
Depois de 15 anos, “Tron: Ares” tenta reacender uma franquia da Disney que já parecia bem resolvida. O novo capítulo chega embalado por promessas de modernidade, discussões sobre IA e um elenco estrelado, mas tropeça onde mais precisava inovar: no roteiro.
O resultado é um filme visualmente impressionante, mas vazio em essência, o que é uma ironia amarga para uma trama sobre inteligências artificiais tentando compreender o que é ser humano de fato.
A IA que queria ser um menino de verdade
A trama acompanha Ares, interpretado por Jared Leto, um programa de combate criado pelo novo presidente da Dillinger Systems. Sua missão é cruzar a fronteira entre o mundo digital e o real, em uma espécie de “Pinóquio neon”, em que a criatura anseia pela humanidade. Ao lado de empresária Eve Kim, ele tenta entender o que significa existir fora dos códigos de programação.
A ideia é interessante, mas o potencial se perde em meio à previsibilidade. A jornada de autodescoberta de Ares segue o manual mais burocrático possível, e o roteiro revela todos os seus truques antes da metade. O que poderia ser uma boa reflexão sobre ética e IA, acaba se reduzindo a apenas uma sequência de show de luzes e diálogos fora de tom.
Nem tudo é falha de sistema. Visualmente, “Tron: Ares” honra seu nome. A direção de arte cria um espetáculo neon digno de seus antecessores, com cenas de ação vibrantes e ambientações que justificam o peso da franquia. As lutas são bem coreografadas e os efeitos, embora familiares, ainda impressionam.
A trilha sonora da banda Nine Inch Nails é outro ponto alto — não alcança o impacto das canções compostas pelo Daft Punk, mas o som industrial pulsante dá vida a sequências mais mornas e injeta energia onde o roteiro hesita. Em muitos momentos, é a música que impede o filme de cair no tédio completo e, sem exagero, o ritmo do longa depende mais da batida do que da própria narrativa.
Conceitos desperdiçados e astros congelados
Chegamos ao ponto crítico: Jared Leto. O ator até tenta, mas seu Ares é uma IA tão genérica que beira o inexpressivo. Falta humanidade, falta carisma, falta… algo. Ele não compromete o filme, mas também não o sustenta — e considerando que carrega o nome no título, isso já diz muito.
Os astros Greta Lee e Evan Peters, por outro lado, conseguem manter algum brilho. Lee entrega uma performance sólida, enquanto Peters parece se divertir mais com o papel de vilão do que o roteiro aparenta permitir. Porém, o embate entre os dois fica subaproveitado, um desperdício de talento que a obra não soube explorar.
O maior problema do filme é não saber o que quer dizer. A produção flerta com discussões interessantes como o perigo das IAs militares, o dilema da consciência digital, o avanço tecnológico desenfreado, mas trata tudo com superficialidade. Em vez de mergulhar nessas questões, prefere gastar tempo com piadas fora de tom e cenas que parecem montadas por um algoritmo.
Mesmo os momentos que deveriam ser mais emocionais soam, ironicamente, artificiais. A transição de Ares para uma consciência mais “humanizada” é abrupta e mal construída. Quando ele passa a demonstrar empatia, o público sente mais confusão do que emoção. É um clássico caso de “mostrar sem convencer”.
Um legado preso no passado
“Tron: Ares” quer ser grandioso, mas soa preguiçoso. O diretor Joachim Rønning tem domínio técnico, mas falta visão criativa. O longa termina tentando preparar terreno para uma nova sequência, deixando claro que a prioridade não era contar uma boa história, e sim manter viva uma marca que a Disney vive tentando fazer decolar.
A relevância de “Tron” nunca esteve propriamente em seus roteiros, o primeiro filme lançado em 1982, foi pioneiro no uso da computação gráfica que moldariam uma geração de produções de ficção científica. O problema é que, por trás da inovação técnica, havia uma narrativa excessivamente explicativa e cansativa.
Mesmo assim, o potencial daquele universo virtual era inegável, e “Tron: O Legado” conseguiu renovar a franquia com uma estética deslumbrante que o transformou em um filme cult. Agora, quando surge a chance de finalmente revitalizar a saga, acabou justificando a descrença dos céticos.
Mesmo que ainda traga um visual deslumbrante e trilha impecável, a produção é um lembrete de que nem toda saga merece ser reiniciada. Às vezes, o código já foi executado da melhor forma e insistir em rodá-lo de novo só gera mais erros no sistema.