Análise

De "Moana 2" a "10 Coisas que Eu Odeio em Você": por que Hollywood não larga o passado?

Fórmulas consagradas garantem audiência, mas podem sufocar novas vozes e ideias no cenário cinematográfico global

Moana 2 e 10 Coisas que eu Odeio em Você (Fotos: Divulgação/Disney+)
Moana 2 e 10 Coisas que eu Odeio em Você (Fotos: Divulgação/Disney+)

*Reportagem de Gabs Miranda, estudante de Jornalismo na Estácio.

De continuações inesperadas a remakes que poucos pediram, Hollywood tem revelado uma nova — ou nem tão nova — tendência: a de se apoiar no passado. Sequências que antes surgiam como exceções pontuais, anos depois do original, agora fazem parte da regra.

Uma trilogia recentemente anunciada inspirada em “10 Coisas que Eu Odeio em Você”, clássico teen dos anos 90, ilustra bem esse momento que Hollywood atravessa. O filme original marcou uma geração e encerrou sua história de forma redonda. Agora, mais de duas décadas depois, a proposta de expandir esse universo com três novos filmes reacendeu debates entre os fãs e críticos: seria uma homenagem sincera ou uma tentativa forçada de capitalizar em cima da nostalgia?

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Apesar de existirem brechas narrativas que permitiriam imaginar desdobramentos para alguns personagens, a morte precoce de Heath Ledger, protagonista da história, tornou a ideia de uma continuação ainda mais sensível. Segundo o próprio diretor, Gil Junger, a proposta seria justamente homenageá-lo.

No entanto, para muitos, estender a homenagem por três filmes pareceu excessivo, levantando suspeitas sobre as verdadeiras intenções por trás do projeto. Afinal, transformar uma história leve e fechada em uma trilogia sobre a vida adulta do elenco original muda completamente o tom e o foco da produção — e pode descaracterizar aquilo que tornou o filme tão especial.

Dependência da nostalgia na indústria do cinema

Essa decisão reforça uma percepção crescente: Hollywood não apenas perdeu o medo de revisitar histórias antigas, como parece ter desenvolvido certa dependência delas. Mesmo quando a narrativa original não exige uma continuação, o apelo emocional de um título consolidado é visto como ativo valioso demais para ser ignorado.

Mas o fenômeno vai além: reboots de franquias antigas, spin-offs, versões live action… A indústria parece ter trocado o risco pela zona de conforto. Essa escolha, porém, não é apenas preguiça criativa. É estratégia.

Segundo dados do pesquisador Stephen Follows em seu artigo “Are there more movie sequels than there used to be?” (“existem mais sequências do que costumam ter antigamente?”, em livre tradução), no ano de 2023, as continuações representaram menos de 5% dos filmes lançados nos cinemas dos EUA e Canadá. Ainda assim, foram responsáveis por impressionantes 45,8% da bilheteria no período.

Ou seja: mesmo em menor número, essas produções rendem quase metade do que o cinema arrecada. Para os grandes estúdios, é um investimento com retorno quase garantido.

Como a nostalgia se transforma em estratégia

Esse comportamento atende ao que alguns chamam de “algoritmo do lucro”. Funciona assim: a nostalgia atrai o público, o reconhecimento imediato reduz os riscos e o engajamento nas redes acontece quase naturalmente. Diferente de uma história original, que precisa construir seu espaço do zero, um título já conhecido tem base fiel, apelo emocional e grande potencial de viralizar — às vezes só com um teaser.

Títulos como “Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, “Meninas Malvadas: O Musical” e o recém-anunciado “Beetlejuice 2” mostram que a lógica das continuações e reimaginações está longe de perder força. E quando essa aposta dá certo, como no caso de “Top Gun: Maverick”, o resultado é estrondoso: bilhões em bilheteria, recordes quebrados e um reforço no valor da marca. Mas será que essa dependência de fórmulas conhecidas não cobra um preço?

Um exemplo recente e simbólico é “Moana 2”, sequência de uma animação relativamente recente, lançada em 2016. Mesmo com pouco entusiasmo por parte dos fãs — muitos dos quais consideraram a decisão apressada e desnecessária —, a Disney investiu pesado na produção e no marketing.

O resultado? Um sucesso comercial garantido, antes mesmo da estreia, apenas pelo peso do nome. E mais: o estúdio ainda prepara um remake live action do primeiro filme, com Dwayne Johnson retornando ao papel.

Enquanto isso, produções originais do mesmo estúdio, como “Red: Crescer é uma Fera” ou “Raya e o Último Dragão”, por mais elogiadas que sejam pela crítica, não recebem o mesmo investimento promocional — e acabam passando despercebidas por boa parte do público.

Essa escolha diz muito sobre a lógica do mercado: filmes originais carregam mais risco. Eles precisam construir um público, uma estética e uma identidade do zero. Já franquias estabelecidas entregam reconhecimento imediato, viralização fácil e um retorno mais previsível — ainda que o resultado artístico fique em segundo plano. O risco criativo, portanto, é muitas vezes engolido pela segurança comercial.

Crise criativa ou estratégia calculada?

A crítica especializada já vem alertando: a superexposição de franquias pode engessar o mercado cinematográfico. Com os grandes estúdios voltando seus recursos para propriedades intelectuais já conhecidas, roteiristas com propostas originais encontram cada vez menos espaço para emplacar suas ideias.

O público, por sua vez, é bombardeado por uma repetição de temas, personagens e fórmulas narrativas, ainda que em novas embalagens. A longo prazo, isso pode comprometer a diversidade criativa do cinema, tornando-o menos ousado, mais acomodado e previsível.

Esse movimento também afeta a renovação de talentos. Criadores independentes ou novatos enfrentam uma barreira quase intransponível quando competem com o barulho midiático de uma continuação bilionária ou de um reboot com rostos já consagrados. E ainda que plataformas de streaming tenham aberto novas janelas, cinema de alcance global continua dominado por “universos compartilhados”, remakes nostálgicos e spin-offs calculados para manter o público engajado por anos.

A resposta é o fim das continuações?

Ainda assim, é simplista tratar toda continuação como um erro. Há casos em que revisitar um universo conhecido é mais do que um aceno à nostalgia — é uma chance de amadurecer narrativas, corrigir representações defasadas ou até expandir discussões relevantes para o presente.

“Creed”, por exemplo, soube revitalizar a saga “Rocky” com frescor e profundidade. Já “Blade Runner 2049” não apenas respeitou o original, como ampliou seu legado com uma estética marcante e novas camadas filosóficas.

No fim, a pergunta que fica é: até onde vale reaproveitar histórias antigas? E será que ainda há espaço para o novo em meio a tantas versões do que já conhecemos? Talvez Hollywood precise, mais do que nunca, encontrar um equilíbrio — entre a memória afetiva que move plateias e a urgência de contar histórias inéditas que desafiem o agora.