar isso.
Pullman, por sua vez, traz bastante honestidade e sutileza a um papel difícil e chamativo. Seria muito fácil errar a mão em um personagem como o Sentinela, mas é a performance de Lewis Pullman que o destaca em meio a tantas versões do arquétipo do “Superman maligno”.
São as performances deles, também, que justificam a existência do projeto e respondem às demandas da audiência sobre a necessidade desse filme e desses personagens. Ao fim do longa, é impossível não entender, aceitar e até se afeiçoar por esse improvável grupo de anti-heróis.
Por esse motivo, também, é tão gratificante vê-los assumir um novo manto ao fim da trama, quando o asterisco do título revela o novo – e verdadeiro – nome do filme. Chame-os como preferir: é inegável que a equipe chegou para ficar e conquistou seu espaço no futuro desse universo.