Análise

Por que o cinema de heróis precisa do Superman?

Novo filme do Superman representa uma nova chance de recomeço para a DC, para o gênero dos heróis… e talvez, para todos nós. Leia análise completa

"Superman'' retorna aos cinemas trazendo um recomeço para o universo DC
"Superman'' retorna aos cinemas trazendo um recomeço para o universo DC (Foto: Reprodução/Real D 3D)

“Você escreveu que o mundo não precisa de um salvador, mas todos os dias eu ouço pessoas pedindo um.” A confissão de Clark Kent em “Superman: O Retorno”, de 2006, ecoa ainda mais forte hoje, como se viesse de alguém que observa o planeta girar cansado. Em um cenário saturado de capas, cinismo e descrença, o Superman ressurge não como um guerreiro invencível, mas um farol que atravessa a névoa quando o horizonte some. 

O personagem que volta aos cinemas nesta quinta (10), permanece forte na cultura pop por ser um lembrete de que a grandeza não reside apenas em levantar arranha-céus, e sim em escolher todos os dias aquilo que é justo. O seu “S” rasga o céu chamando quem ficou no chão a olhar para cima e dizer, mesmo que sem palavras, que ainda vale a pena acreditar no bem.

Diante do cenário atual, segue a pergunta que abre esse novo capítulo do cinema de heróis: por que, afinal, ainda precisamos do Superman?

O primeiro grande voo 

Christopher Reeve se imortalizou no papel do herói (Foto: Reprodução/Instagram/@streamonmax)

“Superman” lançado em 1978 e estrelado por Christopher Reeve, mostrou ao cinema que super‑heróis podiam ser tratados com seriedade e ternura. Reeve entregou um Clark Kent desajeitado e um Superman majestoso, a dualidade perfeita que cristalizou o ideal de altruísmo. Embora as continuações não repetissem o brilho do original, o marco estava fincado: a partir dali, qualquer adaptação de quadrinhos seria medida pela fé inabalável daquele filme na humanidade.

Em 1989, o “Batman” de Tim Burton redefiniu uma estética sombria e complexidade emocional para o personagem, que ganhou cada vez mais destaque nas telonas enquanto o kryptoniano ficou à margem. Apenas em 2006, “Superman: O Retorno” tentou reviver o espírito de Reeve neste longa com o protagonismo do ator Brandon Routh, mas que não conseguiu revolucionar nas bilheterias e fez com que o público começasse a se distanciar da figura daquele herói.

DC e Marvel mudaram o cinema em 2008 (Fotos: Reprodução/Warner Bros./Marvel Studios)

Dois anos depois, o cinema de super-heróis passaria por uma transformação definitiva com dois lançamentos de impacto oposto, mas igualmente influentes: “Batman: O Cavaleiro das Trevas” e “Homem de Ferro”, ambos em 2008.

O sucesso estrondoso do Batman de Christopher Nolan, com sua abordagem sombria, realista e calcada em temas como corrupção, medo e moralidade, moldou o imaginário da Warner Bros. dali em diante. O estúdio passou a acreditar que o caminho do realismo brutal era a única rota segura para os heróis da DC, hesitando em explorar tons mais leves ou esperançosos. 

Enquanto isso, do outro lado, “Homem de Ferro” dava início ao Universo Cinematográfico da Marvel com leveza, carisma e uma construção planejada de longo prazo. Sob o comando de Kevin Feige, a Marvel Studios consolidou um modelo de narrativa interconectada que culminaria em sucessos bilionários como “Os Vingadores”, redefinindo o entretenimento moderno.

Assim, os dois filmes de 2008 não só inauguraram uma nova era, mas também plantaram as sementes de um modelo que, ao ser seguido à risca sem espaço para renovação, acabaria por desgastar o próprio gênero que ajudaram a elevar.

A fadiga de heróis

O DCEU foi pautado pelo estilo “sombrio e realista” (Fotos: Reprodução/Instagram/@batmanvssuperman)

Sendo assim, o salto mais ousado veio com “O Homem de Aço” em 2013. O diretor Zack Snyder pintou um Superman introspectivo e atormentado, interpretado por Henry Cavill. A visão dividiu fãs: alguns elogiaram a profundidade, outros sentiram falta do otimismo clássico. Em vez de permitir que o personagem amadurecesse, a Warner Bros. apressou um universo compartilhado, o DCEU, para rivalizar com a Marvel.

“Batman vs Superman” ampliou o drama, mas seu tom sombrio e a pressa em introduzir múltiplos heróis revelaram a ausência de planejamento. “Liga da Justiça” sofreu refilmagens extensas quando Snyder se afastou e Joss Whedon assumiu, resultando em um filme híbrido que desagradou ao público e expôs bastidores tóxicos, denunciados pelo ator Ray Fisher, que viveu Ciborgue no longa. A visão original só veio à tona anos depois com o lançamento de “Liga da Justiça de Zack Snyder” na Max em 2021.

Nos anos seguintes, a Warner alternou entre acertos pontuais, como “Aquaman”, e recepções mornas, como “Mulher Maravilha 1984”. A fusão com a Discovery em 2022 intensificou cortes, incluindo o cancelamento do fime “Batgirl” que simbolizou a crise de identidade. Sem liderança clara, o DCEU seguiu naufragando.

Superman ganhou diversas versões distorcidas (Fotos: Reprodução/Injustice 2/The Boys/Invencível)

Narrativas distópicas também começaram a ganhar espaço. A franquia “Injustice” popularizou o “Superman tirano’’, séries como “The Boys” e “Invencível” também criaram análogos brutais e arrogantes do personagem. O que começou como provocação se tornou tendência: o arquétipo do salvador benevolente cedeu lugar a deuses perigosos, alimentando a percepção de que todo poder corrompe.

Paralelamente, o próprio gênero começou a cansar. Depois do auge com “Vingadores: Ultimato”, a Marvel inundou o público com filmes e séries que nem sempre dialogavam entre si. Produções como “Eternos” ou “Thor: Amor e Trovão” receberam críticas frias.

Entre universos paralelos, cronologias complexas e necessidade de “lição de casa”, no sentido de serem obrigados a acompanhar todos os produtos do MCU em uma ordem específica, fez com que os espectadores passassem a buscar histórias mais enxutas e os heróis começaram a perda aquela aura de evento nos cinemas

Por que o símbolo ainda importa
James Gunn promete renovação com o “Superman” do DCU (Foto: Reprodução/Instagram/@jamesgunn)

Porém, em novembro de 2022, a Warner Bros. Discovery criou o DC Studios e entregou o leme ao diretor James Gunn, conhecido por ter trabalhado na concorrência com a trilogia “Guardiões da Galáxia”, e o produtor Peter Safran.

Gunn, também roteirista e diretor do novo “Superman” previsto para 2025, definiu uma missão em seu novo planejamento de universo compartilhado: restaurar o ideal clássico sem ignorar a complexidade moderna. Inspirado na HQ “Grandes Astros Superman”, ele promete um herói gentil, corajoso e acessível, alguém que lembra por que símbolos importam.

Esse filme é a pedra angular do agora chamado DCU, a nova tentativa de recomeçar com uma estratégia coesa, integrando cinema, séries, animações e games. A proposta não é apenas reviver um personagem, mas recordar ao público, agora cético e exausto, que esperança não precisa ser ingênua para ser poderosa.

O Superman continua relevante porque permanece fiel a uma escolha: usar poder para servir, não para dominar. Ele pode voar, mas prefere ficar próximo o suficiente para ouvir um pedido de ajuda. Em um cenário onde muitos heróis abraçam o cinismo, ele lembra que a empatia é mais subversiva do que qualquer raio laser.

Sua devolução aos cinemas em um momento de fadiga de franquias carrega significado duplo: oferece à DC um recomeço e ao público um espelho. Não buscamos um salvador que resolva tudo, ou apenas um modelo de coragem simples e insistente, mas um amigo capaz de inspirar atos cotidianos de bondade. Porque, em última análise, super‑poderes não mudam o mundo, as escolhas éticas mudam.

Olhar para cima, mais uma vez

Quando as luzes se apagarem no cinema, a pergunta que fica não é se o Superman derrotará o vilão, e sim se ainda acreditaremos no que ele representa. Em meio a crises criativas, cancelamentos, cronologias confusas e trocas de comando, o retorno desse ícone pode marcar não só um novo capítulo da DC, mas lembrar Hollywood e cada espectador de que grandes histórias nascem de valores claros.

Talvez seja por isso que ainda olhamos para o céu, esperando ver alguém voar. Não porque precisemos ser salvos, mas porque precisamos acreditar que também podemos subir acima do medo e da indiferença, e que, nesse voo, vamos poder encontrar a melhor versão de nós mesmos.