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Hilda Hilst pede contato em Paraty

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A história é conhecida: durante anos da década de 1970, Hilda Hilst tentou entrar em contato com os mortos. Numa linha de trabalho desenhada pelo cineasta sueco Friedrich Jurgenson, a poeta usava o ruído branco das ondas de rádio para tentar captar vozes do além. Em 1979, Hilda apareceu em uma reportagem do Fantástico falando sobre o assunto, mas esse trabalho nunca tinha sido levado a sério. Agora, ele tem a oportunidade de ganhar novas leituras com Hilda Hilst Pede Contato, filme de Gabriela Greeb, que estreia nesta quinta-feira, 26, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

A cineasta é diretora de A Mochila do Mascate (2005), filme de arte sobre o diretor e cenógrafo italiano Gianni Ratto, radicado no Brasil desde os anos 1950 e morto em 2005. Nome fundamental da encenação brasileira na segunda metade do século 20, ele trabalhou com Fernanda Montenegro e Paulo Autran, entre vários outros nomes. O filme, bem avaliado, chegou às mãos de José Luis Mora Fuentes, então herdeiro da obra de Hilda Hilst, que lhe enviou um e-mail convidando para fazer um filme daquele tipo sobre a escritora.

Quando Gabriela aceitou e foi visitar a Casa do Sol – morada de Hilda na região de Campinas -, notou uma caixa com fitas como que abandonada. Mora Fuentes quis desconversar, mas o material era aquele mesmo: as fitas das gravações de Hilda pedindo contato com os mortos. O filme apareceu na cabeça da diretora na mesma hora.

“Pensei: vamos inverter o procedimento dela”, diz a diretora, em Paraty. “Ela, morta, vai falar com os vivos. Queria que o filme a colocasse em contato com o leitor, que foi o que ela sempre quis. Para mim, esse diálogo que ela busca, essa eternidade, é o leitor.”

Com sonoplastia do português Vasco Pimentel – com quem Greeb divide a mesa das 10h da programação principal da Flip nesta quinta – e protagonizado por Luciana Domschke, o filme coloca na atriz a voz original das gravações de Hilda, e coloca diálogos e outros depoimentos. Há 10 anos em produção, o filme chegou a ser rejeitado em 35 editais, segundo a diretora. “Por que no Brasil não tem confiança no autor? Pessoal acha que a gente é maluco”, ironiza. Tudo foi filmado na própria Casa do Sol.

O filme também resultou num livro, de mesmo título, lançado na Flip pela Sesi-SP Editora. Além do storyboard do filme, anotações da diretora e reproduções de cadernos de Hilda, estão ali transcrições das fitas.

Ela pede contato de nomes como Kafka, Clarice Lispector e Wladimir Herzog, mas quase sempre se refere ao “povo cósmico”, expressão de Jurgenson. Para Greeb, mais do que essas curiosidades, o filme cumpre uma função de jogar luz sobre esse material, que talvez de outro jeito não seria conhecido.

Com o crescimento dos estudos acadêmicos sobre Hilda Hilst, pode ser interessante especular como esse material, transcrito pela primeira vez ao papel, pode se encaixar na sua obra literária – multifacetada e exploratória por ela mesma.

“Costumo dizer que Hilda funciona como uma grande engrenagem. No mesmo dia que terminei o filme, quase 10 anos depois de começar, fui abrir um vinho com uma amiga e recebi uma ligação dizendo que ela seria homenageada na Flip”, diz, ainda com dificuldade de acreditar.

O filme – que tem direção de fotografia de Rui Poças – estreia no circuito comercial na próxima quinta-feira, 2 de agosto.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.