Crítica

"Homem com H" faz história de Ney Matogrosso um espetáculo

Filme alcança o 1º lugar na Netflix Brasil e destaca o bom momento do cinema nacional com uma cinebiografia emocionante. Leia a crítica completa

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“Homem com H” conquista o público e faz sucesso nos cinemas e na Netflix (Foto: Divulgação/Paris Filmes)
“Homem com H” conquista o público e faz sucesso nos cinemas e na Netflix (Foto: Divulgação/Paris Filmes)

O sucesso de “Homem com H”, que alcançou o topo do ranking da Netflix no Brasil em apenas quatro dias após sua estreia na plataforma de streaming, desempenho que reforça a força simbólica de Ney Matogrosso como figura artística e política, e também destaca a crescente capacidade da indústria audiovisual brasileira de entregar obras que emocionam, provocam e se conectam com diferentes gerações.

Dirigido por Esmir Filho, o filme conta a história de Ney Matogrosso com uma mistura de sensibilidade, ousadia e um cuidado raro em produções do gênero. Desde o início, o longa se propõe a não apenas narrar os acontecimentos da vida de Ney, mas a traduzir sua essência para a tela, explorando sua trajetória como um homem LGBTQIA+ que transformou a dor e o preconceito em arte e liberdade.

A escolha de começar o filme intercalando o abuso sofrido na infância e o primeiro show solo é um acerto narrativo que já antecipa o tom emocional que irá conduzir toda a obra.

Do ponto de vista da construção narrativa, o filme também se distancia do formato burocrático de outras cinebiografias musicais. Em vez de simplesmente encaixar uma música atrás da outra, o diretor utiliza as performances como parte essencial do desenvolvimento emocional do personagem. Canções como “Bandido Corazón” surgem como manifestações visuais do processo de libertação de Ney.

Jesuíta Barbosa encarna Ney Matogrosso

Jesuíta Barbosa mostra a vida de Ney Matogrosso além dos palcos (Foto: Marina Vancini)

A atuação de Jesuíta Barbosa é um espetáculo à parte. Mesmo nas cenas musicais em que dubla as canções, o ator entrega uma interpretação tão física e emocional que o público esquece que não está ouvindo a voz real dele.

Jesuíta capta com precisão os gestos, o olhar, a postura e toda a energia cênica de Ney Matogrosso, trazendo vida ao palco e aos momentos íntimos do personagem com uma entrega impressionante.

Outro grande destaque vai para os figurinos e a direção de arte, que recriam com fidelidade os visuais icônicos do artista, além de uma fotografia que sabe explorar as cores, os brilhos e os contrastes que marcaram a estética de Ney ao longo das décadas.

A trilha sonora, claro, é um presente para os fãs, com os maiores sucessos de todas as fases da carreira, desde os tempos de Secos & Molhados até a fase solo.

Um espetáculo sensorial

Reprodução da capa do álbum ”Secos & Molhados” com os atores da obra (Foto: Reprodução/Instagram/@azulserra)

A parceria de Esmir Filho com o diretor de fotografia Azul Serra é outro ponto que merece destaque. Juntos, eles criam um espetáculo visual que traduz o impacto que Ney sempre causou em suas performances. A abordagem estética, cheia de cores vibrantes, brilhos metálicos e movimentos de câmera bem coreografados, reforça a atmosfera teatral que sempre marcou a carreira de Ney.

Apesar de tantos acertos, o filme apresenta um desequilíbrio nos minutos finais. O roteiro corre para encerrar a história, deixando de explorar as últimas décadas da vida do artista com a mesma atenção dada ao restante do filme. Essa escolha transforma o desfecho em um epílogo apressado, o que quebra um pouco da força dramática construída até ali.

Legado que continua a brilhar

Ainda assim, ”Homem com H” se consolida como uma das cinebiografias mais ricas e emocionantes do cinema nacional recente. Sua maior virtude está em não apenas recriar Ney Matogrosso, mas em celebrar a sua coragem de existir em uma sociedade que o rejeitava.

O filme não tenta transformar o artista em uma lenda inalcançável, mas sim em um ser humano real, com dores, amores, traumas e superações. É uma obra que entende a importância de Ney para a música, para o movimento queer e para a história cultural do Brasil.

Um filme que, acima de tudo, faz justiça ao tamanho e à grandiosidade de quem é Ney Matogrosso, e que todos agora podem conferir na Netflix.