
Nos últimos anos, Hollywood entrou em um ciclo de adaptações em live-action, versões com atores reais de histórias já conhecidas, movimentando bilhões de dólares e levantando dúvidas sobre a criatividade dos estúdios.
A Disney é quem lidera essa tendência atualmente, mas não está sozinha nem foi a primeira. O que são empresas apostando em releituras que pouco acrescentam e, em alguns casos, parecem fora de controle.
Antes mesmo do remake de “Alice no País das Maravilhas” estourar em 2010, a Disney já testava os live-actions pontualmente, como em “101 Dálmatas” lançado em 1996, que foi bem recebido e até ganhou uma sequência nos anos 2000. Mas foi o sucesso bilionário do filme de Tim Burton que acendeu o alerta entre os executivos para o potencial comercial desse formato. Outros estúdios também já haviam tentado.
A Warner Bros., por exemplo, lançou “Scooby-Doo” em 2002, marcando a estética exagerada das adaptações da época. Os filmes com atores baseados em brinquedos e games, como “Mestres do Universo” e “Super Mario Bros.”, também buscaram levar personagens populares para o cinema, mas foram extremamente criticados por distorcerem demais as obras originais.

Antigamente, remakes tinham propósito: atualizar tramas, reimaginar histórias ou aproveitar novas tecnologias. O foco não era lucro imediato e sim uma nova leitura com relevância. É o caso de “Scarface”, com Al Pacino, que reinterpreta um filme de 1932, mas adaptando o contexto para a Miami dos anos 80 e os conflitos do tráfico de drogas.
A mudança de cenário trouxe impacto e fez do filme um clássico por mérito próprio. Outros exemplos notáveis incluem “Os Infiltrados”, de Martin Scorsese, que reinventou a produção asiática “Conflitos Internos”, conquistando Oscar de Melhor Filme em 2007, provando que a recriação pode ir além da simples cópia.
O domínio da Disney e o desgaste do formato
Nos tempos atuais, a Disney adotou os remakes em live-action como marca registrada. “A Bela e a Fera”, “O Rei Leão”, “Aladdin”, “Mulan” e muitos outros foram refeitos e diversos outros já anunciados. A estratégia se sustenta em três pilares: apostar em marcas conhecidas, explorar a nostalgia e reduzir custos criativos.

Afinal, personagens já consagrados garantem bilheteria e alcance global. Sabendo disso, o estúdio aposta no engajamento automático desses lançamentos, que geram comentários, vendas e audiência antes mesmo da estreia. Mas o excesso está cobrando um preço.
O caso mais evidente foi “Branca de Neve”, criticado pelas decisões criativas, polêmicas com o elenco e uma estética pouco convincente. A decisão parecia sinalizar um desgaste real do formato dentro do estúdio, mas essa pausa durou pouco.
O remake de “Lilo & Stitch” surpreendeu, ultrapassando US$ 1 bilhão e garantindo uma sequência. O resultado mostrou que o público ainda responde quando o material é tratado com carinho e mantém o apelo emocional. Ou seja, o problema não está apenas no excesso, mas no trato com o material: nostalgia usada com cuidado vira retorno; produto vazio é rejeitado.
Outras empresas também seguem esse caminho. A Netflix, por exemplo, adaptou animes como “Death Note”, que foi massacrado pelos fãs e crítica especializada, e “One Piece”, com boa recepção, embora ainda exista o desafio de manter a qualidade nas próximas temporadas da série.
A Warner também tenta encontrar espaço, com a futura série de “Harry Potter” e o recente sucesso “Barbie”. A indústria asiática, especialmente a japonesa, tem apostado em adaptações de animes para cinema, com resultados igualmente irregulares.
Limites da corrida pela nostalgia
Recentemente, a notícia de um live-action de “Guerreiras do K-Pop” causou estranhamento. A animação original, lançada em junho deste ano, foi um sucesso de público e crítica, com estética vibrante e músicas que se tornaram populares.
Porém, a franquia está em expansão, com novas sequências sendo planejadas, tornando a adaptação com atores reais uma decisão apressada e desnecessária.
A principal dúvida que surge é simples: para quê? A força da animação está justamente no visual estilizado, nas coreografias exageradas e nos efeitos que só funcionam nesse formato. Tentar levar isso ao realismo pode destruir o charme original.
Além disso, há uma questão de saturação do mercado. Quando tudo é transformado em live-action, perde-se a sensação de evento especial. O público passa a enxergar os lançamentos como previsíveis e pouco ousados. O risco, nesse cenário, é criar uma geração acostumada a consumir apenas o que já conhece, sem espaço para narrativas originais. Isso enfraquece novos criadores e reduz a diversidade de vozes na indústria.
O que vemos é uma corrida para transformar qualquer novidade em franquia, antes mesmo de consolidar o que já existe. O live-action virou mais uma estratégia comercial, pensada para lucrar o máximo possível enquanto o interesse dura. Esse cenário deixa claro como o conceito foi distorcido. Antes uma homenagem ou reinvenção criativa, agora virou produto de marketing.
A nostalgia, quando exagerada, também perde valor com o tempo. A febre dos live-actions deve continuar por um tempo, mas os sinais de desgaste já aparecem. Recontar histórias sempre é uma decisão válida, mas desde que haja propósito, originalidade e respeito ao material de origem para justificar a sua existência e agradar o público.