Crítica

Live-action de "Como Treinar o Seu Dragão" emociona ao equilibrar fidelidade e sensibilidade

Mesmo sem reinventar a história, nova versão acerta ao respeitar a animação original e entregar uma adaptação madura. Leia crítica completa

Leitura: 6 Minutos
Live-action de “Como Treinar o Seu Dragão” emociona ao equilibrar fidelidade e sensibilidade Live-action de “Como Treinar o Seu Dragão” emociona ao equilibrar fidelidade e sensibilidade Live-action de “Como Treinar o Seu Dragão” emociona ao equilibrar fidelidade e sensibilidade Live-action de “Como Treinar o Seu Dragão” emociona ao equilibrar fidelidade e sensibilidade
Emoção, fidelidade e um visual marcante! O live-action respeita a animação original e conquista novamente o público sem precisar reinventar.
Emoção, fidelidade e um visual marcante! O live-action respeita a animação original e conquista novamente o público sem precisar reinventar (Foto: Reprodução/IMDb)

A era das adaptações live-action continua firme em Hollywood, mas com ela também cresce a desconfiança do público. Afinal, é cada vez mais comum ver animações clássicas sendo recicladas para as telas com atores reais, muitas vezes sem trazer algo realmente novo ou sem aquela essência que tornava a animação tão especial.

Quando foi anunciado que “Como Treinar o Seu Dragão” ganharia sua versão em carne, osso e CGI, o temor era justificado: por que refilmar uma história que ainda pulsa viva na memória coletiva e cujo original, de 2010, envelheceu tão bem?

A surpresa, no entanto, veio com o resultado: o live-action não apenas respeita a animação, como também acrescenta um toque de maturidade e sensibilidade que tornam sua existência justificável, ainda que não essencial.

Respeito à obra da DreamWorks

Dean DeBlois, diretor da animação e do live-action (Foto: Reprodução/Universal Pictures Brasil)

Comandado pelo próprio Dean DeBlois, o responsável pela direção e roteiro da trilogia animada da Dreamworks, o filme é um exercício de reverência. O cineasta demonstra um profundo carinho por sua obra ao evitar mudanças bruscas na trama e ao manter boa parte das falas e das sequências originais intactas.

Mas longe de ser uma mera cópia em HD, a adaptação aposta na força do elenco e no peso emocional dos atores reais para renovar a ligação com o público e manter o peso as cenas, sem soar superficial, e funciona muito bem.

A narrativa segue a base já conhecida: Soluço, filho do durão viking Stoico, vive em uma ilha onde dragões são inimigos mortais. Após capturar e poupar um dos mais temidos animais, um Fúria da Noite, apelidado de Banguela, o jovem começa a questionar as tradições de seu povo e embarca em um processo de transformação pessoal que desafia tudo à sua volta.

Soluço e Astrid (Foto: Reprodução/IMDb)

O ator Mason Thames, conhecido por “O Telefone Preto”, é um Soluço carismático e vulnerável, capaz de transmitir angústia e bravura com equilíbrio. Ao seu lado, a atriz Nico Parker, de “The Last of Us”, oferece uma Astrid mais densa, inteligente e emocionalmente acessível, ganhando destaque maior que sua contraparte animada e ainda com mais motivações.

Gerard Butler está à vontade ao viver o viking truculento Stoico novamente, e continua entregando uma performance que equilibra autoridade e vulnerabilidade. Inclusive, o roteiro aposta bastante relacionamento entre Soluço e Stoico, sendo um dos principais eixos emocionais da trama, aprofundando conflitos e gestos de afeto que ganham mais impacto em live-action.

Visual encantador e trilha sonora nostálgica

Visualmente, o longa é deslumbrante. A escolha por cenários reais misturados a efeitos visuais moderados, sem o realismo excessivo de “O Rei Leão” (2019), por exemplo, ajuda a manter o mundo de Berk mágico e crível ao mesmo tempo. A trilha sonora de John Powell também retorna, agora com arranjos mais delicados e foco em ambientação, pontuando momentos-chave com emoção e nostalgia.

Banguela e Soluço (Foto: Reprodução/IMDb)

Banguela, em especial, é um show à parte: com mais textura e presença física, ele conserva o olhar expressivo e os gestos felinos que o tornaram inesquecível. Cenas icônicas, como o primeiro toque entre Soluço e o dragão, ganham nova vida ao serem encenadas por humanos, e se tornam ainda mais comoventes, além do fato desta relação continuar sendo o grande destaque e força motora da franquia.

Fidelidade com sensibilidade

Ao contrário de muitos remakes da Disney que, na ânsia de replicar quadro a quadro suas animações, acabam gerando versões plastificadas, sem alma ou frescor, o longa dirigido por DeBlois entende que fidelidade não significa rigidez.

Há um cuidado em não apenas repetir, mas reviver a história com compreensão do material original, ao invés de tentar inserir forçadamente atualizações ou mudanças narrativas, ele opta por expandir com delicadeza, assim, o filme não precisa provar nada a ninguém: ele apenas convida o espectador a reencontrar uma história que já funciona.

Por outro lado, o excesso de fidelidade pode parecer, em alguns momentos, um freio criativo. A sensação de déjà vu se repete ao longo do filme, especialmente para quem conhece bem a animação. Algumas falas são reproduzidas quase palavra por palavra, o que dá ao projeto um ar de “trabalho escolar bem-feito”, sem ousadia narrativa.

As novas camadas oferecidas aos personagens coadjuvantes, como Astrid, Melequento e Perna-de-Peixe, são válidas, porém mais próximas de extensões de cenas do que de reinvenções autênticas.

A pergunta persiste: era necessário? Não exatamente. Mas o cuidado com cada quadro, a entrega emocional do elenco e a sensibilidade da direção fazem com que, mesmo desnecessário, o filme seja mais do que bem-vindo e deixa qualquer telespectador satisfeito com o que assiste na telona.

Um reencontro bem executado
Cena de Como Treinar o Seu Dragão (Foto: Reprodução/Universal Pictures Brasil)

No fim das contas, o live-action de “Como Treinar o Seu Dragão” é um raro caso de adaptação live-action que compreende o que a obra original representa e sabe como tratar esse legado com carinho e propósito. Não tenta reinventar a roda, ele se segura na força do original mas ainda oferecendo um convite para uma viagem de dragão que, mesmo previsível, é tocante.

Funciona tanto como porta de entrada para uma nova geração quanto como reencontro afetuoso para quem já voou nas costas de Banguela antes. Se a nostalgia é o combustível, o capricho é a bússola. E nesse voo, a rota pode até ser conhecida, mas o destino continua valendo a pena.